domingo, outubro 18, 2009

Liberdades Civis
















Há tempos andava a a discutir o problema da sociedade civil com um amigo e professor. Este insistia que tudo o que não era sector estatal e tinha finalidades públicas seria considerado sociedade civil. O ponto era interessante, repleto de subentendidos hegelianos, mas completamente desfasado do modelo de Estado que temos. Como poderá este modelo de Estado Democrático, uma máquina vazia que apenas reconhece como elemento público a manutenção de esferas de individuais e em que todos os sentidos colectivos são preenchidos com a vontade do soberano colectivo, reconhecer em associações privadas as finalidades que o próprio se recusa a aceitar? Aceitar esta perspectiva implica tomar como elementos da sociedade civil as empresas ou sindicatos (que agem segundo o seu interesse próprio), uma associação de incentivo ao suicídio colectivo, uma sociedade de defesa da pornografia infantil. Onde nada exista de público, tudo aquilo que seja ou se mascare de interesse pela colectividade pode ser aceite como sociedade civil.
Claro está que esta sociedade civil nada tem a ver com aquele elemento que Tocqueville considerava preponderante na manutenção de um sistema de liberdade dentro do Estado Moderno. As associações humanitárias que lutam por direitos sociais e não fazem mais que pugnar pela destruição de todas as outras perspectivas culturais que sobrepõem uma concepção de Bem ao mando, são os principais opositores dessas instituições sociais, simplesmente por defenderem a total subordinação à fonte de poder por estas defendido. Esta posição é precisamente o inverso do que a sociedade civil originalmente é e corresponde a algo muito semelhante ao que sucede no poder autárquico actualmente, a transformação dos privados em servidores públicos.
Tocqueville apresenta a sociedade civil como fundamento da liberdade moderna, demonstrando como só numa sociedade com posição sobre o mal e o bem pode haver uma liberdade compatível com a reponsabilidade. Algo que é completamente estranho à sociedade civil actual e ao seu ritualismo da tolerância, a sua obsessão com a inserção incondicional do Outro, óbvio reflexo da impessoalidade e ausência de critério do Estado Moderno e seu sistema de crenças. Mas o que Tocqueville esqueceu foi a forma como a sociedade civil só pode existir num contexto de definição de bens exteriores aos sujeitos, mas que tem existência real e precedente à realidade política. Tal só pode ocorrer quando o Estado apercebe uma estrutura natural e assume que a sua própria criação só existe num contexto de aceitação de finalidades naturais e não políticas. A autarquia, a associação profissional, a família, só podem ter existência livre quando submetidas a finalidades que transcendem o Estado, mas que encontram neste o reconhecimento do seu carácter imperativo. Só podem ser livres se aceitarem o Bem (a família tem de acreditar que a educação tem valor, p.ex.), se o Estado aceitar as suas limitações naturais, se a sociedade descriminar entre as associações boas e as de malfeitores. Um equilíbrio mais complexo do que se pensa geralmente.

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sexta-feira, maio 15, 2009

Cidadania Cristã














A Magdalia colocou-me o desafio de explicar a estranha relação entre o catolicismo e a sociedade democrática. Obviamente que o tema não cabe nesta pequena coluna. Há apenas algumas coisas que deveriam ser evidentes para todos os católicos e que o não são, dada a ânsia de fazer, o sonho de mando ou a superficialidade das crenças dos que dispõem de posições de relevo na nossa sociedade.
O Catolicismo não é uma mera fé individual, mas uma proposta relacional. Por isso, aqueles que pretendem aceitar a suposta neutralidade do político (quer como resultado da vontade social, quer como norma que existe em formulação abstracta que derrama sobre a ordenação) para determinar que a norma cristã apenas vincula aqueles que voluntariamente a perfilham, aceitam que a comunidade política tem o direito de restringir ou mesmo proibir a Caridade. Ao aceitarem a divergência entre a comunidade política e qualquer princípio fundado na ontologia, aceitam viver numa comunidade onde a força legítima vive em esquizofrenia, defendendo uma coisa e o seu contrário, restringindo coercivamente a acção independentemente da benevolência da mesma.
As consequências desta acção são a catástrofe dos massacres e a dissolução da própria comunidade. O massacre vem na capacidade de cada uma das comunidades de possuir uma visão própria da justiça (aceitar a morte como pena para transgressões menores, a dotação jurídica do valor de vida humana apenas a partir do nascimento, da puberdade ou da maioridade, etc.). A destruição da comunidade, vem, por consequência lógica, da destruição do sentido comum que tal cisão acarreta. Onde o que era nosso semelhante comete os actos mais bárbaros, o seu carácter civilizacional degrada-se e a “semelhança política” dá lugar à indiferença.
A incapacidade de perceber a não-neutralidade do nosso estado liberal «de facto» (do nosso socialismo constitucional nem vale a pena falar) e a forma como este degrada as relações entre os homens de uma comunidade, com a sua formulação de amor bidireccional (Homem-Homem, em vez de Homem-Homem-Deus) tem como consequência a aceitação do plano político absoluto. Aí encontramo-nos no domínio da concepção política protestante: a salvação como questão individual, a independência política de qualquer concepção de Bem (a redução do Bem ao poder e à quantidade), a política como artefacto humano.
Esta é a escolha que todo o “cidadão cristão” tem de fazer...


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quinta-feira, março 26, 2009

Limites

«The law becomes dangerous, however, if it requires too much. If it demands “all virtue,” or if it “prohibits all vices,” as Aquinas also noted, it will claim almost a divine power to itself. This sort of law, to which the modern state seems too often to be tempted, would leave no room for normalcy. We have to allow people the possibility of making mistakes or even committing crimes lest we establish a totalitarian state in which the law claims responsibility for everything. This temptation seems very real in today’s liberal polities. In any case, it is a question of civil order that citizens not only observe the laws, but have laws that are themselves reasonable and in conformity with their nature, the essence of which is not the creation of the law or the polity. »

James V. Schall – “Civility” na First Principles.

Não é raro que se façam paralelismos entre a defesa de uma ética de virtude comunitária e os sistemas totalitários. Por ignorância ou por outras razões mais profundas, é frequentemente invocada quando falamos de sistemas de inspiração Cristã a questão do totalitarismo, esquecendo que a política cristã lhe é totalmente avessa. Esta aversão prende-se com dois pontos essenciais: 1. a ordem cristã não pretende, ao contrário da sua congénere moderna, eliminar o carácter pecaminoso do Homem. 2. a ordem cristã tem na sua génese um conjunto de auto-limitações de Poder que a tornam livre e impedem que se extravase cada um dos “contentores” naturais de da autoridade na sociedade.
A primeira lei da ordenação política Cristã é que esta não pode reinterpretar ou substituir o acervo religioso. Nós somos livres e iguais em natureza porque nos encontramos submetidos a uma mesma obrigação, a uma mesma ordem natural da qual não podemos prescindir. Isto é o inverso das teorias modernas, dispostas a criar um Homem Novo com uma Nova Felicidade, para dessa forma relançar o Homem na guerra-de-todos-contra-todos da teoria hobbesiana.
A segunda lei, de que fala a citação, prende-se com a imperatividade de uma ordem social e que obriga a que a santificação não seja um propósito da lei. As consequências são evidentes. Ao Estado não compete a erradicação ou a eliminação do Pecado, mas a prossecução do Bem Comum. Evidentemente que o Bem Comum, por ser Bem, está intimamente ligado com os sentidos da Palavra Cristã. Contudo ao político não compete o Bem que é irrelevante para a comunidade. Ao contrário da proposta moderna de sociedade em que o “assistente social” é o funcionário do Estado a quem compete superintender a família, mesmo onde não existem indícios de quaisquer práticas criminosas (estado educador), a proposta tradicional salvaguarda a família, não considerando a pobreza ou a “exclusão” como razões para a sobreposição do Estado aos pais. O objectivo do político não é eliminar o Mal. O Estado Totalitário Moderno é que possui como finalidades o fim da pobreza e da exclusão, a expensas do direito natural dos filhos serem educados pelos pais.
Muita gente que fala sobre a educação comunitária defendida por Platão e poucos lembram que as obrigações e capacidades para esta só poderiam ser suportadas por poucos. Aos “muitos” a igualdade serve perfeitamente e o legislador sábio tem sempre esse horizonte em conta. Uma sociedade não se faz só de santos. Nem aí Platão era utópico.

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terça-feira, março 17, 2009

Gnose no Concílio














«Providence is leading us to a new order of human relations that...are developing toward a fullness of superior and unexpected designs»

«preparing and consolidating the way toward that human unity which is a fundamental necessity because the earthly City is constructed to always resemble the heavenly one "in which truth and the law of charity reign, and is the extension of the Eternal One.”»

