quinta-feira, fevereiro 28, 2008

Um Ensaio Sobre a Ignorância dos Nossos Liberais














A Declaração de Princípios da Ala Liberal é um momento de humor que não fica atrás das bonitas reflexões de Michael Seufert. Aqui não há conservadorismos, nem odes à família, nem tão pouco mensagens de promoção da heterossexualidade. Aqui há apenas um dos momentos de pensamento menos liberal de que há memória.

O "valor do trabalho" que está na Declaração é, toda ela, um hino ao antiliberalismo. O trabalho como dignificador, como elemento potenciador da personalidade, o reconhecimento do mérito, é retirado da doutrina social da Igreja e do Estado Novo. Infelizmente a coisa nada tem de liberal, porque viola algumas das premissas básicas do pensamento liberal. Se a comunidade política anda a reconhecer os méritos de cada um, independentemente do valor económico que esse mérito tem (e que é ditado pelo conjunto das interacções humanas), temos um sistema de socialismo centralizado. Não há nada mais ferozmente anti-liberal que esta ideia de que o trabalho é a fonte da virtude social. O que se faz aos proprietários, aos especuladores, aos investidores? Expropriam-se? Não há ninguém que tenha percebido a crítica de Hayek às “meritocracias”. Pode ser-se liberal sem perceber isso?

É também muito divertido ver liberais a falar contra o construtivismo social. Então o sistema das liberdades políticas liberais não é construtivista? Mais um bocadinho e ficamos a pensar que o liberalismo em Portugal veio por ordem espontânea e não pela “made order” da Liga dos Amigos de Napoleão. E o 25 de Abril e o 25 de Novembro, também são casos de ordem espontânea, ou são abjurados pela Ala Liberal? O liberalismo português não foi todo colectivista, expropriador, inventor e desenhador de sociedades? Então porque é que defendem a reforma da Constituição e não a criação de uma nova?

Gosto também de ver o mui liberal controlo democrático dos serviços de segurança. Já estou a ver referendos para publicitar as imagens da vida privada de alguns figurões da nossa sociedade.

Quanto ao recuo do Estado em matérias de costumes a coisa é muito interessante. E a eutanásia? E a venda de órgãos? E a compra e venda de fetos para investigação científica ou para práticas de bruxaria?

Há uma parte particularmente importante da Declaração de Princípios e que mostra bem o alcance da iniciativa. Substitui-se o “interesse público” pelo “interesse geral”, ou seja, o interesse comum pelo conjunto dos interesses privados. Aqui dá-se uma revolução cosmológica assinalável. O interesse público é comum, mas o geral é o conjunto dos privados. Mas não há interesses contraditórios? Como é que se procede então à selecção dos interesses privados lícitos? Um critério extra-subjectivo não poderá ser, porque isso implicaria um “interesse público” e a aceitação de algo que é maior que os interesses dos privados. Se o critério é apenas serem os interesses do grupo em particular e dos seus membros, o resto da sociedade pode desprezá-los e dizer “e é do nosso interesse violar a propriedade com o socialismo, ter o Estado em cada esquina, expropriar-vos amanhã. Como somos mais...”.
Não é próprio da natureza do liberalismo fazer uma apologia de algo que é superior aos interesses dos indivíduos? Não foi isso que Locke, Kant, Hayek, Nozick, Mises ou Rothbard fizeram?
Só um erro básico de compreensão do que é o liberalismo pode levar a tamanhos disparates.

Isto tudo seria grave, mas se fosse para levar a sério. Se o fosse responderia a estas simples questões, formuladas em dez minutos.
Deve servir de aviso aos que se consideram "companheiros" destes "liberais". Se consideram que estão bem num partido que acha isto uma posição digna...

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