terça-feira, novembro 24, 2009

Duas Direitas















O Miguel Castelo Branco dirigiu um texto a todos aqueles que se revêem na Direita e que lança alguns tópicos interessantes sobre o lugar da tradição e do conservadorismo portugueses no presente diálogo político europeu.
Não me interessa muito discutir epítetos ou rótulos e por isso abster-me-ei de discutir responsabilidades históricas no que respeita a tudo o que aconteceu em Portugal nos últimos dois séculos.
A primeira coisa que salta à vista no texto do Miguel é que aquilo com que este se insurge. O problema da Direita, segundo o Miguel, é que se encontra fora do debate político presente, estando por isso frustrada nas suas capacidades e impedida de dar o seu contributo na preservação da sociedade. O ponto é interessante, recorrente e uma das consequências mais evidentes da inversão maquiavélica no pensamento político. A primazia da acção acima das finalidades é uma das marcas de certa direita. Curiosamente, esta é a marca essencial das direitas que tiveram hipótese de governar Portugal e que o fizeram, com sacrifício de tudo aquilo a que apelavam. A estratégia frequente foi a do conservadorismo social, a manutenção das estruturas e elites do status quo através da ameaça da “direita moralona”, do “tempo da outra senhora”, ainda que para isso, para “parecer moderno”, se assinasse de cruz todas as propostas, mesmo as mais disparatadas, do progressismo. Essa Direita, a da manutenção dos privilégios independentemente do regime, representa aquilo que é mais perigoso na nossa sociedade. As verdades em surdina, o esquema, o desconhecimento de quaisquer finalidades que não a satisfação grupal e de casta, disfarçadas de progressismo...
Ao contrário do que se pode ler no texto do MCB, foi essa Direita, bem acolitada pela Igreja Portuguesa assim que teve lugar à mesa do banquete, que deixou cair as grandes questões (a matriz civilizacional de Portugal, o seu carácter universal e finalidades cristãs) e se concentrou nas pequenas. Na impossibilidade da manutenção das finalidades cristãs dentro do paradigma liberal, concentrou-se na manutenção de estruturas sociais herdadas do período cristão.
É evidente que isto é um erro, mas foi precisamente por ter assumido a posição do Miguel e não a inversa. Ao tomar a inserção política como elemento essencial, a Direita cá do burgo desprezou tudo o que sustentava a sua luta. E por isso em Portugal há uma direita para cada paladar. Os negócios, os valores desnatados, o pró-americanismo mais subserviente, o patriotismo mais difuso ou confuso, tudo acaba por caber nessa caixa desprovida de rótulo ou critério de inclusão.
Se só uma sociedade que tem a capacidade de mudar, tem a possibilidade de se conservar, como afirmou Burke, o dever da Direita, dos conservadores ou daqueles que vêem na tradição a forma de compreender o seu lugar no mundo é compreender o que salvar. Toda a mudança ou caminha nesse sentido, ou vai no sentido inverso. Afirmar que se deve ser a favor do que se pretende combater (a eliminação dos obstáculos à vontade individual, a redução da escolha ao carácter privado da mesma, a luta para que tudo tenha o mesmo valor moral ou que este coincida com as conveniências da política da época) com o mero propósito de se inserir na decisão presente sobre a sociedade é o mesmo que afirmar que é mais importante falar do que aquilo que se pretende dizer. Esse é o erro estrutural dos conservadores portugueses e de muitos por essa Europa fora que, ansiosos por serem figuras de proa na sociedade, se transformaram em meros veículos da vontade popular. Para isso já lá estão os outros...

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sexta-feira, maio 22, 2009

Burke e os Subsídios para um Vitorianismo Português
















No i do passado sábado o Prof. JC Espada deixou um resumo da interpretação neoconservadora do legado de Edmund Burke. O texto é interessante pela descrição das características essenciais da obra de Burke, mas sobretudo por um conjunto omissões que denunciam os propósitos de certa forma pseudo-britânica de justificação do liberalismo e que é responsável por que em Portugal não exista uma séria facção conservadora na opinião pública.

Pode parecer irrelevante, mas em verdade, Burke não era, em 1790, líder parlamentar ou intelectual dos “whigs”. Era um deputado em grande decadência de influência. Desgastado pelo arrastar do processo movido a Hastings e pela morte do seu grande benfeitor em 1792, ultrapassado pela ascensão de Fox, que o desprezava em termos de ideário (a proximidade, mesmo familiar, de Fox com as ideias dos “dissenters” e todo o tipo de “gauchismes” que Burke desprezava, é evidente), Burke não estava de facto no topo da cadeia alimentar. Foi precisamente na altura da Revolução Francesa que Burke voltou a um lugar de proeminência, influenciando a cisão nos “whigs” e dando real importância em termos governativos à sua acção.

Outro ponto importante descrito por JCE é a ideia de que para Burke a Revolução Francesa tem uma natureza diferente da inglesa de 1688. É perfeitamente correcto, mas insuficiente. É certo que para Burke 1688 é uma revolução lícita e a de 1789 o não é. Mas o que aqui falta explicitar é a forma como ambas exprimem sentidos diferentes para o que significa ser liberal. É por isso que não se percebe qual a diferença entre uns liberais e outros. E entre conservadores e liberais. Se no liberalismo aceitável existe um fundamento comunitário, como Burke sempre defende, como se pode aceitar o liberalismo dos mestres-pensadores do século XIX? Não iremos descobrir em breve que ou não há liberais ou não há conservadores? O desafio seria então encontrar um laivo de burkeanismo no pensamento de qualquer liberal contemporâneo.

Mas o mais importante vem na divisão das três teses essenciais da obra de Burke.
Burke não condena a revolução total, como afirma JCE. Condena totalmente a Revolução. A diferença é evidente. JCE implicitamente aceita que Burke legitimaria a revolução parcial, o que é um dano grave. Burke estabelece uma antinomia entre dois conceitos de mudança: Reforma e Revolução. Na primeira forma não há uma mudança de natureza, mas uma adaptação do contingente ao ambiente. Muda-se o exterior para que a essência não mude. Na Revolução, porém, muda-se a natureza do objecto, mesmo que a forma exterior se mantenha. É contra esta destruição da natureza contínua da identidade da comunidade, a possibilidade de se reinventar “sem mais” que Burke escreve, assumindo que esta reinvenção coloca o homem num estado de absoluto que gera o Terror.
O problema da Revolução não é, em Burke, ser dirigida por uma entidade centralizada (prefigurando o “descentralismo” de Popper ou Hayek) ou gerar consequências não pretendidas. Esse argumento é absurdo (se Burke não quisesse a Revolução pelas consequências não-pretendidas desta, não poderia defender uma ética de virtude que não se baseia em “consequencialismos”, mas na teleologia aristotélica ou não teria tentado restaurar a monarquia através de um “directório” da nobreza no exílio). O que Burke está realmente a dizer é que a Revolução não é mudar, ao contrário do que JCE afirma no texto (dizendo que Burke quer mudança e permanência), mas que a Revolução é uma mudança de outra natureza. É por essa razão que os neoconservadores são incapazes de discernir a diferença de importância do uso de roupa branca em Wimbledon e das prescrições Cristianismo. Tudo é permanência e tudo é mudança. Critério é que nem vê-lo.

