sexta-feira, maio 30, 2008

A Direita é Agora














O que se passa actualmente no PSD é claramente positivo para a clarificação da Direita em Portugal. Existe uma colisão entre os vários elementos e tendências que fizeram do PSD o partido dominante das décadas de 80 e 90 e que estão a levar o partido ao colapso. As desavenças entre os notáveis e os “caciques”, entre liberais e social-democratas, criaram uma situação de fraccionamento extremo, em que quando uma facção atinge o poder, os restantes se encontram excluídos da participação.

Por outro lado, os que se encontram no CDS e que ainda têm um discurso que não o meramente tecnocrático do Portas recente, encontram-se completamente à margem do discurso do partido e sabem que o líder pós-Portas (que está para o ano que vem) encontrará um partido sem militantes, sem projecto e sem ideias. Na melhor das perspectivas, o CDS será um partido com 3 ou 4%, sem os notáveis “portistas” e nas mãos de gente que não terá a capacidade de Portas para ideologizar o partido. A sangria que começou com Nogueira Pinto irá deixar o partido sem forças para se reerguer e com um grupo parlamentar residual, composto por nomes de Portas que serão reciclados à nova amálgama ideológica. O CDS terá de escolher entre morrer e ser absorvido pelo PSD. Pior, pode escolher as duas.

O panorama extra-parlamentar também não é animador, com o nacionalismo em conluio com o socialismo mais extremado e refém da vulgata esquerdista dos direitos individuais e do proletariado, bem como com reciclagem dos velhos mitos materialistas que serviram para a criação de unidades políticas artificiais. O discurso anti-americanista ainda não conseguiu explicar como é que sem NATO e com despesas gigantescas para uma defesa autónoma europeia, se vai conseguir manter as maternidades em Carrazeda de Ansiães…

O PND incapaz de, apesar de alguma gente de valor que por lá andou, passar qualquer tipo mensagem para a sociedade, é um exemplo gritante de como a falta de uma política clara (primeiro centrista, depois presidencialista, depois conservador-liberal) pode destruir um movimento. Apesar de morto e enterrado, uma qualquer alternativa terá sempre de passar por recuperar muita gente que embarcou no navio errado, bem como deixar nos “anos 90” alguns figurões que dele não deveriam ter saído.

Com o fim do CDS, com a travessia no deserto do PSD, com um nacionalismo residual, com um PND no caixão, não estará na altura dos que dizem ter princípios de Direita fazerem alguma coisa? Ou então que se calem para sempre...

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terça-feira, maio 27, 2008

Sociedade de Dúvidas e a Ideia Soberana

Compreendo este “post” do AAA. Agradeço como sempre o apreço, e sem me alongar quanto à minha capacidade de “assimilação de princípios” (que deixo à apreciação dos leitores deste blogue e aos amigos que conhecem as minhas deambulações intelectuais), gostaria apenas de mencionar o seguinte.

O cepticismo não gera liberalismo. Essa é uma das grandes falácias e erros do liberalismo que temos. Existem cépticos liberais, niilistas, positivistas, conservadores, relativistas-pragmáticos. O problema dá-se a um nível mais profundo. Quando se aceita o cepticismo tem de se escolher dois caminhos. A aceitação do nada (cepticismo-niilista) e as consequências anarquistas que daí advêm, ou uma segunda que tenta manter estruturas de Poder para possibilitar a vida humana. Desta segunda emergem vários caminhos. O positivismo e o conservadorismo cépticos, que aceitam o que está, a funcionalidade da sociedade, que resulta no pragmatismo, ou o liberalismo que aceita as certezas da razão humana (quer kantiana, quer lockeanamente), são formas de certeza e não de dúvida. O liberalismo opera no contexto das certezas da razão humana (de um tipo de racionalidade restrito) e não admite, da mesma forma discussão sobre os pontos fundamentais da sua doutrina. Se conhecerem um liberal articulado que defenda que não deva ser ensinado aos jovens o respeito pela propriedade, façam o favor de avisar.
A diferença é que as verdades do liberalismo são axiomáticas e dogmáticas (como em qualquer sistema de valores ou fundamento social), tendo apenas uma visão do Homem e da transcendência mais curtinha (basta ver os argumentos teológico-protestantes de Locke ou Kant para se ter uma ideia de como servem apenas para servir intentos humanos e não revelar coisa alguma).
O Liberalismo é uma dogmática envergonhada que substitui a Divina pela terrena.

