terça-feira, fevereiro 26, 2008

Contra o Disfarce Optimista da Gnose












Num e-mail, o amigo Modernista pergunta qual o ponto onde teremos, de forma tão irresolúvel, divergido. Levanta a questão do pessimismo antropológico, afirmando que eu serei um proponente desta modalidade de pensamento. Não o creio. Os pessimismos e optimismos antropológicos são, na melhor das hipóteses, o resquício de um diálogo vazio, são a carapaça de que se revestem as coisas de maior profundidade.
A diferença entre um reaccionário e um modernista é que o primeiro se encontra no meio de um diálogo sobre a Humanidade que possui milhares de anos. Aceita como dogma a possibilidade do erro, que o erro o afasta da realidade (a forma como as coisas realmente são), que a realidade possui uma força que ordena o mundo. Já o modernista insere-se, inconscientemente, num diálogo tão antigo como o primeiro, mas onde toda a forma de pensamento é vista como expressão de uma ordem inapelável, como expressão irredutível de uma verdade que é incomensurável e incapaz de transcender o sujeito, porque incapaz dele se destacar.

A maior parte dos modernos e modernistas ficariam horrorizados com os pressupostos da “gnose” que aceitam como estruturante do seu pensamento. A gnose moderna acredita na verdade que reside em todo o Ser Humano, mas assim que vê erguida alguma oposição aos seus “modernos” fins, exclama rapidamente a infra-humanidade do atacante. Se em todo o homem reside a verdade, porque é que foi preciso o gulague? Se a unidade do género corresponde a uma liberdade de expressão, o processo só existe enquanto o indivíduo colocado na posição de poder pode escolher o que é humano e infra-humano, segundo o seu próprio critério. Ou seja, o líder encontra-se auto-capacitado para escolher o critério de humanidade que entende, uma vez que este é apenas uma expressão da verdade no seu infinito particular (que melhor definição do autocrata, que o semi-deus de Aristóteles?). E como os outros não tem capacidade de aferir a parcela incomensurável de verdade do líder, nem uns dos outros (a impossibilidade de comunidade é evidente, onde todos têm no seu âmago uma verdade que é individual), o Poder só pode estar desligado da verdade e ser uma prática contractual e convencional, onde existem violações ao estabelecido, mas nunca pode existir erro.

A gnose pressupõe a incomensurabilidade dos mundos particulares, santificando-os como se fossem a Verdade, escolhendo os critérios do Bem e Mal, do Humano e Infrahumano, por inspiração individual e sem uma racionalidade que permita julgar aquilo que foi escolhido.
Mas a Igreja não defende o ideal de autonomia (como pergunta o Modernista no ponto 6 da sua Crítica) e não é uma defensora deste “estado-de-coisas moderno”?
A resposta é simples. A liberdade do livre-arbítrio não significa que exista uma esfera inviolável da acção humana. Significa apenas que a acção moral (a virtude ou o vício) pressupõe uma esfera volitiva como definidora da acção. Quando esta liberdade não se realiza na virtude, deve ser dobrada pelos educadores. Quando perigosa para a comunidade, pela política. E se existe liberdade que um católico não possui é a de achar que tem a total liberdade para escolher o critério que define o mal e o bem. Sem isso não é possível ser católico, porque essa é a possibilidade de escolher uma “liberdade” escravizante.

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