Burke também defendeu uma política de “accountability”. Mas como é evidente essa relação não era uma política de representação imperativa, onde, como no nosso sistema, os deputados se encontram cada vez mais vinculados pelos desejos das massas populares. Representar não significa agir em nome, mas em prol de. E como tal, a representação é feita com vista a bens que são externos ao indivíduos e que são compreendidos no núcleo de crenças que suportam a comunidade política e se consubstanciam na religião (aquilo que distingue o contrato político dos contratos privados). Isto significa que a relação de representação só existe quando impera um enquadramento de justiça que ultrapassa a vontade contratual de governantes e governados. Algo que muitos dos liberais que se consideram conservadores (a tal conservação do liberalismo) obliteram completamente das suas interpretação do irlandês.
Se esse contrato político é consubstanciado na própria Fé, como é que podemos falar da democracia como forma de preservar as instituições da sociedade civil em sentido burkeano, quando estas instituições têm a sua própria origem e fundamentação na sociedade anterior à Democracia?
Como é possível que JCE esqueça no seu texto que a destruição das estruturas da sociedade civil que a Revolução implicou, venha, segundo Burke, da destruição do Cristianismo operada por um conjunto de abstracções filosóficas de liberais e de princípios? E que os liberais-conservadores defendam como princípios estruturantes o liberalismo que se apoiam num conjunto de premissas com a mesma arbitrariedade da democracia?
É também interessante como o argumento "neocon" de que a democracia funciona como tese explicativa e fundamento da comunidade, que motiva a crítica central das Reflexões, os liberais-conservadores esqueçam como um pequeno pormenor da obra de um autor que terá apenas como virtude preceder autores menores como Hayek, Popper ou Polanyi.

Um dia trago aqui o que Burke escreveu sobre Hume no fim da vida...

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terça-feira, março 17, 2009

Intercollegiate Review Nº. 44















Primavera de 2009
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quarta-feira, março 04, 2009

Na Ignorância só há Joio…

Por aqui damos sempre brado de reflexões sobre o conservadorismo, por mais básicas que sejam. É o caso desta reflexão no Café da Insónia, que, apesar de muito fraquinha (responde a menos perguntas do que os buracos que tem) representa um dos mais comuns disparates do “conservador de café”.
Para além do desconhecimento absurdo de que de facto existe uma teoria conservadora, com os seus pensadores e obras imprescindíveis (o impressionismo chega a este nível), o seu autor permanece ignorante perante a diferença entre o historicismo-conservador, aquele que acha que o que “está” é o “real” e o conservadorismo que se baseia no que “é”, o conservadorismo ontológico. Perfilhando essa primeira opção, o autor entra na grande confusão de achar que o que temos na nossa sociedade é tradição, algo que nenhum pensador conservador ousou pensar, por saber que a solução é achar que o comunismo, o jacobinismo, o trotskismo ou o sacrifício de crianças, são tradições que interessa defender nas sociedades onde existem.
Diverte-me qualquer pessoa que ache que o conservadorismo é fundado numa “vontade visionária” (não foi o conservadorismo fundado contra a vontade visionária por Burke?!), mas quando o desconhecedor se arma em doutrinador e não percebe que ao defender o presente, qualquer que este seja, está a perfilhar o historicismo, (uma das nemesis do conservadorismo e suprema influência do marxismo), resta tentar perceber o que leva uma pessoa a julgar algo que claramente o ultrapassa?
Mais uma vítima do seu tempo…

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segunda-feira, novembro 17, 2008

Chão de Beaconsfield















Quando Burke morreu, pediu para ser enterrado sem sepultura marcada, para que as forças revolucionárias que tomassem Inglaterra não a destruissem. Pena que não tivesse tido as mesma preocupação quanto aos seus escritos e houvesse esclarecido de forma inequívoca tudo aquilo que escreveu (o que gastaria uma outra vida).
Há por aí um conjunto de salteadores que se têm alimentado da obra de Burke para se inserirem em determinados grupos políticos e que o têm mutilado mais do que toda a jacobinaria e esquerdalho juntos. É um grupo de cavalheiros que conhece de Burke meia-dúzia de escritos da procedimentalidade política, por interposta pessoa (chegando a confundir Burke com Oakeshott) e através de citações que servem para todas as ocasiões.
A verdade é que o Burke de que falam é um Burke que nunca existiu. Falam deste como um conservador, um opositor ou um retardador da mudança. De Burke, que foi um defensor de reformas drásticas como o fim da pena de morte para os homossexuais, o fim da escravatura, a atribuição de direitos (não em sentido moderno) às populações e autoridades tradicionais do Império, a liberalização do comércio irlandês, o fim das leis contra as minorias religiosas, poder-se-á dizer tudo menos isso.
Dizer que Burke era mero apologista das tradições da sua comunidade cria um problema insolúvel. Que tradição é essa que é superior às concepções da sociedade e de que forma pode tal concepção gerar uma hierarquia de valores que permita contrapôr o ontem ao hoje?
Se Burke tivesse sido um convencionalista, um discípulo de Hume, nunca poderia ter proposto posições como as que acima são descritas. E se fosse um contratualista liberal (lockeano ou hobbesiano) não poderia ter defendido que a acção da Companhia das Índias Orientais, apesar de contractualizada pela vontade dos príncipes e administradores, poderia ser considerada criminosa pelos tribunais e pelo Parlamento, com base em princípios de Justiça não escrita e que perduram eternamente.
Sobre isto, apenas o silêncio ou a imputação a Burke de uma concepção de “razão de Estado” a que Burke dedicou um combate de doze anos (os argumentos de Jorge III para a usurpação dos direitos do Parlamento).
Fosse Burke um gradualista, um moderado, um defensor de prudência maquiavélica, e nunca teria escrito que o massacre da nobreza moderada e orleanista seria um castigo divino pela sua traição.
Burke deve ser dos autores mais falados e menos lidos do nosso tempo.

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sexta-feira, setembro 05, 2008

O Fim do Episódio










Escreveu-se muito sobre o neoconservadorismo. Revolucionário, refrescante, uma nova abordagem, tudo serviu para o descrever. Alguns, porém, viram bem o podre da coisa, uma vestimenta conservadora (o modo anti-social, pró-militar e anti-internacionalista) numa alma radical (uma agenda militar democratizante e progressista) e subordinada a todas as bandeiras da esquerda do século XX. Os neocons sempre aceitaram o léxico e os desejos da esquerda (a autonomia, a liberdade irreligiosa), mas mascararam-se ao defenderem elementos anti-utópicos aprendidos na “Democracia na América”.
É claro que muita palonçada correu atrás disso. Podiam assim enconstar-se aos mitos da esquerda em que se formaram e aprenderam a sua única linguagem (dos direitos e das liberdades) e viver a vida encostados à burguesia que sempre desejaram.
Agora que se ministram os últimos sacramentos ao movimento, é fácil observar o vazio de toda a construção. Uns prostram-se, como era sua missão, ao serviço do Poder que vem. Portugal também tem muitos destes. Absorvidos com a máquina, acham que tudo por esta passa e que a solução passa pelo poder. Despiram-se das roupagens da direita e agora unem-se na adoração ao próximo senhor do mundo, ao multilateralismo, e às políticas sociais.
Outros mantêm-se como senhores da guerra, mesmo depois de demonstrado o erro das ideias que lhe deram origem. Estão ao nível da rapaziada que ainda louva os campos de trabalho soviéticos porque recebeu um subsídio no tempo do Companheiro Vasco.
A única coisa que os neoconservadores deixam no pensamento conservador é o vazio que marca a sua partida e a confusão conceptual que deixaram nesse campo.
Finalmente o líder dos Republicanos é tão social-democrata como o do Democrata...

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segunda-feira, julho 21, 2008

Prudência como Virtude e a Reeducação do Professor Hess
















Talvez a mais importante virtude do recente livro de Pat Buchanan tenha sido o recentramento da discussão da política externa nos aspectos prudenciais. Pode não se concordar que a Churchill deva ser assacada a responsabilidade pela queda do Império Britânico, da mesma forma que se pode criticar algumas insuficiências no tratamento de alguns pontos importantes. O certo é que, exceptuando alguns histerismos, toda a discussão interessante se tem centrado na decisão política, na definição de males maiores e menores, ou seja, naquilo que deve ser a política em sentido puro (definição dos elementos a preservar e ordenação da acção nesse sentido). Essa é já uma grande vitória de Buchanan.

O que Buchanan realizou no seu último livro não foi uma reequação das finalidades da comunidade ou uma interpretação do Ocidente. Buchanan esteve sempre do mesmo lado. Na sua obra, a Civilização Ocidental, composta pela tradição judaico-cristã e por uma estrutura de legalidade e constitucionalidade, é um dado. O que Buchanan questiona é, tão simplesmente, a forma como uma política de absolutos (guerra total, disponibilidade total) gera compromissos absurdos, que servem tudo menos para a prossecução das finalidades da comunidade, dessa forma tentando demonstrar como as políticas de "democratização" e "progressificação" ocidentais conduzem a uma situação insustentável e que periga a justiça interna das comunidades.
Em lado algum se ouviu santificar o comunismo ou o nazismo, da mesma forma que em lado algum se ouve Buchanan reduzir a norma da acção inspirada pela prudência a um mero jogo mecanicista de forma de obtenção de desejos.

Só uma caracterização muito boçal, vinda, por exemplo, de um nazi-arrependido e apostado em ficar nas graças dos poderes que o rodeiam, pode reduzir uma ética de lealdade à institucional e prudência (a tal de Aristóteles, São Tomás de Aquino, Burke…), a uma imoralidade e aceitar como argumento difuso a salvação de vidas para desrespeitar todos os juramentos e obrigações de obediência feitos anteriormente. Imagine-se o que aconteceria se um Primeiro-Ministro, decidido a salvar vidas em África, desviasse a receita pública para o Burundi. Isso é que seria ganhar prémios e comendas dos humanitários de serviço…
A incapacidade de compreender que as questões morais são mais complexas do que a "salvação de vidas", revela uma mentalidade simples, disposta a fazer o “jeitinho” aos detentores do poder. O argumento do esclavagista é sempre “lembra-te de quem te salvou a vida”, como se a vida fosse, em si, o mais elevado dos bens.

É evidente que o argumento de Buchanan não é que “só pode intervir num conflito quem é ameaçado directamente”, como afirma o plagiador-mor da New York Review of Books, – sempre apostado em deformar a realidade para servir os recados que deseja enviar – mas que na altura da intervenção, os custos não podem exceder os benefícios, deitando a perder o “longo prazo” e as finalidades que a comunidade prossegue internamente. Tal descrição é triste imagem de gente que deveria ter a obrigação de interpretar um texto e um argumento (e que parte daí para falar em direitos de ingerência humanitária, imagine-se).
Um retrato bem bonito do nosso país...

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terça-feira, julho 08, 2008

Sinais Exteriores de Vazio















Num recente artigo de opinião João Carlos Espada fez a perfeita demonstração da inutilidade do pensamento dos conservadores-liberais. Para além de expressões de horror como “good lord”, tão enraizadas na tradição do bom povo português, JCE explica que a maravilha da tradição britânica consiste na manutenção de um conjunto de práticas do tempo em que a cortesia imperava e os modos eram doces.
Para além de uma visão distorcida da liberalidade vitoriana, o que o texto demonstra é a superficialidade dos elementos a preservar. O importante a preservar em Wimbledon ou em Ascot são os elementos exteriores, indumentárias e um certo ambiente nobiliárquico.
JCE não se insurge contra a indisciplina, contra a transformação de uma prática desportiva num negócio em que ganhar é o mais importante (sacrificando-se a honestidade ou a saúde, como nos casos de “doping”, aos resultados) ou contra a perda da verdade desportiva (a excelência da própria prática), uma vez que “numa sociedade livre, as coisas mudam, e ninguém pode controlá-las artificialmente.” O que preocupa JCE é a perda dos sinais exteriores de identidade, ainda que absolutamente desligados da nobreza da prática, como se um assassino de cartola e fraque fosse melhor que um esfarrapado.

Esta ideia de “gentlemanship”, absolutamente absorvida por maneirismos e códigos de conduta é uma ideia britânica e que se deve sobretudo à criação nobiliárquica da “Glorious Revolution”. Com a erosão da ideia e sociedade Cristãs em Inglaterra e a subordinação ao poder temporal do Cristianismo, a sociedade de obrigações morais e espirituais foi substituída por uma virtude de serviço à sociedade e por um código de conduta social sobreposto às virtudes do catolicismo. Esta habilidade de servir o Rei, mesmo contra os fundamentos cristãos, tornou-se bastante útil, sendo uma das principais armas para o aburguesamento da nobreza britânica que permitiu que esta permanecesse sem sobressaltos até ao século XX, embora absolutamente reduzida a um carácter de empregadora de província, de proprietária de “sweat shops” e despida do seu sentido primordial.

No fim do texto JCE dá-nos a chave para compreender a sua mensagem. Se deixarmos coexistir as tradições e o progresso, as pessoas vão escolher o que preferem. Esquece JCE que se assim for, nenhuma tradição existirá. Amanhã os tenistas irão para Wimbledon em roupa interior e, segundo JCE não haverá qualquer tipo de problema porque a população assim deseja.

É evidente que estamos a falar de Tocqueville e do problema da modernidade trazer consigo as sementes da destruição da sociedade, facto que só pode, segundo o autor francês, ser impedido por um conjunto de mitos religiosos, científicos, económicos que impeçam a dissolução dos laços comunitários. É nisso que JCE, com os seus incessantes apelos à tradição britânica e a sua incapacidade de aceitar qualquer elemento perene ou superior à vontade popular, tem falhado redondamente (Tocqueville é curto). Um cristianismo sem Fé, que serve apenas para manter a comunidade e o progresso económico é tudo menos a voz segura da perenidade a que Burke se referia.


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terça-feira, julho 01, 2008

Modern Age Nº.49


























Com quase um ano de atraso foi lançada em formato electrónico a Modern Age nº49.
Podem ver em cima a lista dos artigos e autores que, como habitualmente, é do melhor que se pode arranjar.

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Explicação Necessária














Após o lançamento do livro de Pat Buchanan “Churchill, Hitler, and "The Unnecessary War": How Britain Lost the Empire and the West Lost the World”, surgiram enormes discussões sobre Churchill e o seu papel na História. Tornou-se rapidamente o grande tópico de conversa e debate entre “as direitas” e um interessante elemento diferenciador entre as várias sensibilidades “conservadoras”.

Ainda não concluí a leitura da obra, mas o argumento não me está a impressionar, porque me parece claro que a reformulação europeia que a Alemanha Nazi queria realizar seria suficiente para, em poucas décadas, destronar a hegemonia britânica.
Para além disso o problema da Paz de Versalhes é tratado por Buchanan de um ponto de vista infelizmente esquerdista, ao defender que a Alemanha não teria outro caminho que não fosse a guerra. A análise da natureza do regime nazi é também pouco cuidada na obra, sendo que merecia alguma sustentação mais sólida. A crítica nunca vai para além de algumas frases de descontentamento ou de desprezo. Ou seja, encontramo-nos longe do melhor de Buchanan.

Existem algumas boas críticas ao livro de Buchanan. A de Lukaks (apesar do erro final), publicada na revista de Buchanan, é bem apanhada e percebe que o erro do livro consiste numa sobreposição de W. Bush a Churchill que tem demasiados borrões. A de Weatcroft, na NYRB, também percebe o mesmo e percebe-lhe os méritos e os erros (as inconsistências de Churchill e a incapacidade de prever a extensão e consequências da guerra à partida, respectivamente). Só o Jansenista é que não percebeu isso e de maneira leviana levou a sua caçada ao nazi a Pat Buchanan (nem o Prof. Espada, filho afectivo de Churchill e de um austríaco de que não me recordo o nome, caiu em tamanho disparate), utilizando frases retiradas de panfletos protestantes do século XIX como “Buchanan parece, além disso, viver num mundo de obscuridade e de ignorância”, que ilustrariam melhor um filme de “cowboys e índios”, do que uma reflexão séria sobre um livro. Não sei se o Jansenista o leu, mas já começa a parecer um menino que só sabia uma música.


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segunda-feira, junho 02, 2008

É Mesmo Agora (I)














As reacções ao meu texto anterior, são quase uma resenha dos problemas da Direita Portuguesa nos últimos vinte anos.
O Rui Albuquerque fala-nos da “ecologia direitista”. Fala bem. Retrata uma Direita que vai passando com o tempo, agarrada a elementos e memórias do passado que não são mais do que ícones e em pouco falam com os dias de hoje (ao bom jeito dos que idolatram Marx e o Che e depois disputam pelo aumento dos salários e da propriedade individual e vão gastar o soldo no “Mac” mais próximo). Se a Memória é imprescindível ao homem moral, também é fundamental que a reverência pelos antigos não seja senão um reflexo de colocar os seus princípios em prática. Não há nada mais progressista que uma memória estéril, que lembra os navegadores e abomina a memória do Ultramar, que fala dos heróis, mas não lhes procura copiar as virtudes.
O grande falhanço dessa Direita, que também é sociológica, foi a incapacidade de procurar uma fonte para a sua proposta política. A solução que achou para uma “principiologia” foi a memória da acção política de Salazar, esquecendo que este já se encontrava em conversação prudencial com o seu tempo. Retirar da acção os princípios políticos, foi o erro fundamental desta Direita, que se encontrava já incapacitada de concordar, desde o Estado Novo, em algo que fosse superior ao “carisma” do líder.
Esta é a grande barreira a ultrapassar. Nem Salazar era tão salazarista, sabendo que noutras circunstâncias a defesa dos mesmos princípios poderia conduzir a acções bem diferentes. Definir Salazar como anti-liberal ou anti-parlamentar é apenas apanhar a acção e não as motivações. A união em torno destes elementos não faz justiça ao estadista, nem permite que os que com ele partilham os princípios actuem num “ambiente hostil”, encontrando-se presos num conjunto de “políticas” e não adequando as políticas à manutenção dos princípios, como deveriam fazer.

Já quanto às festividades actuais do 28 de Maio, nada sei. Sei apenas que a juventude que o Rui refere em nada se pode considerar parte dessa Direita Portuguesa e que quando celebram a data o farão, certamente, por engano, uma vez que nessa data se celebra a continuação da aventura ultramarina, um Portugal como projecto político e espiritual, as ruínas da Civilização Cristã contra a sua total aniquilação. Quem decide fazer evocações de datas, incorporando nestas elementos fantasiosos, fá-lo por sua conta. Não é o culto das datas e dos homens que determina a sua inserção política, mas as razões para o mesmo (os hindus que prestam culto a Nossa Senhora não passam a ser cristãos, porque o fazem segundo uma crença diferente).

Quando aqui falo na Direita, não estou a falar de grupos sociais. Falo em todas as pessoas que desprezam a ideia de que a comunidade política existe para servir caprichos individuais, de que o Homem é o elemento mais elevado na determinação da acção humana e que acreditam que a liberdade individual só faz sentido quando preservada em princípios que são maiores que a vontade momentânea. Vejo-os todos os dias. No meu grupo de amigos, que persegue uma alternativa filosófica a uma sociedade sem justiça, no autocarro onde as pessoas se insurgem contra a miséria humana gerada pelos programas de auxílio à Droga, na tasquinha onde ao almoço ouço como pessoas mais velhas a lamentar a miséria dos povos de África contra a ideologia genocida dos “direitos e auto-determinações” em que a única voz ouvida foi a das armas.


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terça-feira, maio 27, 2008

Sociedade de Dúvidas e a Ideia Soberana

Compreendo este “post” do AAA. Agradeço como sempre o apreço, e sem me alongar quanto à minha capacidade de “assimilação de princípios” (que deixo à apreciação dos leitores deste blogue e aos amigos que conhecem as minhas deambulações intelectuais), gostaria apenas de mencionar o seguinte.

