quarta-feira, setembro 30, 2009

Uma Resposta Completa

Perguntaram-me algumas vezes qual a razão por que ainda não falei aqui do Portugal Pró-Vida. A resposta é simples e recorrente aqui no blogue. Por acreditar que só uma resposta completa pode ter algum efeito razoável na sociedade actual. É claro que louvo um partido que se apoia na Doutrina Social Cristã, que defende o carácter Natural da Vida (o seu carácter de criatura), que defende que as instituições civis não podem senão ser explicações civis e prudentes de realidades que em tudo transcendem a política e que a esta não compete subverter.
Todos esses combates são fundamentais, assim como proceder a uma recolha do Estado às suas funções naturais, a destruição da política da inveja, a construção de alternativas da sociedade ao monopólio estatal. Mas tanto estas medidas liberais como as medidas da DSI não podem frutificar sem uma Fonte. E enquanto a fonte estiver oculta, enquanto esta não for considerada como elemento essencial, todo o tipo de interpretações são possíveis. Imagine-se que se tornaria possível um reconhecimento constitucional da Vida Humana da concepção até ao seu termo. De que serviria isso quando o Tribunal Constitucional decidisse (como o fez) interpretar, sem qualquer fundamentação que não uma pseudo-interpretação materialista, esse valor como algo que varia de valor consoante a fase em que encontra? A verdade é que sem essa Fonte, a interpretação de um Valor é absolutamente arbitrária. E sem referência à perspectiva Cristã, quando falamos em Vida podemos estar a referir-nos a um mero processo físico e à sua manutenção, a consciência ou a uma mera convenção sobre o que é ser humano. Sem essa Fonte todas as interpretações são lícitas e de igual valia.
As respostas parciais são, tanto a liberal como essa construção Cristã onde se esconde um direito subjectivo à Vida, insuficientes, por esconderem que a questão central de uma sociedade justa se prende com a constitucionalização do Justo. Algo que é absolutamente incompatível com alterações a uma Constituição desenhada para o materalismo e a arbitrariedade mais desbragada.

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segunda-feira, setembro 28, 2009

Confusão de Vontades

Há um comentário sistemático por parte de Vitorino, Marcelo, Portas e Sócrates que retrata o resultado das eleições como uma expressão dos Portugueses ou do Povo. Dizem que os portugueses escolheram dar maioria a um, não dar a outro, não dar poder à esquerda e dar à direita. Trata-se de algo ridículo, um pensamento herdado de tempos em que o constitucionalismo pretendia ser uma voz da Nação e em que esta se sobrepunha à posse individual da comunidade. Num sistema onde o indivíduo é soberano e onde o voto é único (não existe, como noutro tipo de eleições, um número de votos ao dispôr do eleitor para distribuir pelas várias forças), afirmar que os portugueses não quiseram dar maioria ao PS, que quiseram dar a Portas um lugar activo na política, que penalizaram Manuela Ferreira Leite, é algo absolutamente abusivo e incompreensível. A única interpretação que se pode fazer é que x pessoas estiveram dispostas a ceder o seu voto ao partido y. Quando os votantes das legislativas anteriores votaram no PS, provavelmente apenas uma pequena percentagem pretendia que esse partido tivesse uma maioria absoluta. E as interpretações generalizadas foram de que os portugueses tinham pretendido dar uma maioria ao PS, como se houvesse uma inteligência ou uma vontade superior num conjunto de resultados desconexos. Como se num acto de delegação generalizada de poderes individuais houvesse um desejo da comunidade em criar uma maioria. Isso é uma simples manipulação, uma tentativa de encantamento da democracia através da criação de conceitos míticos herdados de tempos em que as opções eleitorais eram mais do que expressões de preferência individual.

