sexta-feira, outubro 31, 2008

A Visão de Soloviev e o Triunfo do Homem














Compreender a visão dos grandes pensadores sobre o futuro é um caminho perigoso. Para os “modernos”, com a sua crença de que o mundo será o que o dele o Homem fizer, a presciência dos sábios é um passe de mágica. Como a estrutura da Natureza Humana é, segundo a fórmula moderna, um elemento em aberto e não uma norma inscrita na realidade humana, o que quer que o filósofo (ou alguém até menos credenciado) coloque nas finalidades humanas e no seu destino terreno, funcionará sempre como destino da Humanidade.
Por isso, figuras como Edmund Burke e a sua previsão do Terror revolucionário, Donoso Cortés e a sua compreensão da emergência das ditaduras do século XX, ou Vladimir Soloviev e a sua visão da destruição da Europa, parecem ao leitor moderno um acesso de sorte, um truque ou um conhecimento mágico, digna dos dotes divinatórios de Nostradamus.

A reflexão de Soloviev não vem, porém, da observação do vôo das aves ou das entranhas dos animais, mas de uma visão profunda da natureza humana, das suas limitações e tentações essenciais, da forma como o Homem se articula perante as suas finalidades e como estas são ditadas pelos “amores” que lhe são peculiares.
É da metátese do “o amor de si próprio” do Homem, , que emerge a destruição da Humanidade. Em “Breve Conto sobre o Anticristo[1]”, Soloviev descreve, mais do que a História do século que o seguiria (nascido em 1853, viria a falecer em 1900) em algum pormenor, a doença espiritual que viria a atormentar o Ocidente e a alma do mundo Cristão.

Nascido dos Nacionalismos do século XIX e das suas obsessões políticas, as ideias políticas que viriam a destruir a Europa seriam projectos de poder megalómanos e vazios. Unidos por elementos raciais e por ódios e vinganças, os povos lançam-se numa luta pelo predomínio mundial. As novas ideias, juntamente com os exércitos vindos do Oriente, conquistam a Alemanha e obrigam-na a uma rendição desonrosa que as outras potências europeias aproveitam para predar. Os “trabalhadores sem-pátria” da Europa franqueiam a entrada aos invasores, minando a resistência dos povos e aclamando o inimigo oriental. De todos estes tumultos emergem os Estados Unidos da Europa, subjugando o poder dos Estados até aí independentes, em prol de um desenvolvimentismo materialista. Todas as ideias de Deus são afastadas do ensino e da cultura e a maioria dos habitantes desta Europa Unida, uma obra da Irmandade dos Pedreiros Livres, aderem à descrença religiosa.
Da insatisfação com o vazio materialista do século XX cresce, nalgumas franjas da sociedade, um sentimento espiritualista. O século XXI assiste ao nascimento de um sábio, um moralista, um homem de fé, famoso ainda na juventude.

Nasce desta forma, recta e bem-intencionada, a forma humana do Mal, apenas adulterada por um amor-de-si que não encontra limites. A “Revolta Egofânica”, a sobreposição do Eu à ordem das coisas, descrita por Voegelin, atinge no pensamento do grande espiritualista o apogeu [2]. O Anticristo é criador de ideologia, considerando-se capaz de, por si próprio, não apenas de determinar o certo e o errado, mas transcender essa dicotomia. A similitude da posição do Anticristo com a posição de Marx é evidente, postulando uma nova justiça determinada pela necessidade e não pelo merecimento e proclamando uma nova paz trazida pelo fim dos problemas da escassez [3]. Justiça e injustiça deixam de fazer sentido, porque a norma e a magia trazidas pelo Anticristo, ao dar a cada um o que precisa, destroem a necessidade de conflito e permitem ao indivíduo que aceite o domínio dessa norma, a completa disposição de si próprio[4]. Liberdade, para além do bem e do mal – o sonho da Modernidade.

O poder do homem tornado Deus é aclamado pelo Mundo. O Anticristo de Soloviev recebe o apoio de largos sectores da Igreja, no seu desejo de conseguir o bem-estar dos homens e a paz universal, num mundo que havia assistido à sua completa destruição pelas guerra. Com esse fim e com a população mundial do seu lado, o Anticristo decide convocar um concílio ecuménico como complemento final do seu reformismo social e como elemento final na obtenção de uma ordem universal. As várias denominações Cristãs, exauridas por décadas de antropocentrismo e materialismo, encontram-se então numa posição de grande fragilidade. O Anticristo, agora tornado Imperador do Mundo, chama-os para receber destes um acto de submissão final, através de três tentações.

Pede então aos membros da Igreja Católica que aceitam o seu poder e protecção e em troca da restituição dos seus antigos privilégios, que passem para o seu lado do concílio.
A grande parte dos “príncipes” da Igreja acedem prontamente ao pedido do Imperador, louvando Deus. O Papa Pedro II permanece inamovível.
Pede também aos representantes da Igreja Ortodoxa que se submetam à sua autoridade, em troca da criação de museus e da preservação iconográfica dos elementos da tradição Cristã oriental. O Ancião João, o mais antigo dos representantes ortodoxos, permanece também inamovível aos pedidos do Anticristo e ao ver os seus correligionários passar para a tribuna imperial, junta-se ao Papa Pedro.
Por fim pede aos Protestantes, entre os quais o Anticristo Superhomem se contava enquanto académico, que se juntem a si, oferecendo um estipêndio gigantesco para a promoção científica do livre-exame das Escrituras. A debandada é, também, geral, à excepção de algumas pessoas em torno do Professor Pauli, um eminente evangélico que, da mesma maneira, se junta ao Papa Pedro e ao Ancião João.
Os Cristãos que resistem às tentações têm apenas um pedido a ver satifeito. Que Imperador que este se submeta a Cristo, como forma de obter a sua obediência[5].