Em segundo lugar, sem querer entrar em reflexões mais profundas sobre o Cristianismo, é evidente que sem pragmatismo não é possível que um Cristão (leiam os mais modernos “católicos”) se diga liberal. Não é possível porque ao aceitar a Razão Humana como soberana, terá de aceitar no seio da sociedade elementos que vão contra as premissas cristãs (aborto, casamentos homossexuais, homicídios consentidos) e afirmar que a sua rejeição é apenas uma questão de ponto-de-vista. A sociedade que não tem princípios ou que toma por princípios as crenças da maioria, não é uma sociedade sem Deus, mas uma sociedade em que a Razão Humana ou a Dúvida quanto a algo superior é tornada Norma. Não existe sociedade sem metafísica, de facto.
Continuo na minha. O problema não está nas liberdades ou nas margens prudenciais, mas na fonte das mesmas.

Quanto ao resto, conto com o André e com os restantes leitores para me ajudarem quanto ao meu laxismo intelectual. Quando acharem que determinada matéria não está bem tratada, façam o favor de deixar nota disso nas caixas de comentários. O que não é certo é afirmar que uma pessoa que aceita um conjunto de posições religiosas não tem dúvidas. Tem-nas apenas a outro nível.

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segunda-feira, maio 26, 2008

As Cantigas de Intervenção

O drama dos moçambicanos na África do Sul é um exemplo para o mundo. Esqueçamos que o regime de um dos “santinhos laicos” do movimento progressista mundial está a gerar um conjunto de famélicos, excluídos e homicidas xenófobos. Esqueçamos que o tribalismo mais aceso que alastra por África, e que tem sido o grande combustível dos conflitos ou justificação para os mesmos, tem sido aceite pelas potências ocidentais e trazido das margens para a vida pública internacional depois da implosão da URSS. Esqueçamos, ainda, que o mito da Imigração Inócua tem vindo a ser desmentido todos os dias na vida das populações africanas que se deparam com concorrência na luta pelos “restos” da sociedade produtiva.
O que realmente surpreende é a forma como todos os que defendem intervenções humanitárias em todo o lado se esqueceram da África do Sul. Aqui há um regime santificado por Mandela, e apesar da pouca acção da polícia não se vê ninguém a levantar a voz contra estas práticas de fazer corar Milosevic.
Estranha-se que a doutrina dos Direitos Humanos, que supostamente e de um ponto de vista objectivista, teria como objectivo diminuir a discricionaridade da aplicação dos seus princípios e criar uma estrutura de justiça impessoal, seja capaz de culpar os chineses e os sérvios, mas desculpabilize os sul-africanos.
A Justiça que não é cega é justiça?

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quarta-feira, maio 21, 2008

Tecelão de Hábitos





















Nunca percebi bem Paulo Teixeira Pinto. Não lhe compreendo as motivações, a acção, o percurso. No entanto, fruto da insistência de alguns amigos que o têm em elevada estima, tenho vindo a prestar-lhe alguma atenção.
A notícia de ontem que afirmava que Paulo Teixeira Pinto estaria a apoiar a candidatura de Passos Coelho à liderança do PSD, não me surpreende. Vai contra todos os escritos e convicções que encontrei de PTP, contra todo o reforço de um carácter de coesão nacional, contra as regras mais simples da moralidade cristã. Mas não me surpreende.

PTP padece da mesma visão de si mesmo que a maior parte dos líderes da Direita (posterior a Salazar). Como em Marcelo Caetano, Freitas do Amaral ou posteriormente Paulo Portas, em primeiro lugar estariam as virtudes pessoais e só em segundo lugar os projectos políticos. O A ANP, o CDS ou o PP sempre se apresentaram, anteriormente a um conteúdo “ideológico”, como “partidos de notáveis”, onde membros destacados da sociedade pediam votos em troca do desempenho categorizado das suas funções. A identificação primordial desses partidos era sociológica e não ideológica.