João XXIII “Alocução Inicial ao Concílio Vaticano II”


Muitos amigos meus, uns leitores deste espaço, outros nem por isso, decidem de quando em vez mostrar-me que não existiu no Concílio Vaticano II qualquer corte com a Doutrina e Tradição da Igreja. A matéria é difícil dada a propositada nebulosidade da sua natureza. Assuntos há, porém, em que a dificuldade de análise é quase nula e em que as afirmações dos responsáveis são tudo menos nebulosas, demonstrando as reais intenções e conceitos que subjazem a essas construções.
No caso das supracitadas afirmações da Alocução do Papa João XXIII o significado é evidente: a unidade terrena da humanidade teria um qualquer significado cósmico e constituiria um imperativo da Igreja. Um raciocínio gnóstico em essência tornou-se mote essencial do espírito conciliar e das interpretações inchadas que deste se fizeram.
É evidente que a Unidade do Género Humano não corresponde a qualquer desígnio cristão, primeiro porque não existe nenhum sentido na História (havendo nesta limites) e não nos encontramos invariavelmente a caminho de uma unificação com Cristo, em segundo, porque a unidade transcendente do género humano não implica quaisquer formas terrenas.
Se a primeira consequência corresponde aos erros do gnóstico Chardin, que viu nas coisas mortais a fonte de todo o caminho para Cristo, a segunda implicação é de feição claramente milenarista e um reflexo ideologista claramente abstruso, que conduziu à emergência das seitas protestantes e das grandes religiões políticas. Acreditar que a construção humana deve emular o Paraíso sempre foi o grande desígnio protestante. A comunidade de santos, protestante, revestiu-se posteriormente de muitas outras formas (raça eleita, super-homem, proletário…) que sempre correspondiam a um ideal de emulação do Reino Divino. Esta fórmula, a Utopia, corresponde sempre à transformação do Homem em Santo, da sociedade em convento, do Eu em Deus, crendo que a emulação terrena das condições do transcendente aproxima o Homem da sua finalidade.
Na citação o Papa João XXIII aceita esta fórmula de pensar, acreditando que a unidade Humana, mesmo que desviada das finalidades cristãs, representa, de qualquer das maneiras, o Amor Divino, o que constitui não apenas um erro grave, como implica uma unidade com Cristo fora do Cristianismo. Implica também que a expressão do Amor de Cristo se faz de fora para dentro, ou seja, é um reflexo de Cristo no Mundo e não da Palavra nos espíritos que modelam as coisas terrenas. Será mesmo que existe mais Cristo numa união humana laica, na Cosmópolis social-democrata ou na Paz Perpétua, do que em dois Cristãos que se amam segundo os Ensinamentos e a Palavra?

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quarta-feira, março 04, 2009

Francis Canavan











Eminente pensador político, padre jesuíta, estudioso da democracia e do espírito americano, professor universitário, defensor da tradição jusnaturalista clássica e eminente estudioso da obra de Burke (que recuperou para a referida tradição), faleceu no passado dia 26.
Podem ler aqui mais sobre este académico notável.

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terça-feira, fevereiro 10, 2009

Política, Prudência, Filosofia, Religião














Muitas pessoas que leram o meu artigo sobre os Perigos da Monarquia o interpretaram como um apelo ao “purismo”, uma “imprudência” ou um reflexo da minha incapacidade de fazer compromissos. Os meus textos não são políticos, no sentido em que não estão contaminados pelo compromisso de que a actividade política precisa para poder ser frutuosa. Pelo contrário, os meus escritos tentam ser a parte imprudente de que é composta toda a prudência, o que consiste na compreensão dos limites da mesma.
Se aqui escrevo para alertar dos perigos da Monarquia, faço-o compreendendo os limites do que é a mesma e do que a transforma em qualquer outra coisa, não podendo alguém servi-la ao servir o contrário que se esconde sob um mesmo nome.
Grande parte da suprema virtude política da prudência consiste em saber com que estado-de-coisas não se pode pactuar, pela simples razão de que qualquer acção a que procedamos não atinge qualquer fim desejável.

A política não é lugar para essencialismos. Contudo, qualquer política que não aceite o seu lugar na escala das coisas, de que as essências fazem parte cimeira e são expressão essencial da realidade, é a tal “quadrilha de salteadores” de que falava o Santo. Como já aqui tantas vezes escrevi, a comunidade política não é lugar de santificação, não tendo como objecto a Salvação das Almas (deixamos isso para os protestantes de todas as cores políticas), a eliminação ou repressão do Pecado. A essência da liberdade Cristã recai nessa divergência entre Crime e Pecado (um produto da estrutura tensional e não de qualquer aliança Trono-Altar), sendo o primeiro a violação da justiça política que afecta a comunidade e o segundo o dano da Alma sem repercussões na pólis.
Porém, toda a justiça que não se encontra fundada num elemento moral recai no Despotismo do Soberano (independentemente do número de déspotas). Dado que todas as tentativas de elaborar uma moral cívica independente dos preceitos comunitários caíram em momentos de loucura cosmopolita e que nenhuma comunidade conseguiu alguma vez ter como laços não-religiosos (ou na sua visão sobre Deus), “a Ordem da História é a História da Ordem”, não temos outra solução senão conhecer aceitar que a comunidade se funda nesses laços mais profundos e que toda a Liberdade vem da inviolabilidade do Espírito aos avanços da política.

O que escrevi anteriormente não carece de Dogma e tem a possibilidade de ser contra-argumentado. Como escreveu o Modernista, a filosofia não vem da Fé. É, contudo, um método que sem esta se encontra tão incompleto que o seu fundador compreendeu a imperatividade de encerrar a obra fundadora com uma descrição do Além. Duas faces distintas do real.

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terça-feira, janeiro 27, 2009

A Religião como Braço Transcendente do Poder


“Se Deus criou o Homem racional e com tendência para racionalizar tudo o que observa à sua volta, por que não poderá uma concepção racionalista da política estar próxima e/ou ter como guia os valores do Catolicismo e do Cristianismo de forma geral?O Deísmo protestante terá nascido por geração espontânea, ou ele não será mais que uma herança cristã-católica, mas descentralizada da hierarquia de Roma, para criar uma sociedade com valores morais consistentes e objectivos que deram origem uma sociedade próspera ampla e profundamente religiosa? (Tendo nós como exemplo flagrante os primeiros colonos dos EUA, Canadá, Austrália e Nova Zelândia.) Por que haveria Pera, pretendendo ele "uma Europa cristã" de ignorar o legado pós-Reforma? Será a visão sectária de cada uma das Igrejas cristãs aquilo que poderá ajudar a edificar uma Europa e um mundo cristãos?” - Pedro Félix -


Parece-me que o Pedro Félix confunde racionalidade com racionalismo, sendo isso que está a prejudicar a compreensão do problema. A racionalidade faz parte da Tradição Cristã. Poderá alguém dizer que São Tomás não era racional? Pode-se dizer que não é racionalista, ou seja, não acreditava no materialismo, em que os factos e a materialidade seriam a chave para o conhecimento, numa representação de um Deus encoberto e revelado pela Natureza e não pelo Sobrenatural. Ou seja, racionalismo e deísmo são incompatíveis por completo com o Catolicismo e a sua visão sobrenaturalista do mundo.
Ora o Pedro Félix comete aqui um segundo equívoco. O facto de achar que pelo Deísmo vir do Cristianismo é compatível ou o mesmo que este. Tal não corresponde à verdade, porque o papel que é atribuído à Tradição é relegado para um papel contingente e o conhecimento de Deus passa a ser um "direito humano", em vez de uma prerrogativa dos que acedem ao espiritual. No meio de tanta "objectividade" a única coisa que o protestantismo conseguiu produzir foi um deus para cada cabeça. A religião da dúvida ou da Razão... E então o Estado veio com os seus Direitos Seculares e Força ocupar o lugar do Certo e Errado. Ora, pode o PF dizer que essa visão gerou mais prosperidade, mas essa é uma categoria que não é moral. Se acredita que a prosperidade é uma categoria moral, acredita que "might is right", uma expressão evidente do Mal e anexa o certo e errado às cotações da bolsa, ao resultado das guerras, a uma corrida de cavalos.
Há um problema central na identidade que interessa reflectir. Nenhuma pessoa pode ser simultaneamente uma coisa e o seu contrário... Ou seja, uma entidade não pode ser simultaneamente naturalista e sobrenaturalista, nem deísta, maçónica, laica ou agnóstica e Cristã, da mesma forma que não se pode ter um metro 1,64m e 1,87m. Quem aceita este tipo de identificação contraditória é porque tem na identificação uma arma para projectos políticos. A religião como braço transcendente do tal “might is right” pode ser muito útil, mas é o contrário do que deve ser a Religião – a procura da ordem das coisas e a reordenação da alma segundo esse princípio. Isso não é mais do que Ideologia.
O Pedro Félix fala do sectarismo das igrejas cristãs do ponto-de-vista de quem não acredita em nenhuma. Só assim se explica que prefira o Poder do Cristianismo, à sua Verdade. É que é preciso ser muito imaginativo, ou ver o Cristianismo de muito longe, para não perceber as insanáveis diferenças no seu seio. Para as esquecer com desejo de mando, o problema já é outro e mais profundo.