O diagnóstico de Soloviev, apesar de realizado no século XIX, é perfeitamente actual.
Quando observamos membros da Igreja afirmar que a grande virtude da Mensagem Cristã é a sua aplicabilidade à reforma social, à vida moderna, à economia de mercado, não é difícil perceber a submissão de Cristo ao poder temporal e seus propósitos.
O mesmo se passa em relação ao ritualismo da Igreja Ortodoxa, tantas vezes sobreposto à Doutrina e, de forma similar, à Fé na racionalidade humana elevada à divindade pela forma protestante.
Se ao Cristianismo é retirado Cristo, o pensamento e o ensinamento moral transforma-se numa massa informe, numa força pronta a servir toda a finalidade humana, mesmo a inconfessável de tranformar o homem em criador e razão de todo o universo. Caída essa barreira, só a vontade humana nos impede de coabitar com Deuses e Super-homens, de erguer templos a líderes políticos como acontece em alguns países do antigo Bloco Soviético, ou de voltar à submissão incondicional ao domínio político do Totalitarismo. E a vontade humana nunca foi barreira, onde não existiram as grandes constrições morais de que a civilização é composta...

O Cristianismo sem Cristo tem de ser questionado. Os seus apologistas defendem os “valores” semelhantes aos da mensagem Cristã, mas acreditam que o Homem pode a eles chegar através da razão. Sabendo que todos chegamos a conclusões diferentes e sem a existência de um “ideal” extra-humano como referencial, como poderemos saber se o Homem atingiu esses princípios, ou se ele próprio não criou esses valores ou um simulacro dos mesmos para servir os seus próprios interesses?

O Conto do Anticristo de Soloviev pode ser interpretado como uma profecia. Mas o seu enorme apelo consiste, sobretudo, na forma como é interpretado o espírito humano, elevado e leal ou cego e virado sobre si mesmo. Disposto a perder a sua liberdade, a possibilidade de existir segundo uma ordem que não depende dos homens, em favor da sua vaidade, sendo ele próprio o criador de Ordem através da sua vontade, o Homem Moderno sacrifica-se perante a magia (aquilo que não compreende, mas que vai no sentido do que deseja do mundo) do bem-estar e do progresso. É muito mais do que uma profecia (apesar da quantidade de elementos históricos previstos por Soloviev), mas uma análise detalhada sobre as condições, humanas e espirituais, para a existência de uma comunidade livre.

Quando os Cristãos remanescentes recusam a submissão ao Imperador são humilhados pelos poderes do Mundo e pelos “princípes” da Igreja agora submetidos ao Poder Humano. A magia de Apollonius, o mago do Imperador, mata o Papa e o Ancião. Os Cristãos remanescentes das várias denominações saem da cidade, levando consigo a Nova Arca da Aliança, os corpos dos que recusaram renegar Cristo.
Pouco tempo depois o Mundo resolver-se-ia e a Humanidade reerguer-se-ia pelo reconhecimento da sua natureza de criatura.





___________________________________________
[1] Pode ser encontrada uma versão em língua inglesa em
http://forum.gorillamask.net/archive/index.php/t-55805.html

[2] “Conscious of the great power of spirit in himself, he was always a confirmed spiritualist, and his clear intellect always showed him the truth of what one should believe in: the good, God, and the Messiah. In these he believed, but he loved only himself. He believed in God, but in the depths of his soul he involuntarily and unconsciously preferred himself. He believed in Good, but the All Seeing Eye of the Eternal knew that this man would bow down before the power of Evil as soon as it would offer him a bribe -- not by deception of the senses and the lower passions, not even by the superior bait of power, but only by his own immeasurable self-love.”
[3] «As a moralist, Christ divided humanity by the notion of good and evil. I shall unite it by benefits which are as much needed by good as by evil people. I shall be the true representative of that God who makes his sun to shine upon the good and the evil alike, and who makes the rain to fall upon the just and the unjust. Christ brought the sword; I shall bring peace. Christ threatened the earth with the Day of Judgment. But I shall be the last judge, and my judgment will be not only that of justice but also that of mercy. The justice that will be meted out in my sentences will not be a retributive justice but a distributive one. I shall judge each person according to his deserts, and shall give everybody what he needs."»

[4] ”Christ brought the sword; I shall bring peace.”

[5] “At this, Elder John rose up like a white candle and answered quietly: "Great sovereign! What we value most in Christianity is Christ himself -- in his person. All comes from him, for we know that in him dwells all fullness of the Godhead bodily. We are ready, sire, to accept any gift from you, if only we recognize the holy hand of Christ in your generosity. Our candid answer to your question, what can you do for us, is this: Confess now and before us the name of Jesus Christ, the Son of God, who came in the flesh, rose, and who will come again -- Confess his name, and we will accept you with love as the true forerunner of his second glorious coming."