O apoio de PTP ao fervoroso abortista, defensor dos casamentos homossexuais, e liberalizador exemplar, que é Passos Coelho, compreende-se nesse universo particular em que as ideias e princípios existem enquanto servem os egos. Por isso os princípios se tornaram confusos e no pensamento de PTP a apologia de Portugal se confunde com o Povo Português, a Monarquia se confunde com a democracia abrilina, e o que realmente se pensa, só é dito em grupos de amigos e em jantares reservados.

Será uma desilusão para todos os que se quiseram iludir.

Apesar de alguns amigos acharem que me vou desperdiçando, não tenho dúvidas. Um homem caracteriza-se pelos seus princípios e não o inverso. Mesmo sabendo que os próximos três anos tratarão de dar fim à “direita que temos”…

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segunda-feira, maio 19, 2008

Democracia Sem Mediocridade

Gosto muito de ver que Pacheco Pereira voltou à carga contra o Regime. Mais uma vez lhe noto a fragilidade dos intelectuais. Sem fonte donde partam os seus valores, sem um elemento que lhe sirva de princípio, a sua crítica será sempre um estranho arrazoado. Quer maior liberdade, mas não quer uma sociedade em que o disparate seja permitido. Quer um regime de voto popular, mas não quer que o soberano seja comprado pelos que precisam do seu apoio. Quer sociedade civil, mas não aceita que a sociedade civil contemporânea faça a divulgação daquilo que esta mais preza, a irrelevância.

Pacheco Pereira vive numa utopia do século XIX, que não se realizou nem realizará. Uma sociedade em que a democracia serviria para elevar o povo à nobreza. Uma sociedade sustentada por visões privadas (para assegurar a liberdade individual), mas em que o valor da verdade comunitária e da elevação não seria questionado. Uma sociedade sem hierarquias de valores, mas onde ninguém se entrega à auto-gratificação mais abjecta, ou à transgressão da justiça para auto-satisfação.
De toda essa parafernália ideológica oitocentista, nada saiu de jeito. As populações estão cada vez mais embrutecidas, mas agora com muitos electrodomésticos e com formação profissional. Isso já se sabia em 1974, como agora. Não adianta simular candura.

Eu acho que o povo faz bem em embrutecer. Dá me gozo ver a geração de Pacheco Pereira, a de meus pais, assumir todos os seus erros. Encho-me de riso ao ver que os libertadores angolanos e combatentes anti-colonialistas, agora são “ladrões” e “cleptocratas”, divirto-me ao ver uma escola em que os “conhecimentos” são substituídos pela “inclusão”, entretenho-me a contar os articulistas que se elevaram contra o Estado Novo ou fugiram para França e que agora vêm falar de critérios públicos para a comunicação social. A nossa sociedade é um bom passatempo e um estudo de caso notável de riqueza material e pobreza de espírito. Já se pode falar em declínio, como no resto da Europa.

Do Fátima, futebol e fado, passámos a uma tríade bem pior: futebol, Big Brother e bens de consumo. Resta perguntar a Pacheco Pereira e aos outros que nos puseram nesta, como é que podemos sair daqui.

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sexta-feira, maio 16, 2008

Lomba Confusa







Depois de Seguro, a Lomba. O calibre dos nossos articulistas “de referência” resplandece. Figura de proa do nosso articulismo e bloguismo, Pedro Lomba demonstra que percebe da poda. Diz-se liberal-conservador, e brinda-nos com esta pérola

“Um liberal-conservador está sempre a vigiar a temperatura das suas convicções. Se o termómetro dispara para cima ou para baixo ele age logo com medidas temperadoras. Como liberal preza a independência pessoal contra todas as formas de sujeição, servilismo e pobreza. Como conservador reconhece que a independência absoluta é um projecto impossível e que há um módico de autoridade e hierarquia que temos de aceitar. Como liberal é individualista e pelo mercado. Como conservador reconhece que os indivíduos vivem melhor em comunidades socialmente coesas e organizadas. Como liberal é optimista. Como conservador é pessimista sobre o seu optimismo. Como liberal aprecia a cultura de massas. Como conservador não diz que é arte qualquer saloiice. Como liberal acredita. Como conservador desconfia. O liberal-conservador não rejeita a existência de contradições. O que tenta é um equilíbrio difícil entre si e os outros.”