O cepticismo não gera liberalismo. Essa é uma das grandes falácias e erros do liberalismo que temos. Existem cépticos liberais, niilistas, positivistas, conservadores, relativistas-pragmáticos. O problema dá-se a um nível mais profundo. Quando se aceita o cepticismo tem de se escolher dois caminhos. A aceitação do nada (cepticismo-niilista) e as consequências anarquistas que daí advêm, ou uma segunda que tenta manter estruturas de Poder para possibilitar a vida humana. Desta segunda emergem vários caminhos. O positivismo e o conservadorismo cépticos, que aceitam o que está, a funcionalidade da sociedade, que resulta no pragmatismo, ou o liberalismo que aceita as certezas da razão humana (quer kantiana, quer lockeanamente), são formas de certeza e não de dúvida. O liberalismo opera no contexto das certezas da razão humana (de um tipo de racionalidade restrito) e não admite, da mesma forma discussão sobre os pontos fundamentais da sua doutrina. Se conhecerem um liberal articulado que defenda que não deva ser ensinado aos jovens o respeito pela propriedade, façam o favor de avisar.
A diferença é que as verdades do liberalismo são axiomáticas e dogmáticas (como em qualquer sistema de valores ou fundamento social), tendo apenas uma visão do Homem e da transcendência mais curtinha (basta ver os argumentos teológico-protestantes de Locke ou Kant para se ter uma ideia de como servem apenas para servir intentos humanos e não revelar coisa alguma).
O Liberalismo é uma dogmática envergonhada que substitui a Divina pela terrena.

Em segundo lugar, sem querer entrar em reflexões mais profundas sobre o Cristianismo, é evidente que sem pragmatismo não é possível que um Cristão (leiam os mais modernos “católicos”) se diga liberal. Não é possível porque ao aceitar a Razão Humana como soberana, terá de aceitar no seio da sociedade elementos que vão contra as premissas cristãs (aborto, casamentos homossexuais, homicídios consentidos) e afirmar que a sua rejeição é apenas uma questão de ponto-de-vista. A sociedade que não tem princípios ou que toma por princípios as crenças da maioria, não é uma sociedade sem Deus, mas uma sociedade em que a Razão Humana ou a Dúvida quanto a algo superior é tornada Norma. Não existe sociedade sem metafísica, de facto.
Continuo na minha. O problema não está nas liberdades ou nas margens prudenciais, mas na fonte das mesmas.

Quanto ao resto, conto com o André e com os restantes leitores para me ajudarem quanto ao meu laxismo intelectual. Quando acharem que determinada matéria não está bem tratada, façam o favor de deixar nota disso nas caixas de comentários. O que não é certo é afirmar que uma pessoa que aceita um conjunto de posições religiosas não tem dúvidas. Tem-nas apenas a outro nível.

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sexta-feira, maio 16, 2008

Lomba Confusa







Depois de Seguro, a Lomba. O calibre dos nossos articulistas “de referência” resplandece. Figura de proa do nosso articulismo e bloguismo, Pedro Lomba demonstra que percebe da poda. Diz-se liberal-conservador, e brinda-nos com esta pérola

“Um liberal-conservador está sempre a vigiar a temperatura das suas convicções. Se o termómetro dispara para cima ou para baixo ele age logo com medidas temperadoras. Como liberal preza a independência pessoal contra todas as formas de sujeição, servilismo e pobreza. Como conservador reconhece que a independência absoluta é um projecto impossível e que há um módico de autoridade e hierarquia que temos de aceitar. Como liberal é individualista e pelo mercado. Como conservador reconhece que os indivíduos vivem melhor em comunidades socialmente coesas e organizadas. Como liberal é optimista. Como conservador é pessimista sobre o seu optimismo. Como liberal aprecia a cultura de massas. Como conservador não diz que é arte qualquer saloiice. Como liberal acredita. Como conservador desconfia. O liberal-conservador não rejeita a existência de contradições. O que tenta é um equilíbrio difícil entre si e os outros.”

Lomba acha que os conservadores não defendem a autonomia individual, mas acha que a autonomia é um sonho impossível. Sim, e depois? Será que isso tem alguma coisa a ver com conservadorismo, ou apenas com uma forma de liberalismo que é “realista” e não-economicista?
A boçalidade da primeira ideia é desmentida por séculos de história, sabendo que a própria existência da autonomia individual provém do pensamento cristão que os conservadores defendem. A da segunda proclamação revela que Lomba está confuso e acha que um sonho impossível é uma finalidade legítima da comunidade política.

Depois acha que o liberal aprecia a cultura de massas, mas como conservador defende o gosto a título privado. Ou seja, o conservador ou é um inconsequente, que acha que as suas posições são tão boas como qualquer outra e que a estética é uma coisa desligada de uma concepção de bem, ou então é um esquizofrénico que acha uma coisa e o seu contrário.

Quando o Lomba descreve o seu liberalismo como crença e o seu conservadorismo como cepticismo, o esquema é finalmente revelado. Acredita no liberalismo, mas tem dúvidas quanto ao liberalismo, porque é céptico. Infelizmente aqui não permanece, outra vez, menor resquício do pensamento conservador, porque essa posição conservadora não é autónoma. É apenas uma dúvida prudencial quanto à aplicabilidade prática do esquema mental liberal que o PL professa.
Porque é que se representam as dúvidas ao liberalismo-filosófico como sendo conservadoras, sendo que estas são dúvidas que emergem da mesma fórmula mental que o liberalismo? Nem quero imaginar que seja porque os liberais andam à caça de apoios...
E, já agoram, por que não poderia ser o inverso? Do seu conservadorismo vir a crença (numa ordem natural das coisas, numa Justiça, numa ontologia...) e do liberalismo a dúvida?
Dizem que leram Tocqueville...

Falta, no meio de todas estas declarações de intenções moderadas, determinar o “porquê?” . Sobre isso, infelizmente, nem uma palavra. Um conjunto de confusões e expressões identitárias sem nenhuma articulação que não seja a vontade do freguês. Uma total ausência de substância a lembrar este senhor. O conservadorismo tratado como se se identificasse com a filosofia humeana.

É a sociologia, estúpido!

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sexta-feira, maio 09, 2008

O Idílio Conservador Britânico





















Os Conservadores que reportam à moderação como elemento mais elevado são tão utópicos como os esquerdistas. Inventaram um país que nunca existiu e que lhes serve de referência, suposto exemplo de como a modernidade pode funcionar com obediência política e liberdade, com tradição e democracia.
A Inglaterra Imperial seria uma nação de chá, brandy e charutos, onde os mais aptos cuidariam dos menos aptos, onde alguma liberalidade moral democrática existiria, onde o povo escolheria os seus representantes, onde a paz social imperaria num clima de tolerância. Esse país, infelizmente, nunca existiu.