Etiquetas:

O texto seguinte não foi pensado para este formato ou espaço, mas por força de alguns impedimentos e de crer que ele tem interesse para os tempos que se avizinham, parece-me importante publicá-lo. Perdoe-se a extensão.

terça-feira, outubro 28, 2008

Amor Sem Cristianismo

















O Modernista deixou no Portugal Contemporâneo um artigo (em duas partes) com várias achegas para o problema do Casamento que tem vindo a ser tratado por mim e pelo Rui A. do Portugal Contemporâneo. Uma discussão muito interessante, mas que, ao contrário do que seria de esperar, em vez de ter cativado os blogues que se dizem conservadores, de direita e católicos, não tem recebido qualquer contributo de fora. Um sintoma não de falta de capacidade, mas de como muita gente só diz o que pensa dentro de quatro paredes, com medo de não chegar a Secretário de Estado. As pessoas definem-se, de facto, pelos seus fins…

O texto apresentado pelo Modernista é curioso. Não apenas porque radicalmente oposto à forma como me habituei a vê-lo, não apenas porque apresenta como elemento fundamental um substrato jusnaturalista cristão e uma rejeição da neutralidade liberal, mas porque apresenta uma cratera. Uma cratera que se encontra repleta de uma intencionalidade cristã, que embora muito me alegre, ainda é, contudo, insuficiente.

O primeiro problema é a ascese. No ponto 1 do texto é apresentada a libertação extra-corpórea da essência humana. A capacidade que o Ser Humano tem de subordinar as suas necessidades físicas. Esta não é uma descrição boa da doutrina platónica da Alma Humana, porque as necessidades físicas não são dependentes dos fins. São dados que devem ser aprovisionados, como comida numa viagem, mas que devem estar ordenados com Justiça na Alma. A satisfação das necessidades deve ser feita, na medida em que permite a obtenção dos fins, não havendo uma antinomia entre o prazer (corpo) e a felicidade (espírito), mas uma ordenação do espírito dos prazeres do corpo. O desejável é que o homem tenha perfeito prazer na satisfação do espírito.
Este é um ponto muito importante, porque o que determina que a homossexualidade seja uma prática errada não está na satisfação do desejo e na obtenção de prazer, mas na descoberta de fontes de prazer que afastam o homem do seu destino.
Aí está um erro de percepção do Modernista. Platão e Aristóteles, reconhecidos homossexuais da História, defendiam que a mais profunda amizade (forma de amor) que poderia existir seria entre os que partilham a busca noética. Essa homossexualidade é reflexo de uma partilha mais profunda (lá se vai o argumento nº2 da parte 1…). Como se poderá afirmar que a homossexualidade é condenável segundo um paradigma platónico-aristotélico de ordenação dos fins, se esta representa a essência do “amor”? Simplesmente não se pode, sem penetrar no argumento Cristão e ajuntar a essa tradição o tomismo (como através de uma interpretação abusiva da separação entre Lei Eterna e Lei Natural, o Modernista tenta no Ponto 2) …

É o Cristianismo que cria o Amor (enquanto termo unificado) e que reúne como elemento essencial de uma vida no sentido da Natureza Humana a capacidade reprodutiva e erótica, a função crematística e de estabilidade da propriedade, e os preceitos da vida moral como elemento altruísta (amores esses que estavam dispersos na concepção clássica entre Eros, Philia, Ágape). Querer falar da ordenação da Alma sem explicitar como esta é uma forma específica, histórica e determinada por uma concepção autoritativa e não um sentimento auto-evidente ou um afecto difuso é um erro que custa caro e que conduz a que qualquer afecto possa ser considerado como amor. Este erro conduz à mácula do texto do Modernista. Ao não explicitar que o Amor a que se está a fazer referência é uma concepção Cristã, poder-se-á fazer o que se quiser dos afectos e até mesmo exprimir como afecto a vontade de fazer mal, como numa comunidade “Sado-maso”.

No restante, o Modernista reafirma o que há muito tem sido o combate deste Pasquim. Que a comunidade precisa de uma concepção de Bem para ter Justiça (e que esta não significa a repressão do Pecado, mas a procura de uma ordenação que faça florescer a virtude), que tal impõe uma acção benevolente e terapêutica sobre os que se afastam do Bem e vêem a Alma desordenada. E que o liberalismo possui as duas concepções, embora o faça de uma forma ridícula e afirmando uma neutralidade e a-teleologia que são ilógicas e que apenas reduzem a justiça a um desejo personalizado, a expressão mais gritante de qualquer injustiça. È uma grande alegria estar lado-a-lado com o Modernista no combate pela Justiça da Alma e da Cidade.

Mas será que ainda é possível manter esse nome?

Etiquetas:

Obrigado, Zazie!

quinta-feira, outubro 23, 2008

Ainda Agora Apareceu

E já o Duro das Lamentações me dá um prémio.
Uma casa que se recomenda e muito.
Daqui vai um agradecimento sincero e amigo.

quarta-feira, outubro 22, 2008

Ele há coisas...

Andámos duas décadas a ouvir que a perda de propriedade e de capitais para a iniciativa dos outros países da UE era um bom sinal de internacionalização da economia. Agora vem Sarkozy dizer que a perda das empresas europeias para proprietários de países de fora da UE é um perigo para a economia. Querem ver que nos andaram a mentir durante anos e que a venda de empresas portuguesas a capitais europeus foram más para a economia portuguesa?
Eles não nos faziam isso...

terça-feira, outubro 21, 2008

Realismo Metafísico e a Sexualidade





















Algumas críticas foram levantadas, por mentes amigas, ao meu texto sobre a formalização política da homossexualidade. Tentando resumir a questão diria que as críticas se centram em três aspectos: a) que eu estaria a defender um fideísmo, b) que estaria a presumir a bondade da Criação, c) que não haveria razão certa para respeitar a heterossexualidade enquanto expressão de sexualidade.