Lomba acha que os conservadores não defendem a autonomia individual, mas acha que a autonomia é um sonho impossível. Sim, e depois? Será que isso tem alguma coisa a ver com conservadorismo, ou apenas com uma forma de liberalismo que é “realista” e não-economicista?
A boçalidade da primeira ideia é desmentida por séculos de história, sabendo que a própria existência da autonomia individual provém do pensamento cristão que os conservadores defendem. A da segunda proclamação revela que Lomba está confuso e acha que um sonho impossível é uma finalidade legítima da comunidade política.

Depois acha que o liberal aprecia a cultura de massas, mas como conservador defende o gosto a título privado. Ou seja, o conservador ou é um inconsequente, que acha que as suas posições são tão boas como qualquer outra e que a estética é uma coisa desligada de uma concepção de bem, ou então é um esquizofrénico que acha uma coisa e o seu contrário.

Quando o Lomba descreve o seu liberalismo como crença e o seu conservadorismo como cepticismo, o esquema é finalmente revelado. Acredita no liberalismo, mas tem dúvidas quanto ao liberalismo, porque é céptico. Infelizmente aqui não permanece, outra vez, menor resquício do pensamento conservador, porque essa posição conservadora não é autónoma. É apenas uma dúvida prudencial quanto à aplicabilidade prática do esquema mental liberal que o PL professa.
Porque é que se representam as dúvidas ao liberalismo-filosófico como sendo conservadoras, sendo que estas são dúvidas que emergem da mesma fórmula mental que o liberalismo? Nem quero imaginar que seja porque os liberais andam à caça de apoios...
E, já agoram, por que não poderia ser o inverso? Do seu conservadorismo vir a crença (numa ordem natural das coisas, numa Justiça, numa ontologia...) e do liberalismo a dúvida?
Dizem que leram Tocqueville...

Falta, no meio de todas estas declarações de intenções moderadas, determinar o “porquê?” . Sobre isso, infelizmente, nem uma palavra. Um conjunto de confusões e expressões identitárias sem nenhuma articulação que não seja a vontade do freguês. Uma total ausência de substância a lembrar este senhor. O conservadorismo tratado como se se identificasse com a filosofia humeana.

É a sociologia, estúpido!

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Este ainda chega a PM

Remeto para a leitura deste artigo de António José Seguro. É a todos os títulos notável.
Notável no chavão, porque não consegue ter uma ideia que não seja banal numa reunião de uma concelhia partidária qualquer.
Notável no modo, pela utilização do "português simplex", que caracteriza a geração de políticos que se formou nas "jotas" e não nos estudos e reflexão. Incapaz de utilizar frases complexas, parece que estamos a ler um telegrama. Frases curtas para ideias do mesmo calibre.
Notável, sobretudo, na forma como apresenta soluções inovadoras. Nunca ninguém tinha ouvido falar de exigências éticas, de solução eficaz dos problemas, da importância da proximidade e relação com os eleitores, da utilização de uma linguagem de verdade (mas que verdade, Tozé?), de debate de ideias, de rigor na gestão de dinheiros públicos. Não andamos nós a ouvir outra coisa há anos...
Este homem é um génio. Descobriu que a solução para um problema é continuar a ministrar o medicamento que não funciona...
Dêem lá um lugar ao homem, para que este saber não se perca.

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quinta-feira, maio 15, 2008

Cidadão Ortiga
















As declarações de Dom Jorge Ortiga na TVI são bem demonstrativas da confusão entre prudência e princípios que grassa nas mentes da Igreja Portuguesa. O Senhor Arcebispo fala-nos de uma doutrina que só se aplica aos crentes, que o Estado deve ser laico, e que o a Igreja deve estar em pé de igualdade com as outras denominações.