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segunda-feira, janeiro 26, 2009

Pêra Manca















Terminei hoje a leitura de “Perché Dobbiamo Dirci Cristiani” de Marcello Pera (livro aqui citado pelo André Azevedo Alves). Li-o por sugestão de amigos e para perceber, através da missiva do Papa ao autor, qual a linha argumentativa da Igreja para se “adequar ao mundo”. O livro é uma sequência de equívocos e meias-verdades sobre o Cristianismo e o Liberalismo que tem uma finalidade clara, mas um argumento de seriedade duvidosa.
Primeiro que tudo a linha argumentativa é muito semelhante à de Joseph Weiler em “Para uma Europa Cristã” e não apresenta novidades significativas, excepto uma visão mais descritiva (embora muitas vezes descontextualizada e omissa) dos fundadores do liberalismo no que respeita ao Cristianismo. Por isso o livro é quase um eco de argumentos democrata-cristãos (uma ideologia mortiça do passado) para que o Estado-laico persista com preceitos do Cristianismo.
No meio do requentamento de algumas ideias antigas, mal disfarçadas de coisa nova, um conjunto de confusões vêm à tona e sobressaem. Pera afirma que o liberalismo só existe no contexto do Cristianismo e do seu jusnaturalismo. Isso é verdade, mas esquece uma verdade mais essencial, que o liberalismo provém de uma concepção Cristã que é incompatível com o Catolicismo e que se apoia num deísmo protestante para criar um Deus que não deixa ensinamento terreno e deixa o campo da moralidade política para a racionalidade humana. Locke sabia isso ao condenar os Católicos à exclusão da sua tolerância. Infelizmente Pera gosta muito de Locke, mas esqueceu-se disso...
Este esquecimento de Pera é, porém, muito revelador. Pera propõe-se a compatibilizar o incompatibilizável e a assumir a visão política Católica como mero membro desse Cristianismo que é fundador do liberalismo (a ideologia que pretende preservar e que é o seu quadro de valores), cria uma ideia de proximidade entre o Catolicismo e Protestantismo que só é real em mentes capazes de dobrar o real à sua vontade (Pera é bem capaz disso, como se verá). Mas se é assim, porque estranha razão foi preciso derrotar militar e espiritualmente o Catolicismo na Europa para que o liberalismo se afirmasse na Europa? Afirmá-lo seria afirmar que os Papas anteriores ao liberalismo não estariam em perfeita sintonia com os verdadeiros valores Cristãos, o que diria muito sobre as reais intenções do autor.
Pera afirma querer o Jusnaturalismo Cristão como modelo de edificação europeia (à semelhança dos EUA), com vista a criar uma reserva de Direitos Fundamentais. Infelizmente, a única coisa que Pera faz é, ao bom estilo dos seus mentores deístas e racionalistas, criar um Deus que serve os seus interesses políticos (as liberdades e tolerâncias) esquecendo todo o acervo Cristão (Católico) sobre os limites à liberdade e tolerância que o autor olimpicamente ignora. Se Deus serve como referência para a inviolabilidade dos princípios políticos, talvez ignorar o acervo religioso que se está a defender talvez não seja boa ideia... a não ser que, como disse, se esteja a falar de uma religião, o Cristianismo, que é uma síntese metafísica liberal que está na cabeça do autor. Mas se entramos nesta maravilha moderna dos deuses privados, talvez não nos encontremos muito longe do “Crepúsculo dos Deuses” ou dos sonho nietzschano de muitas figuras do Reich. Que liberdade subsiste nessa visão de Deus?
Não me interessa muito a sensibilidade de Pera ao projecto político da Igreja. O autor erra e erra muito. Quando condena a Igreja não o faz porque esta não esteja a defender os princípios de Cristo, mas porque não se mantém na linha liberal. Deve ser o deus secular que lhe fala ao ouvido e mais alto que o Outro.

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quarta-feira, novembro 12, 2008

Preocupações Para Hoje

“A Letra Mata, mas o Espírito Vivifica” (2 Cor 3, 6)

Alguns leitores têm expressado o desejo de que eu lhes dê uma ideia do que seria uma posição política aceitável nos dias de hoje. Sabendo-me militante contra todas as formas políticas existentes em Portugal, questionam-me sobre se existe algo que me faria defender uma qualquer força política.

Começo por dizer que a única razão por que não apoio nenhum partido se deve apenas à falta de mérito de qualquer deles. Ser contra os partidos como princípio é um erro. É um pouco como ser contra uma linguagem ou um material de construção, esquecendo que cada um deles será aquilo que deles se fizer. Se é evidente que algumas línguagens são mais evoluídas e que alguns materiais de construção são mais propícios a construções sólidas, aquele que se recusa a falar porque o código não é perfeito, ou aquele que não constroi porque só aceita a perfeição do mármore, peca por omissão.

A decisão de falar ou construir não é porém um imperativo. Há momentos em que qualquer homem demonstra mais dignidade ao não se envolver com qualquer proposta. É o caso do actual panorama partidário português, onde, para além de um eco ridículo (nenhum partido conhece uma linguagem que não seja a dos direitos, da responsabilidade estatal no bem-estar material dos cidadãos, da palavra Justiça encarada como resultado das vontades da massa), não há qualquer solução para as questões mais básicas da convivência humana.

Ao não serem definidos os princípios comunitários vivemos a pior das ditaduras. É só escolher... A eficácia, o poder, a propriedade, os portugueses, os trabalhadores... há um ditador para cada paladar, mas não existe ninguém que afirme a existência de um critério superior para que se escolha uma coisa em detrimento de outra. E sobre isto, qualquer dos partidos e propostas políticas de hoje, é estranhamente omisso. O que equivale a dizer que são sintomas e não causa ou cura, aceitando como dado a ideia do Estado como mero instrumento de obtenção de bens para a clientela da sua devoção.

O que hoje é preciso que se diga é que o elemento essencial de uma comunidade é, e sempre foi, o laço que está além de si próprio. Dessa relação com a Verdade surge toda a sua capacidade de viver de uma forma que não permite a arbitrariedade da relação política que ocorre sob o vácuo da suposta neutralidade moderna. Desse vácuo nasce a total incapacidade de compreender os princípios de qualquer coisa que seja justa em si e que se possa defender na ordem política como elemento de validade superior à dialética e às interacções entre os vários concorrentes pelo Poder.

Nasce desta incapacidade de relação com a Verdade, também, a incompreensão das nossas instituições civis, que são e serão sempre um reflexo dessa relação com a Verdade. Transformando ou matando a Verdade, ficam as palavras e mudam-se os sentidos, de forma a que o amor que a sociedade passa a defender se confunda com o ódio. De forma a que qualquer obrigação não seja mais do que um reflexo da vontade, a Palavra é destruída e com esta vem a destruição das esferas autonomizadas da família e da vida local.

Só existe um desígnio, uma coisa a ser feita: restaurar a primazia da Experiência Cristã.
O resto é pouco, ou quase nada.

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sexta-feira, outubro 31, 2008

A Visão de Soloviev e o Triunfo do Homem














Compreender a visão dos grandes pensadores sobre o futuro é um caminho perigoso. Para os “modernos”, com a sua crença de que o mundo será o que o dele o Homem fizer, a presciência dos sábios é um passe de mágica. Como a estrutura da Natureza Humana é, segundo a fórmula moderna, um elemento em aberto e não uma norma inscrita na realidade humana, o que quer que o filósofo (ou alguém até menos credenciado) coloque nas finalidades humanas e no seu destino terreno, funcionará sempre como destino da Humanidade.
Por isso, figuras como Edmund Burke e a sua previsão do Terror revolucionário, Donoso Cortés e a sua compreensão da emergência das ditaduras do século XX, ou Vladimir Soloviev e a sua visão da destruição da Europa, parecem ao leitor moderno um acesso de sorte, um truque ou um conhecimento mágico, digna dos dotes divinatórios de Nostradamus.

A reflexão de Soloviev não vem, porém, da observação do vôo das aves ou das entranhas dos animais, mas de uma visão profunda da natureza humana, das suas limitações e tentações essenciais, da forma como o Homem se articula perante as suas finalidades e como estas são ditadas pelos “amores” que lhe são peculiares.
É da metátese do “o amor de si próprio” do Homem, , que emerge a destruição da Humanidade. Em “Breve Conto sobre o Anticristo[1]”, Soloviev descreve, mais do que a História do século que o seguiria (nascido em 1853, viria a falecer em 1900) em algum pormenor, a doença espiritual que viria a atormentar o Ocidente e a alma do mundo Cristão.

Nascido dos Nacionalismos do século XIX e das suas obsessões políticas, as ideias políticas que viriam a destruir a Europa seriam projectos de poder megalómanos e vazios. Unidos por elementos raciais e por ódios e vinganças, os povos lançam-se numa luta pelo predomínio mundial. As novas ideias, juntamente com os exércitos vindos do Oriente, conquistam a Alemanha e obrigam-na a uma rendição desonrosa que as outras potências europeias aproveitam para predar. Os “trabalhadores sem-pátria” da Europa franqueiam a entrada aos invasores, minando a resistência dos povos e aclamando o inimigo oriental. De todos estes tumultos emergem os Estados Unidos da Europa, subjugando o poder dos Estados até aí independentes, em prol de um desenvolvimentismo materialista. Todas as ideias de Deus são afastadas do ensino e da cultura e a maioria dos habitantes desta Europa Unida, uma obra da Irmandade dos Pedreiros Livres, aderem à descrença religiosa.
Da insatisfação com o vazio materialista do século XX cresce, nalgumas franjas da sociedade, um sentimento espiritualista. O século XXI assiste ao nascimento de um sábio, um moralista, um homem de fé, famoso ainda na juventude.