Quanto à questão a), recorro mais uma vez ao tomismo para me ilibar da acusação. O tomismo é uma tradição filosófica que se apoia num realismo metafísico, preocupando-se com o mundo material, mas colocando-o sob categorias que provém de uma visão metafísica. Não foi à toa que Platão descreveu o mundo metafísico como luminoso, enquanto a materialidade seria sombria, ou que São Tomás descreveu a análise do mundo quantificável como subordinada à questão metafísica, sentenciando a prioridade das ciências universais, sobre a análise quantitativa, material e particular.
Primeiro a metafísica, que elabora a capacidade de distinguir entre os objectos (neste caso o masculino e feminino) e posteriormente a observação de como esses dois géneros se realizam (mais ou menos) na materialidade. Sem essa concepção, acabaremos sempre enredados na teia da distinção factos/valores, o que significa dizer que não conseguiremos extrair qualquer ensinamento a partir do observável e estaremos condenados à vontade.
Mas isto depende da Fé? Certamente, mas não mais do que o homem que detecta algo no mundo físico e que acredita que tal se trata de um objecto diferente de outro.

O mundo material não é, portanto, bom ou mau (em resposta à questão b)), mas é o que é. Este último “é”, contém, porém, a existência material e a existência transcendente. Uma cadeira é o que é, mas neste ser está incluída a capacidade de se adequar melhor às suas finalidades e de estas finalidades serem adequadas a finalidades superiores. No que respeita à Humanidade, o afastamento das finalidades desejadas das finalidades reais e transcendentes é um problema grave, porque afasta o Homem do seu Destino. Quando vejo pessoas a dispender rios de dinheiro e a submeterem-se a cirurgias dolorosas para poderem ceder a inclinações sexuais que dizem ser naturais, não posso deixar de expressar a minha profunda tristeza por se identificar com a Natureza Humana, aquilo que é apenas animal. Em vez de perceberem “o que devo ser”, disperdiçam a vida a seguir inclinações que não foram analisadas e vistas à luz de qualquer moral que não seja a expressão da individualidade.
O respeito pelas suas limitações materiais é uma parte fundamental da Humanidade e o homem ou mulher que desperdiçam a vida tentando alterar ou ignorar essas condicionantes, caminha sem sentido. Não é por acaso que o que se vê no homossexualismo[1] é a apologia do fim do tabu e da repressão, em vez da aceitação de obrigações indissolúveis, de expressões de amor eterno que perduram com os laços familiares, de respeito obrigatório pelos laços da família e da comunidade.

A compreensão inversa a esta expressão individual é dada pelo Cristianismo e a forma como a Doutrina assegura que a união corporal e espiritual se faz através dos dois caminhos genéricos e complementares, o da masculinidade e da feminilidade, que resultam no milagre da reprodução, mas sobretudo na vida Cristã.
Isto, porém, não é uma ideologia, mas uma compreensão, estando sempre aberta à interpretação. O problema é que retirando a ideologia da “expressão da individualidade”, ainda não houve alguém que conseguisse explicar como é que tal prática sexual poderá ser aceite, com respeito pela moralidade Cristã e sem cair na ideia de que todo o amor é Amor, que conduz, por exemplo, ao amor de si próprio como projecto de vida, ao amor do dinheiro, ao amor do Mal como projecto de vida saudável. A ordenação do Amor tem a aceitação das realidades materiais como elemento essencial, como todas as proclamações da Igreja sobre bioética têm vindo a revelar.
Não temos outra bússola.

____________________________
[1] Esta é para mim a distinção fundamental na questão sexual. O homossexualismo é a doutrina de legitimação moral de uma prática sexual, que é um ramo de uma ideologia ultra-individualista e pós-moderna de auto-expressão, que rejeita qualquer atribuição de destino ao Homem. Já a homossexualidade é uma prática sexual, que não implica mundividências e que muitas vezes é praticada por quem a considera um pecado ou imoralidade. Nesse caso é problema espiritual, uma falha de temperança.

Etiquetas:

segunda-feira, outubro 20, 2008

Distinções








O João Marchante distinguiu o Pasquim como blogue do dia.
Subida honra para mim, por vir de quem possui um dos poucos blogues não-políticos que são uma inspiração.

domingo, outubro 19, 2008

Contra São Mercado e a Beata Caridade Estatal








Lança-nos o amigo Modernista novo repto, contrariando o que escrevi anteriormente e dando saltos de interpretativos gigantes a partit das minhas palavras.

É verdade que a Pobreza está na ordem das coisas, pelo menos a pobreza como é encarada em sentido moderno, ou seja, a incapacidade de algumas pessoas obterem o que a maior parte das pessoas têm. Primeiro porque é um conceito dinâmico, e depende do que os outros possuem, para a sua determinação. Em segundo lugar, porque o inverso seria uma distribuição constante e centralizada dos bens.
E não me parece que existam dúvidas de que a desigualdade também provém das trocas voluntárias de propriedade, porque estas são um reflexo de um conjunto de processos privados de atribuição de valor, sem o qual nenhuma comunidade pode ser livre. A vontade humana é, apesar de tudo e englobada num conjunto de princípios, uma parte imprescindível da perspectiva Católica sobre a sociedade e a sua economia.
Em lado algum afirmei que só existiriam essas duas fontes para a Pobreza, mas apenas que as desigualdade são inevitáveis numa sociedade em que as pessoas têm a liberdade de escolher as finalidades materiais da sua vida e não estão obrigadas à produtividade e onde exista um sistema aberto à inovação.