Sigamos o exemplo do Primaz de Braga e abracemos a poligamia mórmon ou islâmica, a excisão clitoriana africana e os festins de sangue dos rituais satânicos, no seio da nossa legislação. A igualdade das religiões torna forçosa a aceitação desses modos de vida no seio da comunidade portuguesa. O Estado Laico cria uma tangibilidade da lei que não se compadece com a moralidade pós-cristã da monogamia, das restrições à homossexualidade, do Decálogo, porque não possui a fonte para a restrição moral.

O Arcebispo repete a mesma figura triste que Marcelo Rebelo de Sousa fez no Referendo do Aborto. Quer dizer “não”, mas sem aceitar os conceitos que o poderiam justificar, acaba por dizer que a sociedade pode fazer o que quiser, mas sem a sua sanção subjectiva. Esquece-se, como se esqueceu MRS, que a sua sanção subjectiva não serve para nada.

Da próxima vez que o Arcebispo falar contra os casamentos homossexuais, o aborto, ou o facto de haver um sistema de vigilância em casa de cada pessoa, é preciso que alguém lembre o Arcebispo de que o Estado se encontra desligado das concepções cristãs de justiça.

Retira-se-lhes a Espada, tornam-se cordeiros...

segunda-feira, maio 12, 2008

O Axioma da Liberdade





















Numa caixa de comentários, o Rui A. questiona de que forma se pode politicamente enunciar o Bem e o Mal. Deixo essa resposta para o fim do “post”. Mas o que é mais interessante é que o Rui A. quando escreveu sobre Jusnaturalismo Liberal o tenha feito assentando numa premissa moral que escapa completamente à percepção voluntarista do liberalismo e que assenta a sociedade num conjunto de premissas que se que se sobrepõem ao elemento voluntário.
Isto sucede precisamente porque o Rui A. sabe que é impossível que enquanto se faça a apologia da vontade individual não é possível evitar que um indivíduo ou dois contratualmente unidos, possam decidir praticar actos degradantes contra si mesmos, uma vez que a própria existência do conceito de degradação remete para uma concepção de Bem que não se encontra no liberalismo. A não ser que aceitemos como critério de Bem tudo aquilo que permite um aumento da autonomia individual, mas tal criaria um problema ainda maior para o argumento do Rui A., porque significa que tais restrições à capacidade de dispor de si são fortemente anti-liberais.
As perspectivas não são animadoras. Ou o Rui A. demonstra de que forma é possível, através dos instrumentos da autonomia, demonstrar porque razão o indivíduo não pode dispor da sua vida como deseja (ser canibalizado, eutanasiado, etc.), ou recai exactamente na mesma posição que a minha, ou seja, a necessidade de uma justificação moral para a comunidade política, o que o afasta da tradição liberal. Nisto há preto e há branco. Não há cinzentos.

O Rui A. questiona-me também sobre porque razão é que considero o liberalismo uma ideia tirânica e as liberdades que dela advêm absolutamente arbitrárias.
A razão é muito simples. Existiam, historicamente, um conjunto de liberdades (direitos e deveres) que se encontravam consagradas nas ordens políticas europeias e que foram subvertidas pelo advento do liberalismo. A um conjunto de liberdades foram sobrepostos os princípios débeis do liberalismo teórico. Fizeram-se guerras e revoluções para submeter as instituições a esses princípios. Às anteriores concepções de justiça sobrepuseram-se princípios como os da igualdade (um princípio absolutamente vazio), de uma liberdade absolutamente desligada de qualquer concepção moral (como se viu anteriormente). O pior de tudo é que não se percebeu que essa concepção se apresenta como absolutamente axiomática. Ou se aceita, como Locke, uma concepção de liberdade no Estado de Natureza, ou a coisa colapsa. Ou se aceita como Kant que a autonomia é a alma do Ser Humano e que pode servir como base de todo um sistema ético, ou não há nada para ninguém. Rejeitar estes dois axiomas, estas premissas dogmáticas (para não falar das liberais-utilitárias e liberais-progressistas, ainda mais débeis, mas cada vez mais afastadas do liberalismo) torna impossível a compreensão do sistema. Não compreender que a Locke o indivíduo pode escolher Hobbes sem prejuízo de racionalidade e civilidade, é um dos erros fundamentais do liberalismo clássico. Fica então por explicar a necessidade da Liberdade. Se queremos a Liberdade porque ela dá outras coisas, temos de explicar a imperatividade de tais finalidades. Se queremos a Liberdade em si, temos de explicar metafisicamente a imprescindibilidade da mesma. Infelizmente essa apologia da liberdade em si é oposta à perspectiva católica da nossa sociedade, o que é um grande revés para os que querem fundar uma lei liberal nos pressupostos morais da comunidade.
Isto responde à pergunta seguinte. Se a propriedade tem um valor em-si-mesma, então ou tem um carácter transcendente, ou é uma imposição de uns face a outros para obterem finalidades. Só a primeira posição é jusnaturalista, mas ainda não se viu uma explicação transcendente da propriedade.

