terça-feira, setembro 01, 2009

Conservadorismo de Estado Neutro?

No seguimento de uma interessante discussão entre o Afonso e o Samuel surgiu da parte deste último a ideia de que existe uma possibilidade de separação entre a religião e a política e de que esta é uma posição liberal-conservadora.
Já aqui escrevi largamente sobre estes três erros, a propósito de alguns escritos do Rui A. e não pretendia chover nesse assunto, mas agora que se procura o Novo Rumo, parece-me ser indispensável que não se recaia em falsos lugares-comuns e confusões que aceitam as dicotomias intelectuais perpetuadoras da hegemonia esquerdista.

Primeiro que tudo, a total impossibilidade de separação entre as esferas política e religiosa ou metafísica, é algo de perfeitamente evidente e talvez uma das poucas constantes observáveis para alguém que conheça algo sobre a Humanidade. Ao contrário do que supõe o Samuel, ao liberalismo nada pode ser imputado no sentido de separação da esfera política e religiosa. Todas as grandes revoluções e golpes liberais foram revoluções metafísicas, a imposição de perspectivas protestantes ou maçónicas ao todo da sociedade que constitui a construção política. A própria ideia de que a comunidade política não se deve submeter a uma concepção de Bem (que o Samuel parece aceitar como axioma, vindo sabe-se lá de onde) é uma ideia política luterana e que seria impossível em qualquer contexto religioso não-protestante. A própria virtude da Tolerância que os liberais transformaram em religião de Estado é um subproduto dessa autonomização do político face ao Bem e da identificação da norma política com o Bem. Sobre isso não parece haver muitas dúvidas, caindo assim por terra a afirmação de que o liberalismo é uma ideia independente da religião. Todos os conceitos políticos liberais são reflexos protestantes, mesmo que apresentados como dogmas ou axiomas ideológicos ou realidades inelutáveis do nosso tempo.

Em segundo, aceitar a independência da esfera política em relação às posições metafísicas torna qualquer apelo àquilo que é justo uma afirmação jurídica e não uma afirmação de “dever ser”. Isto significa que se cria uma total impossibilidade de discutir os princípios normativos e que a lei se torna inamovível. Esta fórmula positivista é um dos grandes legados do esquerdismo de ontem e hoje e cria, quando não o Estado Omnipotente, um Estado descrito por Kafka n’O Processo, totalmente incompreensível, por ser um reflexo de vontades que não são articuláveis com princípios ou verdade. A inocência ou culpa, a razão ou o erro, passam a ser determinadas pelo interesse do Estado ou dos que o tutelam e não pela verdade (a independência das partes de que falava Platão) que deve guiar a conduta humana.
A obtenção desse Estado em que não existe Justiça é o sonho soviético e dos pós-modernos, o que, diga-se, é fraca inspiração para qualquer rumo.

Sobre a terceira questão é preciso dizer ainda menos. Quem alega a independência da política face ao fenómeno religioso, como legado liberal, tem de demonstrar de que forma esta é compatível com a tradição conservadora-liberal (presumindo que a mesma existe, o que não é de todo evidente). O mais interessante de tudo isto é que se fizermos uma análise aos grandes pensadores do conservadorismo britânico (Burke, Disraeli, Salisbury) até à II Guerra, nada encontramos neles que afirme algo semelhante ao que é alegado pelo Samuel. Afirmar que se é tradicionalista “anglo-saxónico” e que se prefere um Estado laico é o mesmo que um comunista que adora a economia de mercado. Haveria alguma possibilidade de haver conservadorismo britânico num Estado Laico?
Essa é que não passa mesmo pela cabeça de ninguém…

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