segunda-feira, novembro 17, 2008

Chão de Beaconsfield















Quando Burke morreu, pediu para ser enterrado sem sepultura marcada, para que as forças revolucionárias que tomassem Inglaterra não a destruissem. Pena que não tivesse tido as mesma preocupação quanto aos seus escritos e houvesse esclarecido de forma inequívoca tudo aquilo que escreveu (o que gastaria uma outra vida).
Há por aí um conjunto de salteadores que se têm alimentado da obra de Burke para se inserirem em determinados grupos políticos e que o têm mutilado mais do que toda a jacobinaria e esquerdalho juntos. É um grupo de cavalheiros que conhece de Burke meia-dúzia de escritos da procedimentalidade política, por interposta pessoa (chegando a confundir Burke com Oakeshott) e através de citações que servem para todas as ocasiões.
A verdade é que o Burke de que falam é um Burke que nunca existiu. Falam deste como um conservador, um opositor ou um retardador da mudança. De Burke, que foi um defensor de reformas drásticas como o fim da pena de morte para os homossexuais, o fim da escravatura, a atribuição de direitos (não em sentido moderno) às populações e autoridades tradicionais do Império, a liberalização do comércio irlandês, o fim das leis contra as minorias religiosas, poder-se-á dizer tudo menos isso.
Dizer que Burke era mero apologista das tradições da sua comunidade cria um problema insolúvel. Que tradição é essa que é superior às concepções da sociedade e de que forma pode tal concepção gerar uma hierarquia de valores que permita contrapôr o ontem ao hoje?
Se Burke tivesse sido um convencionalista, um discípulo de Hume, nunca poderia ter proposto posições como as que acima são descritas. E se fosse um contratualista liberal (lockeano ou hobbesiano) não poderia ter defendido que a acção da Companhia das Índias Orientais, apesar de contractualizada pela vontade dos príncipes e administradores, poderia ser considerada criminosa pelos tribunais e pelo Parlamento, com base em princípios de Justiça não escrita e que perduram eternamente.
Sobre isto, apenas o silêncio ou a imputação a Burke de uma concepção de “razão de Estado” a que Burke dedicou um combate de doze anos (os argumentos de Jorge III para a usurpação dos direitos do Parlamento).
Fosse Burke um gradualista, um moderado, um defensor de prudência maquiavélica, e nunca teria escrito que o massacre da nobreza moderada e orleanista seria um castigo divino pela sua traição.
Burke deve ser dos autores mais falados e menos lidos do nosso tempo.

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