Quanto ao último ponto, em que o Rui A. me questiona quanto à barbárie nazi, devo eu perguntar: Não foram os liberais quem proclamando as liberdades universais, permitiram a existência de escravatura? Não foram os liberais clássicos e toda a sua parafernália conceptual individualista e anti-colectivista, que permitiram que os escravos não dispusessem dos Direitos Humanos?
O problema é, evidentemente, mais complexo do que o Rui A. supõe. O problema do totalitarismo não está no desrespeito pelo individualismo e propriedade, mas no sentido é dado a esses conceitos. Muitas (quase todas) das sociedades que não divinizaram esses conceitos (os tomaram como fim-em-si), nunca incorreram na barbárie, não sendo por isso a causa da deriva totalitária.
O totalitarismo vem de algo mais profundo: a ideia de que o homem cria, segundo a sua razão e vontade, as condições e limites da sua própria existência. Exactamente o mesmo que a Ideia Nova do Liberalismo operou aquando da destruição da velha ordem, proclamando a autonomia acima da moral cristã.

sexta-feira, maio 09, 2008

O Idílio Conservador Britânico





















Os Conservadores que reportam à moderação como elemento mais elevado são tão utópicos como os esquerdistas. Inventaram um país que nunca existiu e que lhes serve de referência, suposto exemplo de como a modernidade pode funcionar com obediência política e liberdade, com tradição e democracia.
A Inglaterra Imperial seria uma nação de chá, brandy e charutos, onde os mais aptos cuidariam dos menos aptos, onde alguma liberalidade moral democrática existiria, onde o povo escolheria os seus representantes, onde a paz social imperaria num clima de tolerância. Esse país, infelizmente, nunca existiu.

Ao contrário do que certa historiografia pretende fazer crer, o momento fundador da monarquia britânica moderna não é a Glourious Revolution, mas um momento bastante mais sinistro. Quando em 1661 o corpo de Oliver Cromwell foi exumado e sujeito a uma execução póstuma, o seu cadáver exposto e a sua cabeça colocada num espeto na Abadia de Westminster, o problema já era bastante evidente. O “político” havia decidido aplicar uma justiça que se diferenciava pelo facto de condenar mortos, de lhes querer tomar a alma, sobrepondo-se à justiça divina que opera nesses casos. O Terror foi um elemento fundador da paz social que se viria a registar nos séculos seguintes e não qualquer espírito de tolerância por parte dos ingleses.

Do espírito de tolerância inglês há que relembrar o reinado de Jaime II. Este Rei elaborou uma lei de tolerância religiosa que assegurava a liberdade de consciência, a Declaration of Indulgence, que em 1687 permitia que todos os ingleses escolhessem a sua religião segundo os seus desejos. Jaime II, o último católico coroado por aquelas partes, terminou também com o monopólio anglicano no ensino, deixando que (pasme-se) alguns católicos ensinassem e aprendessem em Oxford. É claro que o tolerante povo britânico não podia deixar que isto acontecesse e tratou de resolver esta situação através de uma Revolução Gloriosa, que voltou a trazer o monopólio anglicano. Em 1780, quando foram elaboradas leis para minorar (e não eliminar) as discrepâncias entre protestantes e católicos, e no meio de um clima de grande paz social, o bom povo de Londres resolveu queimar Igrejas e casas de católicos, atacar deputados e destruir meia cidade. O doce sabor da tolerância e do cavalheirismo...