É evidente que existem outros problemas na distribuição material e que um deles é o desprezo pela norma espiritual da Caridade que impede a exploração do semelhante que se encontra em necessidade extrema, para proceder à sua escravização. Nem nunca alguém me ouviu aqui afirmar que uma transacção voluntária é tudo o que basta para a licitude de uma troca. O que sucede é a necessidade de um sistema de propriedade livre pressupõe a aceitação da vontade como decisiva, embora imbuída num sistema legal valorativo. É fundamental um sistema de favorecimento da propriedade privada, distribuída e centrada no núcleo familiar e no seu carácter estável e inter-geracional. Mas embora possamos desincentivar a venda dessa propriedade produtiva, não podemos impedir que um homem venda ou ofereça a sua ferramenta ou o seu conhecimento a quem quiser. Ou seja, a economia repousa sempre na troca voluntária, mas conforme à Justiça. Tanto isto se aplica ao juro, como ao homem que tem água no deserto e que é abordado por um caminhante sequioso à beira da morte. Primeiro as vontades e depois a correcção que a justiça opera. O inverso conduz a um mal bem pior...

Querer controlar a distribuição material, porém, como o fazem os MEP’s, PSD’s e PS’s, é uma loucura que conduz ao Estado pleno de burocratas e em que não existe nada de privado. Não é a toa que o Distributivismo sempre advogou o fim do Estado Social em prol da responsabilidade partilhada da corporação.
Em todas as transacções há um grau de injustiça. O que o Estado deve fazer é encontrar o equilíbrio entre a Justiça (na definição do lícito e ilícito), entre o que é possível (não erradicar a pobreza, mas controlá-la) e entre o nivel de fiscalização da injustiça que é compatível com a existência de liberdade.

Etiquetas:

sábado, outubro 18, 2008

Os Nossos Melhores

Confesso que foi com alegria que vi que o Paulo Cunha Porto iria sair do Corta-Fitas.
Não gosto de ver gente séria – e culta, inteligente e de princípios – em tão más companhias. Anda tudo muito preocupado com o facto de ser visto num blogue com o Paulo, que não tem pedigree democrático, abrilino ou revolucionário, como se o mundo estivesse a olhar para eles.
É gente daquelas de que o Portugal de hoje precisa...
Gente que vira as costas aos amigos e familiares porque não têm as crenças ideológicas do Estado. Lembram aquelas crianças da União Soviética que ganhavam medalhas pela delação dos pais e familiares...
Esperemos que o Paulo regresse em breve.

sexta-feira, outubro 17, 2008

Católicos e Neo-Católicos na Questão Sexual
















É frequente que alguns amigos me critiquem por eu não acreditar na capacidade do pensamento humano descobrir por si os caminhos do Bem. Não o digo apenas porque alguns dos mais inteligentes dos homens mostraram uma crueldade inigualável e em que a erudição e o intelecto foram o catalizador ou o combustível que fez arder os seus pecados e crimes por mais tempo e com maior vigor. Digo isto porque vejo em boa gente uma cobardia maior que vem da incapacidade de assumir o que se diz com Verdade, o que é apenas um reflexo de que ou não se acredita na mesma, ou de falta de Caridade para combater para que esta resida no outro.
A questão é muito simples. Para um Cristão a questão da homossexualidade não é a procriação, mas a Natureza. A procriação e a possibilidade desta é apenas um reflexo desta segunda e esta é um reflexo, por seu turno, da Providência Divina. A Natureza Humana segundo a perspectiva Cristã é muito mais do que a mera reprodução ou capacidade de perdurar do Homem. É um verdadeiro elemento de ascensão da humanidade à conformação com o Divino. A isto não há volta a dar. Não é possível que um católico fale em Natureza sem se reportar a esse caminho que a Graça deixou inscrita no Mundo e que permite que o ser humano consiga vislumbrar para além das árvores e dos rios, das pedras e das nuvens. Para si não há outra Natureza.
É por isso que só podemos ficar estarrecidos quando vemos na televisão gente católica eminente a falar sobre a homossexualidade e a dizer coisas como “está provado que as crianças filhas de homossexuais têm problemas”, que “o casamento civil tem de ser entre dois sexos”, ou que “a procriação é o fim do casamento”, como se houvesse para si uma concepção de Natureza que não inclua necessariamente a visão Cristã (esta ideia de que há uma Natureza Material e científica e depois uma espiritual e Religiosa é também um disparate que um dia terá de ser debatido).
Os argumentos são disparatados, porque presumem que a ciência poderá determinar o que quer que seja sobre o que deve ser a comunidade e as suas normas.
O primeiro é ridículo não apenas porque coloca à mercê de um estudo oposto a posição defendida, mas porque acha que é possível compreender o que é um problema mental ou espiritual sem recurso à concepção de Saúde, o “dever ser” do homem e que esta é compreensível sem uma concepção do que é o Bem.
O segundo argumento esquece o carácter imperativo da concepção de género. O Cristianismo não afirma a existência de dois sexos humanos como “facto” e “dado material”. Quem faz isso são algumas doutrinas materialistas absurdas. Podem existir um milhão de sexos, caso se tenha a veleidade de considerar algumas deficiências do sistema reprodutivo como sexos (algo que vai acontecendo na sociedade relativista). Aqui a questão é também evidente. O que um católico não deve fazer é afirmar a existência material de dois sexos, mas sim reafirmar a Doutrina, explicando que o género é uma condicionante corporal que devemos aceitar no sentido de melhor preenchermos o lugar que nos foi destinado na Criação e que só poderá ser cumprido através da inserção numa das funções predeterminadas pela Doutrina. Isto é evidente se tivermos em atenção o hermafroditismo que não é, de forma alguma, condenável, uma vez que se trata de uma condição, mas que não pode servir de desculpa para uma vida sexual anárquica ou imoral, sem assumir um lugar funcional. O que os católicos deveriam estar preocupados em fazer seria em afirmar que apesar de um milhão de opções sexuais que os homens têm no mundo moderno, têm uma moralidade que lhes impõe uma e que a sociedade, ao abandonar essa perspectiva, escolhe inventar-se segundo os seus desejos. Em vez disso esgotam-se a afirmar que cada um tem a sua preferência, “mas casar não”. Bonita lição sobre Caridade, ou falta dela. Ou acreditam que os seus amigos e semelhantes se estão a condenar e deveriam fazer alguma coisa (convertê-los), ou então não acreditam na Doutrina...
O importante do Casamento é a vida comum no sentido das Virtudes Cristãs, que é superior a qualquer construção material e mais importante que os dados biológicos. Esta é impossível enquanto o ser humano se pretende, segundo a sua vontade, sobrepôr à Criação, escolhendo sexos ou, como já acontece, não possuír nenhum.
Seria interessante ver por que razão um neo-católico, que pertence a não sei quantas organizações de solidariedade social e mais uma ou duas de socialização católica, cada vez que vai à televisão tem como principal preocupação esconder todos os traços da sua Fé e se põe a debitar argumentos que escondem concepções cristãs sem nunca as explicitar. A coisa não pega, porque os conceitos são nebulosos e insuficientes. Falta a Palavra. Só não falta vontade de O negar.