Ao contrário do que certa historiografia pretende fazer crer, o momento fundador da monarquia britânica moderna não é a Glourious Revolution, mas um momento bastante mais sinistro. Quando em 1661 o corpo de Oliver Cromwell foi exumado e sujeito a uma execução póstuma, o seu cadáver exposto e a sua cabeça colocada num espeto na Abadia de Westminster, o problema já era bastante evidente. O “político” havia decidido aplicar uma justiça que se diferenciava pelo facto de condenar mortos, de lhes querer tomar a alma, sobrepondo-se à justiça divina que opera nesses casos. O Terror foi um elemento fundador da paz social que se viria a registar nos séculos seguintes e não qualquer espírito de tolerância por parte dos ingleses.

Do espírito de tolerância inglês há que relembrar o reinado de Jaime II. Este Rei elaborou uma lei de tolerância religiosa que assegurava a liberdade de consciência, a Declaration of Indulgence, que em 1687 permitia que todos os ingleses escolhessem a sua religião segundo os seus desejos. Jaime II, o último católico coroado por aquelas partes, terminou também com o monopólio anglicano no ensino, deixando que (pasme-se) alguns católicos ensinassem e aprendessem em Oxford. É claro que o tolerante povo britânico não podia deixar que isto acontecesse e tratou de resolver esta situação através de uma Revolução Gloriosa, que voltou a trazer o monopólio anglicano. Em 1780, quando foram elaboradas leis para minorar (e não eliminar) as discrepâncias entre protestantes e católicos, e no meio de um clima de grande paz social, o bom povo de Londres resolveu queimar Igrejas e casas de católicos, atacar deputados e destruir meia cidade. O doce sabor da tolerância e do cavalheirismo...

Talvez um dos aspectos mais gloriosos dessa Revolução tenha sido a formação de um monopólio anglicano para tudo nas Ilhas Britânicas. Para quase todas as actividades laborais, excepto as menos lucrativas, havia restrições para não anglicanos. Fala-se muito da perseguição aos comunistas no Estado Novo, mas esquece-se que até ao fim do século XIX, no Reino Unido, era preciso jurar fidelidade às instituições para se poder ter um qualquer cargo público (mesmo que menor).
Na Irlanda, a posse da terra e os trabalhos intelectuais, pelos católicos era proibida. Para tudo era preciso um "testa-de-ferro" protestante, que se fazia pagar pela sua disponibilidade. Três quartos da população suportava os protestantes, que não trabalhavam em virtude da sua religião.

Um Estado Confessional não é novidade, mas um Estado em que o Parlamento elabora decisões eclesiásticas está muito perto da loucura totalitária do século XX.
O facto dos crimes de sedição serem punidos com a pena de morte, também deveria pôr muita gente a pensar sobre que paz era e de que forma havia sido obtida.
Um sistema político de representação em que os lugares eram vendidos ao candidato disposto a pagar mais...

A doce e livre Inglaterra!!!

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quarta-feira, abril 30, 2008

O Alcance de Hayek














É muito interessante ler o que o RA aqui escreve. O liberalismo fundar-se-ia nas tradições e não subsistiria sem um paradigma moral. Acho muito bem, mas será que se poderá chamar a isso liberalismo? Imagine-se que as tradições de um povo mandavam fazer uma redistribuição de riqueza em casos pontuais (como faz o Cristianismo). O que prevalecerá, a Propriedade ou a Tradição? Se o liberalismo está desligado do papel preponderante da Vontade e se se funda apenas numa forma mais eficaz de gestão da coisa pública dentro de um paradigma tradicional, falta saber porque é que andámos dois séculos em conflito entre o Liberalismo e a Tradição…

Mais importante, quando o RA afirma que o liberalismo se funda na tradição evolucionista cria um problema que torna impossível qualquer liberalismo, ao criar um critério de evolução da moral que terá de ser foco da reflexão da comunidade. Há duas hipóteses para isto. Ou critério para o progresso da tradição é a sua aproximação à Verdade (o que obriga a uma submissão a princípios externos à população e até à própria comunidade política), ou então essa evolução tem como único critério a prática da população (o que permite, em caso de concordância da maioria, comer o vizinho ou proceder à eutanásia). A sociedade tem de escolher…
Fica-se sem saber como se pode numa sociedade liberal, escolher uma concepção moral que esteja acima da comunidade e não seja meramente funcionalista.

Se a sociedade humana resulta de uma selecção espontânea de procedimentos convenientes à espécie, conviria perceber porque razão é que seres humanos resolveram legitimar práticas como o homicídio ritual, o incesto religioso dos líderes, o canibalismo. Que ponto de vista pode legitimar a rejeição de tais práticas, frutos claros da ordem espontânea?
O RA arranja uma boa solução: a desumanização dos canibais, já utilizada com tão bons resultados contra judeus e inimigos do povo no século passado, não vale. O que valia a pena era explicar qual o critério para determinar a humanidade de alguém e se o liberalismo está apto a elaborar reflexões sobre esses temas. E no caso do pensamento liberal ser incapaz de se pronunciar sobre essas matérias, resta saber porque razão uma reflexão de curto alcance se arrogou a elemento constitutivo da sociedade.

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quinta-feira, março 13, 2008

Um Reflexo de um Estúpido Século










Só numa sociedade em plena decadência um pensador como Raymond Aron pode ser tido como uma sumidade nos domínios do pensamento político. Com Oakeshott, Aron é possivelmente uma das pessoas que mais contribuiu para o confusionismo da “direita” europeia. Defensor de um “moderantismo” que apenas escondia um vazio utilitário e um pragmatismo elevado ao estatuto de religião, Aron lá foi conquistando através de uma independência farisaica um lugar no panteão do conservadorismo desvairado pelo fim dos grandes sistemas de pensamento.
Ao contrário dos grandes pensadores que lutaram para destronar a hegemonia dos erros do século XX, Aron conseguiu o milagre de pactuar com todos eles e, ainda assim, conseguir cativar toda uma geração que ainda hoje se considera imune ao esquerdismo do seu tempo. Onde autores como Strauss, Voegelin, ou mesmo Arendt, compreenderam os erros do positivismo e tentaram construir uma nova compreensão do mundo, uma nova ciência, Aron deixou-se levar por toda a mentira da inexactidão das ciências sociais (como se houvesse alguma exactidão nas ciências naturais) e pela incapacidade de demonstração da verdade nas ciências sociais (como se nas naturais alguma vez tal fosse possível), para reduzir o pensamento político ao domínio da prudência e da instrumentalidade.
Ao condenar o “excesso de inteligência metafísica” dos autores da esquerda, pactuou com eles. O problema não era estarem errados, mas andarem a pensar em sistemas metafísicos que colocavam em perigo a existência da “situação”. As implicações deste limite são fundamentais, como será visto.
Toda a forma mental de Aron está povoada com as dicotomias fantasiosas de esquerda. O progresso e toda a sua dialética, a identificação da Justiça com a Igualdade, não são apenas marcas desse esquerdismo, mas aceitação de uma metafísica que se confronta com o mundo e que se impõe à realidade. Aron foi um pensador ideológico, mas reprimiu as suas tentações metafísicas em submissão aos seus desejos mundanos. Esse era, aliás, o único critério da limitação da inteligência. Manter o regime político e evitar a guerra civil (os fins elevados de todos os tiranos), faziam parte da sua “religião política” de manutenção do “status quo”, religião essa que justificaria até o cercear da inteligência (em vez de cercear o erro). A visão ridícula da posição do filósofo nesta situação é o dever da verdade, mas da verdade que consiste em evitar o conflito insanável, o que nos reconduz a uma impossibilidade de analisar a natureza do regime. A insistência de Aron em que a primeira das virtudes políticas é “não julgar” faz parte dessa religião da abertura que impossibilita toda o pensamento sobre a justiça e coloca os homens de mãos atadas perante a sua sociedade, tonrnando-se seus escravos. Para não ter de responder a questões sobre a amoralidade e os perigos da sua posição (a negociação ou aceitação do nazismo e do comunismo como posições lícitas), Aron apoiou-se no critério utilitarista para aferir a validade dos regimes. Ao aceitar o sofrimento humano como termómetro dos regimes, Aron entregou-se nas suas mãos, sujeitando-se às críticas evidentes (o que é o sofrimento? se não é algo físico, porque é que não se estabelece a sua estrutura como critério para definir o mal?). O utilitarismo, como qualquer “conversation-stopper” ideológico, levanta perguntas que o reputado cepticismo de Aron é incapaz de responder.
Até como pensador do liberalismo, Aron é pobre guia. Achando-se no meio das dicotomias do seu tempo e sem um enquadramento para pensar a realidade, o autor francês achou que o liberalismo era uma solução média entre a Anarquia (ausência de ordem) e o Fascismo (a ordem total), um raciocínio que demonstra uma clara ausência do conceito de ordem e da estrutura liberal, fundamentado por um conjunto de preceito e não resultado de uma prudência negociada. Não compreender o liberalismo como elemento de ordem específico é, não apenas uma distorção da realidade operada pela sua ideologia da moderação entre as propostas do seu tempo, é uma via média entre nada e coisa nenhuma. Quando a vontade afecta o discernimento...
Aron era prudente, mas tomava as finalidades do homem, ao bom estilo maquiavélico, como elementos insondáveis. Transformou o seu cepticismo (uma posição insustentável) em utilitarismo, escondendo uma posição hedonista sob o manto de uma “decência” nada analisável.
Nada mal para quem é tomado por conservador e inimigo das ideologias.


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sexta-feira, março 07, 2008

William F. Buckley Jr.














Não sabia da morte de William F. Buckley Jr. até ao leitor Josephus me encomendar este postal. Sendo sincero, não é personagem que muito aprecie. Bill Buckley foi uma personagem central do movimento conservador americano de meados do século XX. Foi Buckley quem deu o tiro de partida e quem sustentou através do seu carisma, a criação de um movimento social que englobava diferentes visões da América.Foi ele quem deu uma “sapatada” no consenso “liberal” das universidades com o seu “God and Man at Yale”. Foi ele quem determinou os limites do aceitável e as fronteiras do conservadorismo institucionalizado que lutaria pelo poder. Há muito para aprender com Buckley quanto à capacidade organizativa e à criação de um movimento a partir de quase nada.
Mas há mais a perceber nos seus falhanços. A arbitrariedade da escolha dos aliados políticos englobados no movimento conservador da National Review revela todos os erros do maquiavelismo. Os anti-comunistas que vinham do “radicalismo de esquerda” e que viriam a constituir o círculo neo-conservador, nada tinham em comum com os libertários e liberais clássicos que haviam sido fundidos com os conservadores no “consenso fundacional” – o mito de que tanto os liberais como os conservadores iriam beber a sua inspiração ao momento fundacional americano – do fusionismo de Meyer. A única coisa que sobrou como um elemento unificador desses movimentos foi um conjunto de princípios espúrios à tradição conservadora e à liberal e que resultariam numa posição de “America First” que conduziu à tragédia do Partido Republicano na Presidência de George W. Bush e ao seu “imperialismo democrático”, oposto a qualquer posição conservadora e a qualquer visão ligada ao elemento fundador.
Hoje, quando se anuncia um comentador conservador na imprensa, nunca se sabe se é alguém com uma visão moral fundada num elemento transcendente, se é um liberal clássico ou um pragmatista, ou se é apenas um maluco que acha que os Estados Unidos podem e devem fazer no mundo aquilo que bem lhes apetece porque receberam “a calling from beyond the stars”. Isso nunca teria acontecido se Buckley não tivesse preferido um projecto de poder a uma missão para os problemas da América e se não tivesse tranformado a cruzada contra o comunismo a único elemento da frente “conservadora”. Caiu o Muro, ficaram a mandar os macacos.
Apesar de católico do rito tradicional e de ser um comentador e político astuto, não o podemos ilibar dessa falta gravíssima.


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quarta-feira, fevereiro 27, 2008

Esta Gente Vai Longe...








Ao ler o blogue da Ala Liberal, deparei-me com a notável reflexão de Michael Seufert sobre o Conservadorismo. Depois de confessar que não percebe nada do que é o Conservadorismo, Seufert lá acaba por admitir que é viver segundo padrões que não pode compreender. É um notável progresso analítico. O Conservadorismo é o reduto do inexplicável, do “é por que sim”, do palpite insondável.
Seufert não quer a imposição de certos modelos de família pelo Estado, mas é contra a adopção por casais homossexuais. A razão para isto? O Conservadorismo. Mas sempre sem usar o Estado para impôr valores e sem incorrer no problema de explicar porque é que algo deve ser de certa forma. Fica fora da esfera de compreensão de Seufert o facto de uma proibição ser uma imposição estatal...
Mas para quê massacrar o rapaz com pensamentos tão profundos?

Por fim ficamos a saber que ser Conservador é também “querer constituir uma família tradicional”, o que nos remete para um elemento bem bonito da reflexão seufertiana. Ser Conservador é ser Heterossexual. Boa, pá!
A reflexão política está em boas mãos na Ala Liberal. O CDS pode dormir descansado que a sucessão está assegurada, segundo os bons auspícios desse génio e exemplo que é António Pires de Lima.

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sexta-feira, dezembro 07, 2007

Constituições e a Paz Regicida











Caro Rui,

Não esperava tanta acidez. Então no que toca a mandar-me fazer leituras (de Hayek e Popper) parece-me de uma soberba desproporcionada. Até parece que são alguns autores exóticos...
Logo a mim que tanto gostei do "post" sobre a forma como na blogosfera ninguém consegue discutir sem recorrer ao insulto a a argumentações insultuosas... Adiante.

Devo dizer-lhe que fiquei abismado com as suas respostas. Se acha que é curta a ligação entre Burke, deMaistre e Maurras, bem como Haller, Muller ou António Sardinha, não posso fazer nada. É claro que não vou responder na mesma moeda, recomendando leituras de Sternhell, Pappin, Stanlis ou qualquer dos que não embarcam no Burke "maquiavélico-de-trazer-por-casa" da tradição "whig" e que nunca conseguiram explicar porque é que Burke via na Revolução Francesa "o mal encarnado".

Quanto à ideologia e a Oakeshott a questão é de uma simplicidade atroz. Afirmar que uma sociedade deve ser democrática e encontrar nisso elemento de inclusão ou exclusão de um argumento é ideológico e o predeterminar da discussão a uma finalidade, o que corresponde, precisamente ao erro do racionalismo e dos apriorismos que são denunciados no "Rationalism in Politics" e no “Politics of Faith, Politics of Skepticism” (e, para além disso, refutados em todo a obra de Burke, mas isso fica para outra ocasião).
O que não é de forma nenhuma aceitável é que o Rui apresente como justificação para a teoria de Oakeshott as teorias de Hayek e Popper.

Quanto à questão do constitucionalismo, é também muito claro que a concepção de Constituição de Burke e Oakeshott é claramente oposta à concepção moderna. Tanto Oakeshott como Burke defendem Constituições não escritas, seguindo o conselho de Aristóteles, que se consubstanciou na tradição britânica. Burke critica toda a Constituição que tenha de ser aprovada, pelo simples facto de que isto implicaria que a sociedade poderia existir sem os seus princípios essenciais. Uma sociedade que escolhe os seus princípios segundo a sua vontade é uma sociedade que não tem liberdade, porque tem a possibilidade de escolher a servidão. Ao escolher a Vontade como seu fundamento, ao invés de princípios imutáveis, abre-se a porta a outras vontades, nomeadamente a Vontade de possuir a propriedade dos outros, constitutiva do Socialismo. Não perceber isto na obra de Burke, é não compreender o interesse da obra de Burke, tanto para liberais (compreender os limites do liberalismo) como para conservadores (compreendendo o lugar dos princípios na estrutura da sociedade). Esta questão não se verifica apenas nos escritos sobre a Revolução Francesa de Burke, mas ao longo de todos os escritos sobre a Índia, Irlanda e América. E é nítido que a posição Constitucional de Burke é mais aproximada da do miguelismo não apenas por esse facto, mas porque, para além disso, consagra o lugar da Religião como elemento essencial da Constituição, consagra o Fundamento Moral da Comunidade.

Quanto a Oakeshott a proximidade entre a concepção de Constituição do miguelismo ainda é mais próxima, mas por razões diferentes. Em Oakeshott qualquer Constituição elaborada com um propósito, seja ele democrático, liberal ou outro, é uma excrescência, porque só pode emergir ordem através das interacções das várias partes da sociedade, como foi observado anteriormente. Só uma constituição “crescida” e não “criada” pode ser oakeshottiana, porque só esta ordenação pode ser, de facto “política” (ser um processo de negociação espontânea e não orientada) e é também por isso que uma constituição nunca pode ser analisada (da mesma forma que na teoria hayekiana o mercado nunca pode ser compreendido, por não ter um desígnio e ser uma ordem espontânea).

Lamento que o RA não tenha percebido o que eu escrevi sobre a Constituição. Mas também não vale a pena ofender e mandar alguém para sítio tão feio (o 1º ano de Direito!!!). Estranho apenas a forma como o RA parece imputar aos miguelistas a inexistência de uma Constituição, quase tanto como o desconhecimento de que os burkeanos portugueses da época se encontrarem ao lado da causa de D. Miguel.

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quinta-feira, dezembro 06, 2007

Uma Ideologia Conservadora?














O liberalismo português não está a mudar. Sempre foi assim. Os liberais portugueses, em virtude do seu catolicismo residual, sempre souberam que o liberalismo ou se fundamenta em algo mais profundo, ou ruma ao socialismo e jacobinismo mais profundos. O apelo do Rui Albuquerque aos conservadores e ao renascimento de uma nova (velha de várias décadas) fundamentação do liberalismo é apenas mais um episódio dessa tentativa ideológica de secar o terreno político e epistémico do pensamento à direita, em favor dos liberais.
A base é a já batida ideia de que o problema dos conservadores é não se terem modernizado. Para esse peditório juntam-se um conjunto de argumentos que, além de não serem verdadeiros, levantam um conjunto de problemas que são interessantes de analisar.
Basta ver as leituras imputadas aos conservadores portugueses para nos apercebermos do núcleo do problema. O RA não gosta das leituras de Maurras e de Maistre, mas acha que Burke e Oakeshott são leituras sadias. Descontando o facto de os primeiros autores se terem referido a Burke como “o pai de todas as nossas convicções” e o “único homem com clarividência para compreender a Revolução”, respectivamente, seria interessante saber porque razão Oakeshott e Burke são leituras mais sadias. Eu não sei, mas arrisco... Calculo que o RA considere que estas influências sejam perniciosas, mas mais interessante é saber porque é que assim o são. Ou seja, o RA acha mal que estas sejam fontes do conservadorismo, pelas razões aduzidas no início do texto, isto é, porque não são democráticas e liberais. Ora, se esta não é uma premissa ideológica (escolher o liberalismo e a democracia e depois escolher o que se deseja) não sei o que o será! Tudo certo até aqui, podem dizer os mais incautos, o RA pode ser ideológico, mas mesmo assim é um defensor do conservadorismo de Burke e Oakeshott. Tal ideia está completamente errada, infelizmente. Se há legado que Oakeshott deixou no conservadorismo, foi a oposição a este conjunto de elementos arbitrários e insondáveis aceites pelo Homem, como a ideologia ou a “boa nova” democrática. Para Oakeshott a democracia era o que era (uma forma hobbesiana de resolução de problemas de forma pacífica), mas nunca seria um ponto de partida ou uma finalidade da sociedade.
O ponto torna-se mais grave ainda com a afirmação de que os Miguelistas seriam opostos a uma constituição, quando na verdade estes defendiam uma concepção constitucional semelhante à de Burke e Oakeshott, a de que ninguém têm o direito de impôr uma Constituição. A Constituição, como as premissas da sociedade (em Oakeshott) não são analisáveis. São, simplesmente.
Não se percebe muito bem como se pode fazer a apologia do liberalismo ideológico-democrático e do Constitucionalismo Liberal a partir do seu maior opositor, da pessoa que defendeu que a liberdade só existe em sociedades em que o Povo não tem capacidade para definir os princípios da sua organização, ou como se pode fazer do autor de “Rationalism in Politics” um democrata ideológico.
A imagem que me vem à cabeça é a dos deputados católicos do liberalismo monárquico a fazerem vénias ao busto de Bentham...

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