Talvez um dos aspectos mais gloriosos dessa Revolução tenha sido a formação de um monopólio anglicano para tudo nas Ilhas Britânicas. Para quase todas as actividades laborais, excepto as menos lucrativas, havia restrições para não anglicanos. Fala-se muito da perseguição aos comunistas no Estado Novo, mas esquece-se que até ao fim do século XIX, no Reino Unido, era preciso jurar fidelidade às instituições para se poder ter um qualquer cargo público (mesmo que menor).
Na Irlanda, a posse da terra e os trabalhos intelectuais, pelos católicos era proibida. Para tudo era preciso um "testa-de-ferro" protestante, que se fazia pagar pela sua disponibilidade. Três quartos da população suportava os protestantes, que não trabalhavam em virtude da sua religião.

Um Estado Confessional não é novidade, mas um Estado em que o Parlamento elabora decisões eclesiásticas está muito perto da loucura totalitária do século XX.
O facto dos crimes de sedição serem punidos com a pena de morte, também deveria pôr muita gente a pensar sobre que paz era e de que forma havia sido obtida.
Um sistema político de representação em que os lugares eram vendidos ao candidato disposto a pagar mais...

A doce e livre Inglaterra!!!

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quarta-feira, maio 07, 2008

O Jusnaturalismo Liberal é Jusnaturalismo?
















Tenho lido com atenção os posts do RA sobre o jusnaturalismo. Nele estão contidos alguns dos grandes erros do liberalismo. Há um, em particular, que é mais nefasto que todos os outros. A ideia de que o jusnaturalismo secularizado é uma continuação do clássico, é um erro gravíssimo, uma vez que este é uma resposta e uma oposição ao mesmo. Quando o RA fala dos pressupostos morais da sociedade, fá-lo em completa oposição com o verdadeiro sentido das palavras natural e moralidade.

Foi interessante, no século XVIII, que se falasse de sentimentos morais como passíveis de fundar qualquer sociedade. Mas depois de observar a forma o século XX perverteu todos os sentimentos e a forma como os genocidas despertaram a adesão das massas populacionais, afirmar que a comunidade se funda numa “moralidade média” que lhe serve de sustentáculo, é quase criminoso.

A solução para este problema é uma constante. Olhar as sociedades que cometeram os actos criminosos mantendo a pureza dos seus sentimentos, como selvagens é batota (resta provar que a Alemanha Nazi não era um país civilizado no Entre Guerras). Primeiro diz-se que os sentimentos são tudo. Depois que há gente que não tem sentimentos. Não seria então aí, mais importante que tudo, elaborar uma compreensão sobre os sentimentos, de uma forma que estes sejam compreendidos como algo fora da própria sentimentalidade, pensar de novo o Bem e o Mal, em vez dessa ilusão de que o auto-interesse ou os nossos instintos resolverão essa contenda? Há dois séculos que sabemos que isso não chega…

Mais uma vez o RA esquece que mais importantes que as palavras são os seus significados. Quando Locke fala em moral, o que está a dizer é “direitos de propriedade racionalmente justificados”. Quando Smith fala em preservação da moral, o que está a dizer é “manutenção da estrutura social que permite a manutenção da propriedade”.
Elaborar a partir daí uma concepção do que é bom ou mau, que não seja mera delimitação arbitrária de esferas individuais, com o objectivo da manutenção da paz e legitimação do elemento político e com o objectivo de evitar as grandes questões do Homem, é dar um alcance ao liberalismo que ele não tem. O alcance de Locke e Smith não chega, também, para tanto…

Enquanto que o jusnaturalismo clássico se preocupa com o bem e o mal, o moderno preocupa-se com a delimitação de esferas para a justificação do Poder.

Como pergunta Strauss, não foram estes jusnaturalismos todos, saídos das obsessões com a ordenação comunitária, a grande fonte do positivismo, do historicismo e do relativismo?

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