Etiquetas:

Os Bons


Os Filhos de Saló

Movimento Legitimista

O Inimputável

quinta-feira, outubro 16, 2008

Saudáveis Percursos

Da Demokratia à Reacção.

terça-feira, outubro 14, 2008

O Novo Socialismo de Sacristia









Em Portugal existe um novo partido político. Sem ideias novas, inteligência e sobretudo sem nada dizer, nasce um projecto político que nada traz de novo. Para além de um conjunto de solidários profissionais e de muita gente que vai à missa, este novo Movimento Esperança Portugal não é sequer algo com que valha a pena perder muito tempo, tal é a banalidade da sua proposta que em nada se distingue da falta de imaginação de um PSD ou PS.
A coisa é tão original que inclui como preocupações fundamentais o combate pela Igualdade de Oportunidades (sem explicitar se vamos ter educação igual e o fim dos colégios privados), a determinação de erradicar a Pobreza (esquecendo a pobreza de espírito de muitos dirigentes da coisa) e a promessa de “riqueza para todos” (esquecendo-se de explicitar como é que se vai conseguir distribuir a riqueza e continuar a produzi-la).
É evidente que esta tentativa de transformar o país à luz de um microcosmos sociológico e dos slogans banais de alguns ignorantes tem um objectivo. Debaixo de todo este lixo de banalidades, esconde-se a vontade de alguns figurões passarem à ribalta política depois de lhe roubarem o poleiro. Daí termos como grande elemento justificativo da existência do partido grandes progressos civilizacionais como a “construção de pontes”, a “unidade na diversidade” e o “combate à info-exclusão”, que se inscrevem tanto no léxico da esquerda, como na própria tradição guterrista de governo.
No meio do programa são deixadas cair algumas frases que demonstram o verdadeiro sentido anti-Cristão deste movimento de sacristia. “O Ser Humano enquanto medida de todas as coisas” é uma frase que vai buscar o pior do humanismo secularizado. A isto se junta a ideia ainda mais oposta ao Cristianismo (porque Socialista) de que o Bem Comum é o preencher o Homem com bens materiais (a pobreza, em vez de ser uma consequência da ordem das coisas e das transferências voluntárias de propriedade, é vista como um atentado à dignidade humana, o que vai contra quase vinte séculos de Doutrina da Igreja). O mesmo se dirá da defesa da Declaração Universal dos Direitos Humanos como elemento essencial doutrinário do MEP, o que, ao defender a origem humana do poder político vai contra a Filosofia Política Cristã e demonstra como o humanismo secular é a verdadeira fonte de inspiração do movimento. E não é por vir da sacristia que o lixo intelectual se transforma em ouro…

Etiquetas:

segunda-feira, outubro 13, 2008

Sobre os Não-Matrimónios









Sobre os casamentos homossexuais já se disse quase tudo e muito do que se disse não merece a pena ser recapitulado. É simplesmente idiota que se apresente a questão do casamento como uma questão de liberdade de escolha, dado que o objectivo deste é cercear os comportamentos da sociedade obrigando a que as pessoas se comportem de maneira a que alguns princípios sejam salvaguardados. Daí é fácil perceber que toda 80% da conversa que ouvimos nas televisões e nos jornais de referência são para enviar para o lixo e não merecem sequer ser habilitadas por uma resposta. Quando se apresenta às convenções políticas a ideia de liberdade de escolha como sua suprema orientação é fácil de ver que nenhuma subsistirá. O objectivo não é, como é evidente, mudar o casamento, mas destruí-lo de vez.

Há um problema central na questão que é o problema do casamento enquanto figura autonomizada e secular da vida humana. O casamento civil enquanto elemento desprovido de religiosidade é uma paródia e uma perversão. Uma perversão quando se transformou em instrumento do Estado para conseguir a ordenação social. Retirou-se o significado religioso e transcendente da união carnal entre dois seres humanos, mas para que tudo se mantivesse na mesma e de forma gerível, criou-se a ideia de que o casamento seria uma instituição em que o valor essencial seriam as suas finalidades mundanas, a gestão das necessidades privadas, procriação, estabilização da propriedade. Uma paródia quando se observa a forma rídicula como a união de duas pessoas obedece a um cerimonial de Estado que é um sucedâneo religioso, mas que sem a existência de Deus não tem qualquer justificação, para além dos interesses do Estado.