quarta-feira, setembro 23, 2009

À Mesa do 25

Diz-se muito por aí que não existe Direita em Portugal. É uma verdade inegável, mas falta esclarecer o que seria necessário para termos verdadeira Direita. Em Portugal temos um partido não-socialista, um partido popular, um partido monárquico que quer ajudar a República, um partido nacionalista que aceita todo o sistema de garantias do 25 do A.
É claro que todos falam de Valores. O PSD fala de direitos consagrados por Abril e numa nova forma de os conseguir. O CDS de um conjunto de valores liberais com a mesma veemência de quando eram democratas-cristãos. O PPM dos valores da República. O PNR de direitos para os portugueses.
O que nenhum partido da “Direita” faz, infelizmente, é expor um conjunto de valores perfeitamente articulados. Por mais estúpidos que estes fossem, poderiam ser discutidos e analisados, fariam história e ficariam como uma proposta. Assim, ficamos pelos aumentos dos pensionistas, pelo preço do leite, pela garantia de trabalho, na habitual carta ao Pai Natal alusiva a esta época.
Quando os pretendentes a doutrinadores e spin doctors do rumo da Direita Portuguesa se juntarem para discutir a próxima crise da dita, seria interessante que, em vez de atirarem ideias absolutamente avulsas ou de apenas pretenderem ecoar os interesses que os sustêm (o funcionário público, a PME, a Lavoura, meia dúzia de titulados com atrasos mentais diagnosticados e certificados, o desempregado de trabalho não-qualificado), pensassem em elaborar um catálogo de princípios que sirvam de lente para a compreensão da vida comum deste povo.
Tantos anos a servir acéfalamente o modelo ocidental de democracia e os nossos letrados ainda não conseguiram perceber que a parte essencial desse mesmo modelo sempre foi que este nunca foi uma finalidade. São pobres servos estes que tratam a democracia como algo passível de ser desligado de um conjunto de valores, que tomam a democracia como o sistema em que cada um é dono do seu próprio voto, que acreditam que uma constituição pode ser algo menos que o verdadeiro sentimento e estrutura moral de uma comunidade.
Enquanto não houver uma discussão séria de propostas de sociedade, algo que só poderá advir de uma discussão séria das condições da democracia sob o leito das condições valorativas da comunidade, não só continuaremos a viver uma justiça de mentira, como não haverá Direita. É altura dos que rebolam ao som da palavra “América”, começarem a pensar nessa cultura constitucional onde a Democracia foi sempre um reflexo de uma concepção própria de liberdade, ou aceitarem o seu atlântico esquerdismo.

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quarta-feira, setembro 16, 2009

Mais Um Erro do Candidato de Plástico

José Sócrates continua apostado em tornar Manuela Ferreira Leite mais bela aos meus olhos. Os socialistas repetem sempre os mesmos chavões quando a ela se referem: “a outra senhora”, “autoritarismo”, “arrogância”. Agora juntam-lhe novos: “orgulhosamente sós”, “patriotismo serôdio”, “casamento com finalidades reprodutivas”, “coisas que não se viam há mais de trinta anos”, “conservadorismo inaceitável na Europa Moderna”.
Não conhecesse eu a natureza do PSD e poder-me-ia enganar.
O pior é que o candidato socialista (um cordeiro que nada tem a ver com o lobo profissional da política que nos tem governado...) acha que a despromove com essa ideia de que ela é um avatar de Salazar. Não despromove e gente mais crédula pode até acreditar nessa mentira.

segunda-feira, setembro 07, 2009

A Crise do Republicanismo

No seguimento do que escrevi para o Samuel, o Prof. Maltez acrescentou alguns pontos, não formulados em questões, mas que lançam a discussão para uma maior profundidade e para uma maior “resolução” (termo emprestado aos manuais de operação de televisores) do problema.
Das muitas portas que se abriram, selecciono (por ora) uma: a questão da acomodação da religião na Revolução e no pensamento moderno.

Há uns tempos, preparando mais um trabalho com saída garantida para as calendas gregas, andei a investigar as constituições europeias e a forma como estas se revestiam de diversos simbolismos religiosos. No meio de constituições fervorosamente laicas (de que a França é exemplo mais acabado), existem outras perigosamente religiosas (onde o político e o religioso são coincidentes ou a religioso é mero pretexto) e outras que nominalmente encontram um caminho aceitável para uma Justiça que transcende o político-jurídico. O que não consegui mesmo encontrar, e talvez por isso a Europa esteja mais unida do que se pensa (da Irlanda à Grécia), foi qualquer argumento extrínseco à política no seio da máquina política. Apesar da maioria das constituições europeias consagrarem uma fé como a principal do seu povo, essa fé (ou mesmo qualquer diálogo que a mesma possui com outras formas de pensar) torna-se irrelevante no contexto da definição da Justiça. Qualquer argumento que se esgrima no contexto do certo ou errado, do verdadeiro ou falso, é inapelavelmente traduzido no contexto político para uma linguagem subjectivista (como se fosse mero produto num mercado neutro) ou para uma forma onde se encontra desligada da sua formulação completa. Esta formulação é a evidente explicação do surgimento de neo-liberalismos (liberalismo sem jusnaturalismo), neoconservadorismos (reacção sem justificação transcendente ou extra-subjectiva), o renascer dos socialismos utópicos e o “engavetamento” de Marx… Mais grave, afirmar que o Povo assim quis, ou que a democracia assim decidiu, é um ponto final em qualquer discussão política, seja para um cidadão, para um governante ou para um juiz.
Em suma, a referência religiosa esconde uma vergonhosa ausência de referências fora da política, uma total arbitrariedade do poder e a incapacidade deste de aceitar qualquer lugar numa ordenação que não seja o de criador.