Nasce desta forma, recta e bem-intencionada, a forma humana do Mal, apenas adulterada por um amor-de-si que não encontra limites. A “Revolta Egofânica”, a sobreposição do Eu à ordem das coisas, descrita por Voegelin, atinge no pensamento do grande espiritualista o apogeu [2]. O Anticristo é criador de ideologia, considerando-se capaz de, por si próprio, não apenas de determinar o certo e o errado, mas transcender essa dicotomia. A similitude da posição do Anticristo com a posição de Marx é evidente, postulando uma nova justiça determinada pela necessidade e não pelo merecimento e proclamando uma nova paz trazida pelo fim dos problemas da escassez [3]. Justiça e injustiça deixam de fazer sentido, porque a norma e a magia trazidas pelo Anticristo, ao dar a cada um o que precisa, destroem a necessidade de conflito e permitem ao indivíduo que aceite o domínio dessa norma, a completa disposição de si próprio[4]. Liberdade, para além do bem e do mal – o sonho da Modernidade.

O poder do homem tornado Deus é aclamado pelo Mundo. O Anticristo de Soloviev recebe o apoio de largos sectores da Igreja, no seu desejo de conseguir o bem-estar dos homens e a paz universal, num mundo que havia assistido à sua completa destruição pelas guerra. Com esse fim e com a população mundial do seu lado, o Anticristo decide convocar um concílio ecuménico como complemento final do seu reformismo social e como elemento final na obtenção de uma ordem universal. As várias denominações Cristãs, exauridas por décadas de antropocentrismo e materialismo, encontram-se então numa posição de grande fragilidade. O Anticristo, agora tornado Imperador do Mundo, chama-os para receber destes um acto de submissão final, através de três tentações.

Pede então aos membros da Igreja Católica que aceitam o seu poder e protecção e em troca da restituição dos seus antigos privilégios, que passem para o seu lado do concílio.
A grande parte dos “príncipes” da Igreja acedem prontamente ao pedido do Imperador, louvando Deus. O Papa Pedro II permanece inamovível.
Pede também aos representantes da Igreja Ortodoxa que se submetam à sua autoridade, em troca da criação de museus e da preservação iconográfica dos elementos da tradição Cristã oriental. O Ancião João, o mais antigo dos representantes ortodoxos, permanece também inamovível aos pedidos do Anticristo e ao ver os seus correligionários passar para a tribuna imperial, junta-se ao Papa Pedro.
Por fim pede aos Protestantes, entre os quais o Anticristo Superhomem se contava enquanto académico, que se juntem a si, oferecendo um estipêndio gigantesco para a promoção científica do livre-exame das Escrituras. A debandada é, também, geral, à excepção de algumas pessoas em torno do Professor Pauli, um eminente evangélico que, da mesma maneira, se junta ao Papa Pedro e ao Ancião João.
Os Cristãos que resistem às tentações têm apenas um pedido a ver satifeito. Que Imperador que este se submeta a Cristo, como forma de obter a sua obediência[5].

O diagnóstico de Soloviev, apesar de realizado no século XIX, é perfeitamente actual.
Quando observamos membros da Igreja afirmar que a grande virtude da Mensagem Cristã é a sua aplicabilidade à reforma social, à vida moderna, à economia de mercado, não é difícil perceber a submissão de Cristo ao poder temporal e seus propósitos.
O mesmo se passa em relação ao ritualismo da Igreja Ortodoxa, tantas vezes sobreposto à Doutrina e, de forma similar, à Fé na racionalidade humana elevada à divindade pela forma protestante.
Se ao Cristianismo é retirado Cristo, o pensamento e o ensinamento moral transforma-se numa massa informe, numa força pronta a servir toda a finalidade humana, mesmo a inconfessável de tranformar o homem em criador e razão de todo o universo. Caída essa barreira, só a vontade humana nos impede de coabitar com Deuses e Super-homens, de erguer templos a líderes políticos como acontece em alguns países do antigo Bloco Soviético, ou de voltar à submissão incondicional ao domínio político do Totalitarismo. E a vontade humana nunca foi barreira, onde não existiram as grandes constrições morais de que a civilização é composta...

O Cristianismo sem Cristo tem de ser questionado. Os seus apologistas defendem os “valores” semelhantes aos da mensagem Cristã, mas acreditam que o Homem pode a eles chegar através da razão. Sabendo que todos chegamos a conclusões diferentes e sem a existência de um “ideal” extra-humano como referencial, como poderemos saber se o Homem atingiu esses princípios, ou se ele próprio não criou esses valores ou um simulacro dos mesmos para servir os seus próprios interesses?

O Conto do Anticristo de Soloviev pode ser interpretado como uma profecia. Mas o seu enorme apelo consiste, sobretudo, na forma como é interpretado o espírito humano, elevado e leal ou cego e virado sobre si mesmo. Disposto a perder a sua liberdade, a possibilidade de existir segundo uma ordem que não depende dos homens, em favor da sua vaidade, sendo ele próprio o criador de Ordem através da sua vontade, o Homem Moderno sacrifica-se perante a magia (aquilo que não compreende, mas que vai no sentido do que deseja do mundo) do bem-estar e do progresso. É muito mais do que uma profecia (apesar da quantidade de elementos históricos previstos por Soloviev), mas uma análise detalhada sobre as condições, humanas e espirituais, para a existência de uma comunidade livre.

Quando os Cristãos remanescentes recusam a submissão ao Imperador são humilhados pelos poderes do Mundo e pelos “princípes” da Igreja agora submetidos ao Poder Humano. A magia de Apollonius, o mago do Imperador, mata o Papa e o Ancião. Os Cristãos remanescentes das várias denominações saem da cidade, levando consigo a Nova Arca da Aliança, os corpos dos que recusaram renegar Cristo.
Pouco tempo depois o Mundo resolver-se-ia e a Humanidade reerguer-se-ia pelo reconhecimento da sua natureza de criatura.





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[1] Pode ser encontrada uma versão em língua inglesa em
http://forum.gorillamask.net/archive/index.php/t-55805.html

[2] “Conscious of the great power of spirit in himself, he was always a confirmed spiritualist, and his clear intellect always showed him the truth of what one should believe in: the good, God, and the Messiah. In these he believed, but he loved only himself. He believed in God, but in the depths of his soul he involuntarily and unconsciously preferred himself. He believed in Good, but the All Seeing Eye of the Eternal knew that this man would bow down before the power of Evil as soon as it would offer him a bribe -- not by deception of the senses and the lower passions, not even by the superior bait of power, but only by his own immeasurable self-love.”
[3] «As a moralist, Christ divided humanity by the notion of good and evil. I shall unite it by benefits which are as much needed by good as by evil people. I shall be the true representative of that God who makes his sun to shine upon the good and the evil alike, and who makes the rain to fall upon the just and the unjust. Christ brought the sword; I shall bring peace. Christ threatened the earth with the Day of Judgment. But I shall be the last judge, and my judgment will be not only that of justice but also that of mercy. The justice that will be meted out in my sentences will not be a retributive justice but a distributive one. I shall judge each person according to his deserts, and shall give everybody what he needs."»

[4] ”Christ brought the sword; I shall bring peace.”

[5] “At this, Elder John rose up like a white candle and answered quietly: "Great sovereign! What we value most in Christianity is Christ himself -- in his person. All comes from him, for we know that in him dwells all fullness of the Godhead bodily. We are ready, sire, to accept any gift from you, if only we recognize the holy hand of Christ in your generosity. Our candid answer to your question, what can you do for us, is this: Confess now and before us the name of Jesus Christ, the Son of God, who came in the flesh, rose, and who will come again -- Confess his name, and we will accept you with love as the true forerunner of his second glorious coming."

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terça-feira, outubro 28, 2008

Amor Sem Cristianismo

















O Modernista deixou no Portugal Contemporâneo um artigo (em duas partes) com várias achegas para o problema do Casamento que tem vindo a ser tratado por mim e pelo Rui A. do Portugal Contemporâneo. Uma discussão muito interessante, mas que, ao contrário do que seria de esperar, em vez de ter cativado os blogues que se dizem conservadores, de direita e católicos, não tem recebido qualquer contributo de fora. Um sintoma não de falta de capacidade, mas de como muita gente só diz o que pensa dentro de quatro paredes, com medo de não chegar a Secretário de Estado. As pessoas definem-se, de facto, pelos seus fins…

O texto apresentado pelo Modernista é curioso. Não apenas porque radicalmente oposto à forma como me habituei a vê-lo, não apenas porque apresenta como elemento fundamental um substrato jusnaturalista cristão e uma rejeição da neutralidade liberal, mas porque apresenta uma cratera. Uma cratera que se encontra repleta de uma intencionalidade cristã, que embora muito me alegre, ainda é, contudo, insuficiente.

