quinta-feira, março 13, 2008

Um Reflexo de um Estúpido Século










Só numa sociedade em plena decadência um pensador como Raymond Aron pode ser tido como uma sumidade nos domínios do pensamento político. Com Oakeshott, Aron é possivelmente uma das pessoas que mais contribuiu para o confusionismo da “direita” europeia. Defensor de um “moderantismo” que apenas escondia um vazio utilitário e um pragmatismo elevado ao estatuto de religião, Aron lá foi conquistando através de uma independência farisaica um lugar no panteão do conservadorismo desvairado pelo fim dos grandes sistemas de pensamento.
Ao contrário dos grandes pensadores que lutaram para destronar a hegemonia dos erros do século XX, Aron conseguiu o milagre de pactuar com todos eles e, ainda assim, conseguir cativar toda uma geração que ainda hoje se considera imune ao esquerdismo do seu tempo. Onde autores como Strauss, Voegelin, ou mesmo Arendt, compreenderam os erros do positivismo e tentaram construir uma nova compreensão do mundo, uma nova ciência, Aron deixou-se levar por toda a mentira da inexactidão das ciências sociais (como se houvesse alguma exactidão nas ciências naturais) e pela incapacidade de demonstração da verdade nas ciências sociais (como se nas naturais alguma vez tal fosse possível), para reduzir o pensamento político ao domínio da prudência e da instrumentalidade.
Ao condenar o “excesso de inteligência metafísica” dos autores da esquerda, pactuou com eles. O problema não era estarem errados, mas andarem a pensar em sistemas metafísicos que colocavam em perigo a existência da “situação”. As implicações deste limite são fundamentais, como será visto.
Toda a forma mental de Aron está povoada com as dicotomias fantasiosas de esquerda. O progresso e toda a sua dialética, a identificação da Justiça com a Igualdade, não são apenas marcas desse esquerdismo, mas aceitação de uma metafísica que se confronta com o mundo e que se impõe à realidade. Aron foi um pensador ideológico, mas reprimiu as suas tentações metafísicas em submissão aos seus desejos mundanos. Esse era, aliás, o único critério da limitação da inteligência. Manter o regime político e evitar a guerra civil (os fins elevados de todos os tiranos), faziam parte da sua “religião política” de manutenção do “status quo”, religião essa que justificaria até o cercear da inteligência (em vez de cercear o erro). A visão ridícula da posição do filósofo nesta situação é o dever da verdade, mas da verdade que consiste em evitar o conflito insanável, o que nos reconduz a uma impossibilidade de analisar a natureza do regime. A insistência de Aron em que a primeira das virtudes políticas é “não julgar” faz parte dessa religião da abertura que impossibilita toda o pensamento sobre a justiça e coloca os homens de mãos atadas perante a sua sociedade, tonrnando-se seus escravos. Para não ter de responder a questões sobre a amoralidade e os perigos da sua posição (a negociação ou aceitação do nazismo e do comunismo como posições lícitas), Aron apoiou-se no critério utilitarista para aferir a validade dos regimes. Ao aceitar o sofrimento humano como termómetro dos regimes, Aron entregou-se nas suas mãos, sujeitando-se às críticas evidentes (o que é o sofrimento? se não é algo físico, porque é que não se estabelece a sua estrutura como critério para definir o mal?). O utilitarismo, como qualquer “conversation-stopper” ideológico, levanta perguntas que o reputado cepticismo de Aron é incapaz de responder.
Até como pensador do liberalismo, Aron é pobre guia. Achando-se no meio das dicotomias do seu tempo e sem um enquadramento para pensar a realidade, o autor francês achou que o liberalismo era uma solução média entre a Anarquia (ausência de ordem) e o Fascismo (a ordem total), um raciocínio que demonstra uma clara ausência do conceito de ordem e da estrutura liberal, fundamentado por um conjunto de preceito e não resultado de uma prudência negociada. Não compreender o liberalismo como elemento de ordem específico é, não apenas uma distorção da realidade operada pela sua ideologia da moderação entre as propostas do seu tempo, é uma via média entre nada e coisa nenhuma. Quando a vontade afecta o discernimento...
Aron era prudente, mas tomava as finalidades do homem, ao bom estilo maquiavélico, como elementos insondáveis. Transformou o seu cepticismo (uma posição insustentável) em utilitarismo, escondendo uma posição hedonista sob o manto de uma “decência” nada analisável.
Nada mal para quem é tomado por conservador e inimigo das ideologias.


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