O meu problema com esta situação não é, correndo o risco de me repetir, a acomodação da religião no pensamento moderno (tem um papel subordinado, mas garantido), mas a total incapacidade do pensamento moderno para acomodar uma qualquer ordenação de justiça que não seja a vontade do legislador. É por isso que na Democracia nada há de Republicano e é, também, por essa razão que tanto os Estados Unidos da América como a República Federativa do Brasil, se transformaram no que assistimos no presente: sistemas em que a única substância pública é o carácter eminentemente privado da titularidade do Poder. Quem ousa dizer hoje nos EUA que a democracia ou o soberano popular não tem legitimidade para subverter os princípios que fundaram a América e que constituem o centro da sua própria concepção de justiça?
Sobre o Brasil e a sua transformação em Estado Socialista de assistentes sociais, experiências piloto, pleno de micro-religiosidades que em nada se distinguem da bruxaria (incapazes de qualquer finalidade que não seja a auto-satisfação individual e a auto-ajuda), a própria ideia de um povo que tudo aceita em troca de um pedaço de pão e de um subsídio, mostra bem quão longe estamos do republicano ponto-de-partida.

Tudo isto não é mais do que o grave falhanço do republicanismo moderno, onde de todas as construções políticas (espirituais) que esta incluía, só sobreviveu o carácter popular da soberania, depois da erosão das constituições, das instituições sociais e da transformação da religião em matéria privada.

terça-feira, setembro 01, 2009

Conservadorismo de Estado Neutro?

No seguimento de uma interessante discussão entre o Afonso e o Samuel surgiu da parte deste último a ideia de que existe uma possibilidade de separação entre a religião e a política e de que esta é uma posição liberal-conservadora.
Já aqui escrevi largamente sobre estes três erros, a propósito de alguns escritos do Rui A. e não pretendia chover nesse assunto, mas agora que se procura o Novo Rumo, parece-me ser indispensável que não se recaia em falsos lugares-comuns e confusões que aceitam as dicotomias intelectuais perpetuadoras da hegemonia esquerdista.

Primeiro que tudo, a total impossibilidade de separação entre as esferas política e religiosa ou metafísica, é algo de perfeitamente evidente e talvez uma das poucas constantes observáveis para alguém que conheça algo sobre a Humanidade. Ao contrário do que supõe o Samuel, ao liberalismo nada pode ser imputado no sentido de separação da esfera política e religiosa. Todas as grandes revoluções e golpes liberais foram revoluções metafísicas, a imposição de perspectivas protestantes ou maçónicas ao todo da sociedade que constitui a construção política. A própria ideia de que a comunidade política não se deve submeter a uma concepção de Bem (que o Samuel parece aceitar como axioma, vindo sabe-se lá de onde) é uma ideia política luterana e que seria impossível em qualquer contexto religioso não-protestante. A própria virtude da Tolerância que os liberais transformaram em religião de Estado é um subproduto dessa autonomização do político face ao Bem e da identificação da norma política com o Bem. Sobre isso não parece haver muitas dúvidas, caindo assim por terra a afirmação de que o liberalismo é uma ideia independente da religião. Todos os conceitos políticos liberais são reflexos protestantes, mesmo que apresentados como dogmas ou axiomas ideológicos ou realidades inelutáveis do nosso tempo.

Em segundo, aceitar a independência da esfera política em relação às posições metafísicas torna qualquer apelo àquilo que é justo uma afirmação jurídica e não uma afirmação de “dever ser”. Isto significa que se cria uma total impossibilidade de discutir os princípios normativos e que a lei se torna inamovível. Esta fórmula positivista é um dos grandes legados do esquerdismo de ontem e hoje e cria, quando não o Estado Omnipotente, um Estado descrito por Kafka n’O Processo, totalmente incompreensível, por ser um reflexo de vontades que não são articuláveis com princípios ou verdade. A inocência ou culpa, a razão ou o erro, passam a ser determinadas pelo interesse do Estado ou dos que o tutelam e não pela verdade (a independência das partes de que falava Platão) que deve guiar a conduta humana.
A obtenção desse Estado em que não existe Justiça é o sonho soviético e dos pós-modernos, o que, diga-se, é fraca inspiração para qualquer rumo.

Sobre a terceira questão é preciso dizer ainda menos. Quem alega a independência da política face ao fenómeno religioso, como legado liberal, tem de demonstrar de que forma esta é compatível com a tradição conservadora-liberal (presumindo que a mesma existe, o que não é de todo evidente). O mais interessante de tudo isto é que se fizermos uma análise aos grandes pensadores do conservadorismo britânico (Burke, Disraeli, Salisbury) até à II Guerra, nada encontramos neles que afirme algo semelhante ao que é alegado pelo Samuel. Afirmar que se é tradicionalista “anglo-saxónico” e que se prefere um Estado laico é o mesmo que um comunista que adora a economia de mercado. Haveria alguma possibilidade de haver conservadorismo britânico num Estado Laico?
Essa é que não passa mesmo pela cabeça de ninguém…

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