O primeiro problema é a ascese. No ponto 1 do texto é apresentada a libertação extra-corpórea da essência humana. A capacidade que o Ser Humano tem de subordinar as suas necessidades físicas. Esta não é uma descrição boa da doutrina platónica da Alma Humana, porque as necessidades físicas não são dependentes dos fins. São dados que devem ser aprovisionados, como comida numa viagem, mas que devem estar ordenados com Justiça na Alma. A satisfação das necessidades deve ser feita, na medida em que permite a obtenção dos fins, não havendo uma antinomia entre o prazer (corpo) e a felicidade (espírito), mas uma ordenação do espírito dos prazeres do corpo. O desejável é que o homem tenha perfeito prazer na satisfação do espírito.
Este é um ponto muito importante, porque o que determina que a homossexualidade seja uma prática errada não está na satisfação do desejo e na obtenção de prazer, mas na descoberta de fontes de prazer que afastam o homem do seu destino.
Aí está um erro de percepção do Modernista. Platão e Aristóteles, reconhecidos homossexuais da História, defendiam que a mais profunda amizade (forma de amor) que poderia existir seria entre os que partilham a busca noética. Essa homossexualidade é reflexo de uma partilha mais profunda (lá se vai o argumento nº2 da parte 1…). Como se poderá afirmar que a homossexualidade é condenável segundo um paradigma platónico-aristotélico de ordenação dos fins, se esta representa a essência do “amor”? Simplesmente não se pode, sem penetrar no argumento Cristão e ajuntar a essa tradição o tomismo (como através de uma interpretação abusiva da separação entre Lei Eterna e Lei Natural, o Modernista tenta no Ponto 2) …

É o Cristianismo que cria o Amor (enquanto termo unificado) e que reúne como elemento essencial de uma vida no sentido da Natureza Humana a capacidade reprodutiva e erótica, a função crematística e de estabilidade da propriedade, e os preceitos da vida moral como elemento altruísta (amores esses que estavam dispersos na concepção clássica entre Eros, Philia, Ágape). Querer falar da ordenação da Alma sem explicitar como esta é uma forma específica, histórica e determinada por uma concepção autoritativa e não um sentimento auto-evidente ou um afecto difuso é um erro que custa caro e que conduz a que qualquer afecto possa ser considerado como amor. Este erro conduz à mácula do texto do Modernista. Ao não explicitar que o Amor a que se está a fazer referência é uma concepção Cristã, poder-se-á fazer o que se quiser dos afectos e até mesmo exprimir como afecto a vontade de fazer mal, como numa comunidade “Sado-maso”.

No restante, o Modernista reafirma o que há muito tem sido o combate deste Pasquim. Que a comunidade precisa de uma concepção de Bem para ter Justiça (e que esta não significa a repressão do Pecado, mas a procura de uma ordenação que faça florescer a virtude), que tal impõe uma acção benevolente e terapêutica sobre os que se afastam do Bem e vêem a Alma desordenada. E que o liberalismo possui as duas concepções, embora o faça de uma forma ridícula e afirmando uma neutralidade e a-teleologia que são ilógicas e que apenas reduzem a justiça a um desejo personalizado, a expressão mais gritante de qualquer injustiça. È uma grande alegria estar lado-a-lado com o Modernista no combate pela Justiça da Alma e da Cidade.

Mas será que ainda é possível manter esse nome?

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terça-feira, outubro 21, 2008

Realismo Metafísico e a Sexualidade





















Algumas críticas foram levantadas, por mentes amigas, ao meu texto sobre a formalização política da homossexualidade. Tentando resumir a questão diria que as críticas se centram em três aspectos: a) que eu estaria a defender um fideísmo, b) que estaria a presumir a bondade da Criação, c) que não haveria razão certa para respeitar a heterossexualidade enquanto expressão de sexualidade.

Quanto à questão a), recorro mais uma vez ao tomismo para me ilibar da acusação. O tomismo é uma tradição filosófica que se apoia num realismo metafísico, preocupando-se com o mundo material, mas colocando-o sob categorias que provém de uma visão metafísica. Não foi à toa que Platão descreveu o mundo metafísico como luminoso, enquanto a materialidade seria sombria, ou que São Tomás descreveu a análise do mundo quantificável como subordinada à questão metafísica, sentenciando a prioridade das ciências universais, sobre a análise quantitativa, material e particular.
Primeiro a metafísica, que elabora a capacidade de distinguir entre os objectos (neste caso o masculino e feminino) e posteriormente a observação de como esses dois géneros se realizam (mais ou menos) na materialidade. Sem essa concepção, acabaremos sempre enredados na teia da distinção factos/valores, o que significa dizer que não conseguiremos extrair qualquer ensinamento a partir do observável e estaremos condenados à vontade.
Mas isto depende da Fé? Certamente, mas não mais do que o homem que detecta algo no mundo físico e que acredita que tal se trata de um objecto diferente de outro.

O mundo material não é, portanto, bom ou mau (em resposta à questão b)), mas é o que é. Este último “é”, contém, porém, a existência material e a existência transcendente. Uma cadeira é o que é, mas neste ser está incluída a capacidade de se adequar melhor às suas finalidades e de estas finalidades serem adequadas a finalidades superiores. No que respeita à Humanidade, o afastamento das finalidades desejadas das finalidades reais e transcendentes é um problema grave, porque afasta o Homem do seu Destino. Quando vejo pessoas a dispender rios de dinheiro e a submeterem-se a cirurgias dolorosas para poderem ceder a inclinações sexuais que dizem ser naturais, não posso deixar de expressar a minha profunda tristeza por se identificar com a Natureza Humana, aquilo que é apenas animal. Em vez de perceberem “o que devo ser”, disperdiçam a vida a seguir inclinações que não foram analisadas e vistas à luz de qualquer moral que não seja a expressão da individualidade.
O respeito pelas suas limitações materiais é uma parte fundamental da Humanidade e o homem ou mulher que desperdiçam a vida tentando alterar ou ignorar essas condicionantes, caminha sem sentido. Não é por acaso que o que se vê no homossexualismo[1] é a apologia do fim do tabu e da repressão, em vez da aceitação de obrigações indissolúveis, de expressões de amor eterno que perduram com os laços familiares, de respeito obrigatório pelos laços da família e da comunidade.

A compreensão inversa a esta expressão individual é dada pelo Cristianismo e a forma como a Doutrina assegura que a união corporal e espiritual se faz através dos dois caminhos genéricos e complementares, o da masculinidade e da feminilidade, que resultam no milagre da reprodução, mas sobretudo na vida Cristã.
Isto, porém, não é uma ideologia, mas uma compreensão, estando sempre aberta à interpretação. O problema é que retirando a ideologia da “expressão da individualidade”, ainda não houve alguém que conseguisse explicar como é que tal prática sexual poderá ser aceite, com respeito pela moralidade Cristã e sem cair na ideia de que todo o amor é Amor, que conduz, por exemplo, ao amor de si próprio como projecto de vida, ao amor do dinheiro, ao amor do Mal como projecto de vida saudável. A ordenação do Amor tem a aceitação das realidades materiais como elemento essencial, como todas as proclamações da Igreja sobre bioética têm vindo a revelar.
Não temos outra bússola.

____________________________
[1] Esta é para mim a distinção fundamental na questão sexual. O homossexualismo é a doutrina de legitimação moral de uma prática sexual, que é um ramo de uma ideologia ultra-individualista e pós-moderna de auto-expressão, que rejeita qualquer atribuição de destino ao Homem. Já a homossexualidade é uma prática sexual, que não implica mundividências e que muitas vezes é praticada por quem a considera um pecado ou imoralidade. Nesse caso é problema espiritual, uma falha de temperança.

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domingo, outubro 19, 2008

Contra São Mercado e a Beata Caridade Estatal








Lança-nos o amigo Modernista novo repto, contrariando o que escrevi anteriormente e dando saltos de interpretativos gigantes a partit das minhas palavras.

É verdade que a Pobreza está na ordem das coisas, pelo menos a pobreza como é encarada em sentido moderno, ou seja, a incapacidade de algumas pessoas obterem o que a maior parte das pessoas têm. Primeiro porque é um conceito dinâmico, e depende do que os outros possuem, para a sua determinação. Em segundo lugar, porque o inverso seria uma distribuição constante e centralizada dos bens.
E não me parece que existam dúvidas de que a desigualdade também provém das trocas voluntárias de propriedade, porque estas são um reflexo de um conjunto de processos privados de atribuição de valor, sem o qual nenhuma comunidade pode ser livre. A vontade humana é, apesar de tudo e englobada num conjunto de princípios, uma parte imprescindível da perspectiva Católica sobre a sociedade e a sua economia.
Em lado algum afirmei que só existiriam essas duas fontes para a Pobreza, mas apenas que as desigualdade são inevitáveis numa sociedade em que as pessoas têm a liberdade de escolher as finalidades materiais da sua vida e não estão obrigadas à produtividade e onde exista um sistema aberto à inovação.

É evidente que existem outros problemas na distribuição material e que um deles é o desprezo pela norma espiritual da Caridade que impede a exploração do semelhante que se encontra em necessidade extrema, para proceder à sua escravização. Nem nunca alguém me ouviu aqui afirmar que uma transacção voluntária é tudo o que basta para a licitude de uma troca. O que sucede é a necessidade de um sistema de propriedade livre pressupõe a aceitação da vontade como decisiva, embora imbuída num sistema legal valorativo. É fundamental um sistema de favorecimento da propriedade privada, distribuída e centrada no núcleo familiar e no seu carácter estável e inter-geracional. Mas embora possamos desincentivar a venda dessa propriedade produtiva, não podemos impedir que um homem venda ou ofereça a sua ferramenta ou o seu conhecimento a quem quiser. Ou seja, a economia repousa sempre na troca voluntária, mas conforme à Justiça. Tanto isto se aplica ao juro, como ao homem que tem água no deserto e que é abordado por um caminhante sequioso à beira da morte. Primeiro as vontades e depois a correcção que a justiça opera. O inverso conduz a um mal bem pior...

Querer controlar a distribuição material, porém, como o fazem os MEP’s, PSD’s e PS’s, é uma loucura que conduz ao Estado pleno de burocratas e em que não existe nada de privado. Não é a toa que o Distributivismo sempre advogou o fim do Estado Social em prol da responsabilidade partilhada da corporação.
Em todas as transacções há um grau de injustiça. O que o Estado deve fazer é encontrar o equilíbrio entre a Justiça (na definição do lícito e ilícito), entre o que é possível (não erradicar a pobreza, mas controlá-la) e entre o nivel de fiscalização da injustiça que é compatível com a existência de liberdade.

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sexta-feira, outubro 17, 2008

Católicos e Neo-Católicos na Questão Sexual
















É frequente que alguns amigos me critiquem por eu não acreditar na capacidade do pensamento humano descobrir por si os caminhos do Bem. Não o digo apenas porque alguns dos mais inteligentes dos homens mostraram uma crueldade inigualável e em que a erudição e o intelecto foram o catalizador ou o combustível que fez arder os seus pecados e crimes por mais tempo e com maior vigor. Digo isto porque vejo em boa gente uma cobardia maior que vem da incapacidade de assumir o que se diz com Verdade, o que é apenas um reflexo de que ou não se acredita na mesma, ou de falta de Caridade para combater para que esta resida no outro.
A questão é muito simples. Para um Cristão a questão da homossexualidade não é a procriação, mas a Natureza. A procriação e a possibilidade desta é apenas um reflexo desta segunda e esta é um reflexo, por seu turno, da Providência Divina. A Natureza Humana segundo a perspectiva Cristã é muito mais do que a mera reprodução ou capacidade de perdurar do Homem. É um verdadeiro elemento de ascensão da humanidade à conformação com o Divino. A isto não há volta a dar. Não é possível que um católico fale em Natureza sem se reportar a esse caminho que a Graça deixou inscrita no Mundo e que permite que o ser humano consiga vislumbrar para além das árvores e dos rios, das pedras e das nuvens. Para si não há outra Natureza.
É por isso que só podemos ficar estarrecidos quando vemos na televisão gente católica eminente a falar sobre a homossexualidade e a dizer coisas como “está provado que as crianças filhas de homossexuais têm problemas”, que “o casamento civil tem de ser entre dois sexos”, ou que “a procriação é o fim do casamento”, como se houvesse para si uma concepção de Natureza que não inclua necessariamente a visão Cristã (esta ideia de que há uma Natureza Material e científica e depois uma espiritual e Religiosa é também um disparate que um dia terá de ser debatido).
Os argumentos são disparatados, porque presumem que a ciência poderá determinar o que quer que seja sobre o que deve ser a comunidade e as suas normas.
O primeiro é ridículo não apenas porque coloca à mercê de um estudo oposto a posição defendida, mas porque acha que é possível compreender o que é um problema mental ou espiritual sem recurso à concepção de Saúde, o “dever ser” do homem e que esta é compreensível sem uma concepção do que é o Bem.
O segundo argumento esquece o carácter imperativo da concepção de género. O Cristianismo não afirma a existência de dois sexos humanos como “facto” e “dado material”. Quem faz isso são algumas doutrinas materialistas absurdas. Podem existir um milhão de sexos, caso se tenha a veleidade de considerar algumas deficiências do sistema reprodutivo como sexos (algo que vai acontecendo na sociedade relativista). Aqui a questão é também evidente. O que um católico não deve fazer é afirmar a existência material de dois sexos, mas sim reafirmar a Doutrina, explicando que o género é uma condicionante corporal que devemos aceitar no sentido de melhor preenchermos o lugar que nos foi destinado na Criação e que só poderá ser cumprido através da inserção numa das funções predeterminadas pela Doutrina. Isto é evidente se tivermos em atenção o hermafroditismo que não é, de forma alguma, condenável, uma vez que se trata de uma condição, mas que não pode servir de desculpa para uma vida sexual anárquica ou imoral, sem assumir um lugar funcional. O que os católicos deveriam estar preocupados em fazer seria em afirmar que apesar de um milhão de opções sexuais que os homens têm no mundo moderno, têm uma moralidade que lhes impõe uma e que a sociedade, ao abandonar essa perspectiva, escolhe inventar-se segundo os seus desejos. Em vez disso esgotam-se a afirmar que cada um tem a sua preferência, “mas casar não”. Bonita lição sobre Caridade, ou falta dela. Ou acreditam que os seus amigos e semelhantes se estão a condenar e deveriam fazer alguma coisa (convertê-los), ou então não acreditam na Doutrina...
O importante do Casamento é a vida comum no sentido das Virtudes Cristãs, que é superior a qualquer construção material e mais importante que os dados biológicos. Esta é impossível enquanto o ser humano se pretende, segundo a sua vontade, sobrepôr à Criação, escolhendo sexos ou, como já acontece, não possuír nenhum.
Seria interessante ver por que razão um neo-católico, que pertence a não sei quantas organizações de solidariedade social e mais uma ou duas de socialização católica, cada vez que vai à televisão tem como principal preocupação esconder todos os traços da sua Fé e se põe a debitar argumentos que escondem concepções cristãs sem nunca as explicitar. A coisa não pega, porque os conceitos são nebulosos e insuficientes. Falta a Palavra. Só não falta vontade de O negar.

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segunda-feira, outubro 13, 2008

Sobre os Não-Matrimónios









Sobre os casamentos homossexuais já se disse quase tudo e muito do que se disse não merece a pena ser recapitulado. É simplesmente idiota que se apresente a questão do casamento como uma questão de liberdade de escolha, dado que o objectivo deste é cercear os comportamentos da sociedade obrigando a que as pessoas se comportem de maneira a que alguns princípios sejam salvaguardados. Daí é fácil perceber que toda 80% da conversa que ouvimos nas televisões e nos jornais de referência são para enviar para o lixo e não merecem sequer ser habilitadas por uma resposta. Quando se apresenta às convenções políticas a ideia de liberdade de escolha como sua suprema orientação é fácil de ver que nenhuma subsistirá. O objectivo não é, como é evidente, mudar o casamento, mas destruí-lo de vez.

Há um problema central na questão que é o problema do casamento enquanto figura autonomizada e secular da vida humana. O casamento civil enquanto elemento desprovido de religiosidade é uma paródia e uma perversão. Uma perversão quando se transformou em instrumento do Estado para conseguir a ordenação social. Retirou-se o significado religioso e transcendente da união carnal entre dois seres humanos, mas para que tudo se mantivesse na mesma e de forma gerível, criou-se a ideia de que o casamento seria uma instituição em que o valor essencial seriam as suas finalidades mundanas, a gestão das necessidades privadas, procriação, estabilização da propriedade. Uma paródia quando se observa a forma rídicula como a união de duas pessoas obedece a um cerimonial de Estado que é um sucedâneo religioso, mas que sem a existência de Deus não tem qualquer justificação, para além dos interesses do Estado.

É do falhanço dessa ideia de união autónoma e meramente humana que vem o contra-senso de uma convenção que se altera em virtude da autonomia. Se o casamento é obra meramente humana poderá ser alterado para ser um reflexo das vontades das partes, acabando com todas as obrigações com um estalar de dedos. Antes seria um estalar de dedos do Estado, com a nova estrutura legal do casamento e divórcio basta o dos privados. De qualquer das formas, não existe qualquer forma para que o casamento civil perdure enquanto forma de organização social. Dada a incapacidade da proposta ética secular de criar uma sociedade moral, capaz de cercear os desejos individuais, tornou-se impossível manter o casamento como fonte de obrigações extra-subjectivas e voluntárias.

É por isso que me desmancho a rir com os argumentos da “direitinha” que acha que a utilidade da família e a justificação para a sua estrutura é a utilidade do Estado e o cumprir de uma série de tarefas. São os mesmos que defendem a paternidade subsidiada e não percebem que com a mudança de finalidades do Estado vem uma mudança de finalidades da família, caso esta se encontre sob a sua alçada. A família democrática, ao ser apenas um reflexo do que a sociedade deseja que esta seja, pode tornar-se no oposto do que ela deva ser, seja um local de iniciação sexual, um local de exploração de mão-de-obra, ou outra coisa qualquer. Contra isso os nossos “conservas” hão de falar em natureza, em reprodução, tudo lixo que sem a tradição e o método Cristão de moralidade está condenado a ser palavra vazia. Os piores inimigos do Cristianismo...

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terça-feira, julho 15, 2008

Sexo, Amor e o Fim do Preconceito

Insurge-se o Luís Aguiar Santos contra os preconceitos da sociedade e de algumas tradições religiosas contra a homossexualidade. O argumento é interessante e recorrente no pensamento moderno: se fossem retirados alguns preconceitos da discussão sobre o Amor poder-se-ia criar uma nova interpretação Cristã.
É claro que esse argumento se depara com um conjunto de problemas. Primeiro porque concentra o Cristianismo no fenómeno e não no númeno. Segundo, porque não consegue proceder à compreensão do Cristianismo enquanto experiência histórica.

Quando se fala em dar um sentido novo ao conceito de Amor, que abarca todas as suas formas, é preciso ter consciência de que nenhum sentido existe sem o preconceito. Quando alguém se diz Cristão, inspirado por um conjunto de preceitos que provêm de uma Entidade Divina que se revelou aos homens, não pode prescindir da compreensão dos elementos que fazem parte da interpretação humana desses elementos. Nesse ponto é fundamental perceber que nem toda a ânsia de unidade com um objecto é amor, a não ser que possamos falar de amor ao dinheiro, a animais ou a coisas inanimadas. Caso aceitemos que se possa falar de Amor nestes casos, estamos a utilizar uma palavra para definir algo que na Civilização Cristã tem dois sentidos: Amor e Desejo.

O Desejo no Cristianismo, ao estilo do Eros grego, significa toda a força que impele os seres humanos ao contacto. O Amor, por seu turno, implica a ordenação dessa força vital no sentido do cumprimento de um conjunto de preceitos que correspondem, como já Aristóteles havia compreendido, ao cumprimento da verdadeira natureza humana. Nesses preceitos estão incluídos alguns deveres e a concepção fundamental de que a vida humana é fruto de uma conjugação de duas formas sexuais, duas “naturezas” unidas no mesmo propósito. Tentar eliminar a questão do “género”, uma das mais evidentes realidades humanas, da “equação” sexual implicaria um processo de invalidação de toda a “experiência cristã”. Aceitar-se que toda a relação entre dois seres humanos pode ser de Amor conduz-nos a um mundo em que tudo pode ser amor, mas nada o é. Reinventando-se o significado do amor segundo os termos humanos e da sociedade (dizendo, p.ex., que o Amor é deixar o outro à sua autonomia), poder-se-á citar as Escrituras para defender que a virtude moral se encontra no pai que deixa o filho drogar-se à vontade ou a filha prostituir-se.
Se se podem escolher os significados da Revelação, com base na Razão Humana, resta saber quais os preceitos morais que ficam a salvo desta.

É evidente que aqui estamos a falar de uma Nova Revelação de autoria humana, símbolo de uma vaidade desmedida e que leva o Senhor Arcebispo de Armagh (num texto citado pelo LAS) a declarar “inadequada” a posição de São Paulo sobre a Natureza Humana (quinto parágrafo a contar do fim). Fica apenas por saber o que irá acontecer se, por acaso, o Senhor Arcebispo se lembrar que a Bíblia é constituída por relatos e que muitos poderão estar adulterados pelos homens, encontrando-se ao alcance da sua pena e dos seus desejos alterá-los de forma mais “adequada”...

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quarta-feira, maio 07, 2008

O Jusnaturalismo Liberal é Jusnaturalismo?
















Tenho lido com atenção os posts do RA sobre o jusnaturalismo. Nele estão contidos alguns dos grandes erros do liberalismo. Há um, em particular, que é mais nefasto que todos os outros. A ideia de que o jusnaturalismo secularizado é uma continuação do clássico, é um erro gravíssimo, uma vez que este é uma resposta e uma oposição ao mesmo. Quando o RA fala dos pressupostos morais da sociedade, fá-lo em completa oposição com o verdadeiro sentido das palavras natural e moralidade.

Foi interessante, no século XVIII, que se falasse de sentimentos morais como passíveis de fundar qualquer sociedade. Mas depois de observar a forma o século XX perverteu todos os sentimentos e a forma como os genocidas despertaram a adesão das massas populacionais, afirmar que a comunidade se funda numa “moralidade média” que lhe serve de sustentáculo, é quase criminoso.

A solução para este problema é uma constante. Olhar as sociedades que cometeram os actos criminosos mantendo a pureza dos seus sentimentos, como selvagens é batota (resta provar que a Alemanha Nazi não era um país civilizado no Entre Guerras). Primeiro diz-se que os sentimentos são tudo. Depois que há gente que não tem sentimentos. Não seria então aí, mais importante que tudo, elaborar uma compreensão sobre os sentimentos, de uma forma que estes sejam compreendidos como algo fora da própria sentimentalidade, pensar de novo o Bem e o Mal, em vez dessa ilusão de que o auto-interesse ou os nossos instintos resolverão essa contenda? Há dois séculos que sabemos que isso não chega…

Mais uma vez o RA esquece que mais importantes que as palavras são os seus significados. Quando Locke fala em moral, o que está a dizer é “direitos de propriedade racionalmente justificados”. Quando Smith fala em preservação da moral, o que está a dizer é “manutenção da estrutura social que permite a manutenção da propriedade”.
Elaborar a partir daí uma concepção do que é bom ou mau, que não seja mera delimitação arbitrária de esferas individuais, com o objectivo da manutenção da paz e legitimação do elemento político e com o objectivo de evitar as grandes questões do Homem, é dar um alcance ao liberalismo que ele não tem. O alcance de Locke e Smith não chega, também, para tanto…

Enquanto que o jusnaturalismo clássico se preocupa com o bem e o mal, o moderno preocupa-se com a delimitação de esferas para a justificação do Poder.

Como pergunta Strauss, não foram estes jusnaturalismos todos, saídos das obsessões com a ordenação comunitária, a grande fonte do positivismo, do historicismo e do relativismo?

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terça-feira, abril 15, 2008

As Liberdades Cristãs, o Totalitarismo e a Tentação














O amigo Átrida desafiou-me a escrever sobre o problema do Cristianismo e da Liberdade. É claro que muita gente mais capaz já escreveu sobre o assunto e eu, como é costume, tenho vindo a tentar sintetizar essas ideias, as que me parecem mais interessantes, nas coisas que vou por aqui escrevendo. Este é uma síntese, portanto.

A liberdade, ao contrário do que tantos “palonços” de direita e esquerda e declarações de direitos têm vindo a fazer, não tem um sentido político inequívoco e enciclopédico. Esta ocupa vários lugares consoante a tradição de pensamento em que se insere (como tudo neste mundo). Por essa razão aqueles que falam da Liberdade como algo que remonta aos gregos, romanos ou até aos fenícios, têm de conseguir estabelecer ligações não apenas com essas tradições, mas com as próprias tradições dentro dessas culturas que apontaram diferentes sentidos para o termo. A maior parte das considerações sobre a liberdade que emergem no mundo moderno, remontam quase sempre a posicionamentos que já se encontram no Mundo Antigo, reformulados e vestidos de filosofia (quando antes eram argumentos da sofística).

Na Teoria Política Contemporânea existem três grandes tendências para a definição da Liberdade e que correspondem, em traços gerais, à própria fronteira de delimitação dos campos políticos que povoam o panorama da nossa filosofia política. Os dois primeiros, a Liberdade enquanto Autonomia e enquanto Capacidade, são amplamente estudadas nas universidades que possuem programas de filosofia e teoria política e correspondem geralmente a uma interpretação liberal ou socialista, respectivamente, do fenómeno político. Enquanto a primeira se preocupa em determinar a fronteira delimitadora da acção do Estado, a segunda tendência procura encontrar formas do Estado permitir que os indivíduos tenham capacidade para satisfazer os seus desejos. Apesar de serem duas linhas de pensamento distintas, a derrota do socialismo enquanto ideia económica e a rendição do liberalismo político ao progressismo, criou uma unidade nesta tendência, que apesar de teoricamente insalubre e confusa, vai predominando enquanto discurso oficial do “Estado Social”.

A terceira tendência, quase não leccionada nas universidades dessa Europa, mas que ainda possui relevância nos EUA e nalgumas universidades católicas (em que não se inclui a Portuguesa), tem como preocupação os dois elementos de liberdade anteriormente observados, mas tem como principal preocupação a Fonte dos direitos, liberdades e do lugar do Homem na comunidade política. Esta tendência, que politicamente pode ser encaixada no Conservadorismo (no que não é historicista, imobilista, originalista, materialista, pelo menos), corresponde a um conjunto de elementos de reflexão sobre a natureza moral sobre a natureza do Cosmos. A maior preocupação desta forma de entender a Liberdade é a compreensão dos elementos que lhe conferem a sua autoridade, em especial a sua inscrição num conjunto de elementos que explicam uma verdade maior que o “político”.

Primeiro que tudo, esta tendência tem de se inscrever numa tradição de compreensão do Mundo que alcance para além das doutrinas que definem o homem como origem ou limite da compreensão humana, o que implica que o Homem tem, para ser livre, de se inserir numa tradição que não depende da sua vontade. Só através dessa aceitação, da mesma forma que o leitor iniciado aceita a autoridade do alfabeto ou da gramática, pode ele próprio compreender ele próprio qualquer narrativa moral. Sem esse reconhecimento da autoridade, ao contrário do que o liberalismo ou o socialismo pretendem, nenhuma liberdade pode florescer, porque onde o elemento de Poder que institui a Liberdade (quer seja Autonomia, quer Capacidade) provém de uma autoridade humana e da sua Vontade sem esta se encontrar orientada para a Verdade, existe um poder superior de uns homens sobre outros e não uma distribuição funcional entre uns e outros. Os que detém o Poder adquirem um predomínio sobre os seus semelhantes que não é natural (em termos platónico-aristotélicos), uma vez que não têm uma vinculação com o elemento comum (o Bem), pela destruição dos elementos do Bem que constituem a essência da comunidade.

É evidente que dentro desta concepção coabitam vários tipos de liberdade. A liberdade de saber a que é que o Homem tem direito está implícita. Depois de compreendida e reproduzida, a Ordem firma uma concepção moral que, consciente dos limites da sua capacidade (ditada pela natureza deste mundo), dá ao Homem o seu legítimo lugar. Existe liberdade para a aprofundar no sentido de a aproximar da Verdade. Existe até liberdade para a afastar da Verdade, quando tal seja preciso para evitar males maiores. Essa possibilidade, lícita desde que mantida a referência à Fonte, provém da independência do “político” de que o Cristianismo se pode orgulhar e que impede que uma sociedade cristã (no verdadeiro sentido) se torne totalitária (onde o pecado e o crime são uma e a mesma coisa).

A Liberdade liberal e a socialista fundam-se nesse mesmo totalitarismo, consistente no predomínio da comunidade sobre a Verdade (como todas as pessoas que leram John Locke ou Karl Marx sabem), consagrados na Religião da Propriedade ou do Materialismo Histórico que forma o Progresso. A Liberdade Cristã, porém, pugna por uma liberdade que se funda na compreensão. Da mesma forma que só é livre de utilizar um utensílio quem domina a sua prática (constituída por uma tradição de meios e fins, p.ex: a arquitectura, a medicina, o xadrez), esta perspectiva defende que a verdadeira liberdade consiste em compreender o Mundo, para se libertar do erro.

Pode dizer-se que esta imposição é arbitrária. É, então, forçoso que se escolha. Os que propõem uma melhor compreensão e visão do transcendente, não têm hipótese senão erguer uma Nova Religião e assumirem-se como seus sumos-sacerdotes. Os que afirmam que o Bem e o Mal são características humanas, têm de estar conscientes da antiguidade dessa Tentação Primordial, sabendo da inevitabilidade da queda no eterno erro do Homem pelo Homem.

Existe alternativa?

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terça-feira, março 18, 2008

Sobre a Divinização da Dúvida
















A dicotomia Fé (certeza) – Razão (dúvida), é uma caricatura moderna da compreensão do Homem no Mundo. A Fé dá mais dúvidas do que certezas. Da mesma forma que a aprendizagem do alfabeto, embora arbitrária, nos permite compreender e aproximar mais ou menos da verdade, a Fé opera no homem a mesma funcionalidade de gramática do Bem, que pode estar mais ou menos aproximado da Fonte da Realidade.
Daqui emergem duas consequências.
A Fé não emerge como conjunto de certezas sobre o mundo (o que a ideologia dá), mas como um método de compreensão. Só há dúvida onde existe fé, da mesma forma que só há física porque existe fé que a matéria existe no nosso mundo, apesar de ninguém ter visto um átomo. Só a partir daí se pode partir para a compreensão das relações do elemento para com a restante realidade.

Não aceitar a existência da realidade é, contudo uma alternativa bem pior do que aceitar as arbitrariedades do alfabeto ou da gramática do Bem. Sem uma gramática nenhuma questão é lícita ou ilícita, sem ela não se pode questionar a proximidade ou adequação da linguagem à verdade. Desta forma a legitimação do grotesco, a defesa do mal pode ser feita sem qualquer problema, escondida sob a perspectiva diferente. A defesa da radical inexistência do “outro” torna-se, não apenas possível, como uma consequência lógica. Temos nós a possibilidade de escolher quem tem o direito a ter direitos? Sem aceitar a existência de uma Humanidade que provém da autoridade do Cristianismo, podemos escolher quem é humano e quem não o é. Não é esse o fundamento essencial do pensamento do Justo (a capacidade de aceitar que a Norma não provém da minha vontade)? Se a nossa razão ditar a infrahumanidade de judeus, crianças, ou mesmo de toda a restante humanidade, porque é que não pode ficar esta agrilhoada às ordens do tirano?

A Fé é o início de todas as dúvidas, mas nem todas as dúvidas são lícitas. A própria filosofia e método socrático-platónico precisam tanto da fé como da dúvida, compreendendo que ambas fazem parte do mesmo processo. Como se poderia aprofundar qualquer forma de conhecimento se todos os interlocutores negassem a existência de uma verdade externa ao Homem? Quando questionados os interlocutores de Sócrates aceitam sempre o paradigma de que o bom é melhor que o mau, que o elevado tem precedência sobre o inferior. Só a partir daí pode Sócrates emergir triunfante (sendo por isso que até os sofistas aceitem que a Verdade é que não há Verdade) e só assim pode chegar-se a um grau de aproximação da realidade.

Este elemento é fundamental na diferença entre o “conservadorismo” dos dogmas humanos e a tradição filosófica cristã. O dos dogmas humanos quer estabilidade e para isso funda-se nas convenções tornadas inquestionáveis pelo seu carácter humano. A tradição filosófica cristã funda-se no concreto para poder aplicar princípios de justiça que são sempre questionáveis. Não é à toa que o jusnaturalismo é uma tradição filosófica condensada na reflexão platónica e, no entanto, comporta um conjunto de “elementos de fé” dos quais qualquer compreensão da realidade não pode prescindir.

Como dizia o Rafael Castela Santos há dias, a fé não se sente, ou se tem ou não se tem.
A alternativa é bem pior.

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segunda-feira, março 17, 2008

A Incapacidade de Ordenar













Em interessante comentário ao texto sobre Aron que escrevi há dias, o Modernista replicou com o carácter eminentemente prudencial do liberalismo. As insuficiências do liberalismo são evidentes precisamente nesse aspecto. Com uma ordenação superior, o liberalismo (a ênfase política na liberdade) poderia ser divino, ao encontrar o seu fundamento numa estrutura inscrita na ordem das coisas. Nesse caso a “liberalidade” seria uma virtude. Infelizmente não é esse o caso do pensamento moderno, uma vez que a concepção liberal de Hobbes se põe, com Maquiavel, contra a existência de verdadeira comunidade, na sua defesa da “sociedade” como mera soma pactuada de indivíduos. Desta forma, o que funciona como elemento unificador é a proposição secular e nenhuma concepção extra-humana é politicamente relevante. Não é verdade que Hobbes comporte apenas um elemento prudencial, uma vez que este se constitui como totalidade daquilo que é discutível (daí que a afirmação de que existem maquiavelismos moderados, subordinados ao Bem, como afirma o Miguel Morgado a propósito de Aron, não faça qualquer sentido, a não ser que afirmemos que os bens privados são “os bens”, o que nos remete para o problema inicial e a uma completa circularidade). Esta posição não sobrevive sem o derrube de Cristo para a instauração de uma Paz Humana, sem destruir os pressupostos necessários para reflectir sobre o justo e o bom. Não é passível de se aninhar no seio sociedade cristã, levando a uma total reformulação dos elementos fundacionais da comunidade.

É precisamente aí que entra a ideologia. Ao separar o homem dos elementos que o fazem compreender o mundo e a si próprio (a ideia de que a percepção fenomenológica é o grau mais elevado de conhecimento possível) e que lhe permitiam ordenar a sua acção segundo elementos morais (uma hierarquia de finalidades), a Modernidade tem de criar uma nova ordem, uma nova percepção da realidade. Demoraria anos a discutir com a profundidade devida estes erros. O que em traços gerais pode ser dito é que procedem a uma substituição do elemento realidade, pela “absolutização” de elementos imanentes (segurança, liberdade, igualdade). Uma vez que estes não correspondem na estrutura da realidade a elementos cimeiros, o que acontece é que grande parte da vida fica fora dessa compreensão, tendo o “ideologista” de as rejeitar como falsas.
A diferença para o sucedâneo ideológico é precisamente essa, a incapacidade de compreensão de que a observação do mundo não seja determinada pela vertente metafísica. O Cristianismo conseguiu dar uma visão do “dever ser” fundada no outro mundo, enquanto que a ideologia apenas consente “dever ser” imanente. Enquanto a Religião observa este mundo à luz do outro, a ideologia cria um filtro intramundano para observar a realidade como parte dessa grande “Revolta Egofânica” diagnosticada por Voegelin, essa epifania do homem criador de todas as coisas. O Cristão observa o mundo e onde este não coincide com o elemento externo vê “A Queda”. O “ideologista” acha que o que não coincide com a sua visão é uma mentira. O amor da mãe não existe para o comunista (é apenas uma expressão de um desígnio material) e é um assunto privado para o liberal, não tendo relevância política. Onde o Cristão pega em elementos do presente para compreender melhor o transcendente, o “ideologista” fecha os olhos aos eventos para reforçar essa fé.
Sem dúvida foi isso que Aron fez ao fundar-se no utilitarismo e ao rejeitar os “julgamentos de valor”.

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