É do falhanço dessa ideia de união autónoma e meramente humana que vem o contra-senso de uma convenção que se altera em virtude da autonomia. Se o casamento é obra meramente humana poderá ser alterado para ser um reflexo das vontades das partes, acabando com todas as obrigações com um estalar de dedos. Antes seria um estalar de dedos do Estado, com a nova estrutura legal do casamento e divórcio basta o dos privados. De qualquer das formas, não existe qualquer forma para que o casamento civil perdure enquanto forma de organização social. Dada a incapacidade da proposta ética secular de criar uma sociedade moral, capaz de cercear os desejos individuais, tornou-se impossível manter o casamento como fonte de obrigações extra-subjectivas e voluntárias.

É por isso que me desmancho a rir com os argumentos da “direitinha” que acha que a utilidade da família e a justificação para a sua estrutura é a utilidade do Estado e o cumprir de uma série de tarefas. São os mesmos que defendem a paternidade subsidiada e não percebem que com a mudança de finalidades do Estado vem uma mudança de finalidades da família, caso esta se encontre sob a sua alçada. A família democrática, ao ser apenas um reflexo do que a sociedade deseja que esta seja, pode tornar-se no oposto do que ela deva ser, seja um local de iniciação sexual, um local de exploração de mão-de-obra, ou outra coisa qualquer. Contra isso os nossos “conservas” hão de falar em natureza, em reprodução, tudo lixo que sem a tradição e o método Cristão de moralidade está condenado a ser palavra vazia. Os piores inimigos do Cristianismo...

Etiquetas: ,

quarta-feira, outubro 08, 2008

Da Nova Intercollegiate Review














Há a reter um excelente artigo de Peter A. Lawler que explica como a desordem dos anos sessenta americanos e da New Left poderá ser ordenada numa ordem maior e bem direccionada, um artigo de Dan Mahoney em que este faz um raio-x do Maio de 68 e suas recentes comemorações em França, bem como vários elogios ao falecido William F. Buckley.

terça-feira, outubro 07, 2008

Perder à Partida










Como já aqui disse, tenho bastante respeito pela obra do Prof. Maltez e pela simpatia com que trata sempre de discutir os assuntos com frontalidade. Já não posso dizer o mesmo do seu posicionamento político que nada tem a ver com os princípios que por aqui tenho vindo a defender. Não percebo o choque da Cristina Ribeiro quanto ao facto do Prof. Maltez ter afirmado que o “patriotismo” era uma característica do primeiro-republicanismo. É a mais pura verdade. Um patriotismo que era um substituto laico e civil para a religião e que funcionaria como elemento essencial de adesão numa sociedade que se afastou da sua relação com a religião e o transcendente.
Em vez de se chocarem com essa afirmação, gostaria de pedir aos monárquicos que me dessem uma alternativa monárquica a esse patriotismo. É que apesar de tantas críticas, associações e blogues monárquicos, não parece existir no seio dos monárquicos um conceito que o possa substitutir. Ou seja, critica-se o Prof. Maltez e o republicanismo, mas não são apresentadas quaisquer alternativas a esse estado-de-coisas.
E quando o Prof. Maltez vem falar sobre a forma como o espírito republicano perdurou e uniu a oposição monárquica e republicana num “espírito de liberdade”, é preciso perguntar o que correu mal e de que forma os monárquicos prescindiram da sua forma de governo para servir o inimigo.
Há por certo muita coisa a criticar na intervenção do Senhor Professor. O facto de nenhum dos intervenientes ver na tentativa de nacionalização ou na separação da Igreja do Estado um problema é um caso particularmente interessante e paradigmático. E o facto de não ver a razão por que “a monarquia morreu agarrada à sacristia” demonstra a razão por que a república coroada não deixa de ser república no seu sentido mais ideológico e intramundano, ou seja, totalitário.
O problema é que a morte cerebral dos monárquicos os impede de ver que andam há muito a defender o que por já cá anda.

Etiquetas:

segunda-feira, outubro 06, 2008

Este Mundo















Oligarquia vs Burocracia

Ao contrário dos tempos da Guerra Fria, em que as ideias e ideologias em muito escondiam desejos inconfessáveis e secretos de grupos sociais e unidades políticas, vivemos um período em que a película do político é extremamente fina, não servindo sequer para esconder o inconfessável ou o indizível.
Hoje a política faz-se recorrendo a um léxico vazio. Na Guerra Fria ouvíamos falar em Democracias Ocidentais, Populares, Não-Alinhadas e sabíamos o que eram. Hoje olhamos para o bloco hegemónico e com as suas várias tendências agregadoras, hegemonizadoras, regionalizantes e humanizantes e não conseguimos distinguí-lo do outro bloco que se lhe opõe, cheio de referências internacionalistas, justicialistas e de resistência, que opera com os mesmos aparelhos conceptuais e organizacionais do Ocidente (soberania popular, voto, empresa multinacional, direitos humanos, internacional partidária...).
Neste momento existem como formas relevantes no panorama político internacional apenas duas formulações políticas. Uma em que o Estado é um mecanismo ao serviço da sociedade civil, outra em que o Estado dirige a sociedade civil. No entanto, ao contrário do que escreve muita da politologia contemporânea, a diferença entre o primeiro tipo de organização política (a Democracia Representativa e Liberal Clássica) e a segunda, geralmente centralizada e pós-comunista, não é uma diferença de Liberdade, uma vez que a sociedade civil pode decidir, como já ocorreu, restringir as liberdades de outras parcelas da sociedade. A diferença é que embora o poder resida teoricamente na população, no primeiro caso o Estado é apenas receptáculo de inputs internos e externos, enquanto que no segundo caso este tenta condensar uma forma de bem comum na entidade estatal. Infelizmente este bem comum é apenas um pálido reflexo do que deve ser a norma política...
De um lado temos o Ocidente e as sociedades escravas da sua vontade, onde a norma política é um acto expresso dos cidadãos, embora este não seja mais que um reflexo das tendências dominantes que algumas entidades difundem para servirem os seus interesses. De outro as sociedades em que o aparelho central se apoderou de todos os recursos da sociedade e que os aplica na perpetuação de interesses da máquina e que são, quase sempre, tomados como superiores aos interesses nacionais. As empresas, os cidadãos, a justiça, tudo se encontra ao serviço da máquina estatal e não responde a nada que não seja a vontade dos que se encontram no seio da máfia monopolizada que é esta forma de Estado. A própria sucessão de chefes-de-estado é operada por cooptação da máquina estatal e na pessoa dos seus funcionários, em vez de recorrer a uma forma tradicional ou a uma personalidade nacional, como se se estivesse a escolher um Director Geral para um ministério.
No meio de tudo isto há quem prefira uma coisa a outra, a primeira forma de Estado, uma oligarquia que despreza os interesses, tradições e a Justiça das comunidades ou um Estatismo do aparelho repressivo onde as tradições e a Justiça só interessam enquanto se subordinam à classe média de onde se extraem os governantes e os milionários que vão inserir o aparelho produtivo da máquina no contexto internacional. Eu não vejo sequer resquícios de luz em qualquer das formas governativas e por isso não vejo como esta pode ser guia para saber de que lado estar nos dias de hoje. Um erro comum da direita portuguesa no passado e muito frequente no presente.

Etiquetas:

quarta-feira, outubro 01, 2008

O Mito do Aristides – Adenda

Acaba de me chegar às mãos um exemplar de “Uma Autobiografia Disfarçada” do Embaixador Hall Themido. No meio de alguns capítulos de interesse, encontra-se um capítulo dedicado à mitificação da figura de Aristides de Sousa Mendes de que transcrevo algumas passagens, de forma a que se possa compreender o que se terá passado na elaboração de uma personalidade recentemente proclamada como figura ímpar da nossa história.
Fala o autor.

“Com alguma surpresa, a meio da minha estada em Washington, talvez em 1976, a Embaixada começou a receber pedidos de informação sobre Sousa Mendes (...) Compreendi que iniciava uma campanha para enaltecer a figura daquele colega e denegrir Salazar.”

“A essa meritória tarefa de salvar judeus ficaram associadas várias das nossas Missões Diplomáticas, devendo salientar-se, por estar documentada, a acção dos Embaixadores Carlos de Almeida Afonseca Sampaio Garrido e Alberto Carlos de Lis-Teixeira Branquinho, que no seu posto, na Hungria, concederam a judeus numerosos vistos , e até asilo e passaportes de conveniência, afrontando as autoridades locais, já subjugadas pelos alemães.(...) Essa actividade era exercida de forma muito discreta , ao ponto de os nomes dos beneficiados dos vistos não serem sequer comunicados ao Ministério pelos canais habituais, para evitar que chegassem ao conhecimento dos alemães”

“De forma totalmente irrealista fala-se em trinta mil [vistos], concedidos em apenas alguns poucos dias, pelo cônsul e seus familiares, de forma cega, no Consulado e até nos cafés da vizinhança.”

“Este assunto, ressuscitado decorridos mais de trinta anos, apimentado com a “invenção” de que se tratou de um gesto de oposição ao regime, tornou-se bandeira ao serviço de todos os que criticam o Estado Novo.”

“É difícil emitir opinião sobre o que levou um funcionário com uma carreira apagada a desrespeitar instruções. Ignorando relatos britânicos que mencionavam alguns desses vistos terem sido pagos, e pondo de lado um ataque súbito de demência, fica como única hipótese credível estarmos perante alguém que compreendeu (...) que tinha de assumir as responsabilidades de salvar refugiados em perigo de vida.”

“Neste quadro, o Ministério dos Negócios Estrangeiros, a sua hierarquia de funcionários (...), bem como as leis e os regulamentos que regiam esse departamento são ignorados. Como se não existissem. O odioso recai só sobre Salazar. É esse o mito criado por judeus e pelas forças democráticas saídas do 25 de Abril.”

“Ocorre-me perguntar o que aconteceria hoje se, hipoteticamente, o cônsul de Portugal num país africano, flagelado por doenças altamente contagiosas ou a guerra, decidisse conceder vistos para Portugal por razões humanitárias e sem a necessária autorização.”

“O processo disciplinar que lhe foi movido quando era cônsul em Bordéus foi o último de vários de que foi alvo ao longo da carreira, quase sempre por abandono do posto ou concussão. Pelos vistos, Aristides de Sousa Mendes, além de viver acima dos seus meios, o que tinha reflexos nas contas consulares, gostava de abandonar os postos, sem autorização, para visitar Paris, segundo se dizia movido por razões sentimentais. Como tem acontecido em outros casos mediáticos, a maioria desses processos disciplinares desapareceu misteriosamente do Arquivo Geral...”

“E não pode deixar de surpreender a falta de empenho dos sectores interessados nesses assuntos em louvar também os Embaixadores de Portugal que, nos seus postos e cumprindo instruções, concederam vistos à grande maioria dos cerca de oitenta mil refugiados que entraram no nosso país durante o conflito.”

João Hall Themido “Uma Autobiografia Disfarçada”, Instituto Diplomático, Lisboa 2008. [pp.169-173]

Etiquetas: