terça-feira, julho 08, 2008

Sinais Exteriores de Vazio















Num recente artigo de opinião João Carlos Espada fez a perfeita demonstração da inutilidade do pensamento dos conservadores-liberais. Para além de expressões de horror como “good lord”, tão enraizadas na tradição do bom povo português, JCE explica que a maravilha da tradição britânica consiste na manutenção de um conjunto de práticas do tempo em que a cortesia imperava e os modos eram doces.
Para além de uma visão distorcida da liberalidade vitoriana, o que o texto demonstra é a superficialidade dos elementos a preservar. O importante a preservar em Wimbledon ou em Ascot são os elementos exteriores, indumentárias e um certo ambiente nobiliárquico.
JCE não se insurge contra a indisciplina, contra a transformação de uma prática desportiva num negócio em que ganhar é o mais importante (sacrificando-se a honestidade ou a saúde, como nos casos de “doping”, aos resultados) ou contra a perda da verdade desportiva (a excelência da própria prática), uma vez que “numa sociedade livre, as coisas mudam, e ninguém pode controlá-las artificialmente.” O que preocupa JCE é a perda dos sinais exteriores de identidade, ainda que absolutamente desligados da nobreza da prática, como se um assassino de cartola e fraque fosse melhor que um esfarrapado.

Esta ideia de “gentlemanship”, absolutamente absorvida por maneirismos e códigos de conduta é uma ideia britânica e que se deve sobretudo à criação nobiliárquica da “Glorious Revolution”. Com a erosão da ideia e sociedade Cristãs em Inglaterra e a subordinação ao poder temporal do Cristianismo, a sociedade de obrigações morais e espirituais foi substituída por uma virtude de serviço à sociedade e por um código de conduta social sobreposto às virtudes do catolicismo. Esta habilidade de servir o Rei, mesmo contra os fundamentos cristãos, tornou-se bastante útil, sendo uma das principais armas para o aburguesamento da nobreza britânica que permitiu que esta permanecesse sem sobressaltos até ao século XX, embora absolutamente reduzida a um carácter de empregadora de província, de proprietária de “sweat shops” e despida do seu sentido primordial.

No fim do texto JCE dá-nos a chave para compreender a sua mensagem. Se deixarmos coexistir as tradições e o progresso, as pessoas vão escolher o que preferem. Esquece JCE que se assim for, nenhuma tradição existirá. Amanhã os tenistas irão para Wimbledon em roupa interior e, segundo JCE não haverá qualquer tipo de problema porque a população assim deseja.

É evidente que estamos a falar de Tocqueville e do problema da modernidade trazer consigo as sementes da destruição da sociedade, facto que só pode, segundo o autor francês, ser impedido por um conjunto de mitos religiosos, científicos, económicos que impeçam a dissolução dos laços comunitários. É nisso que JCE, com os seus incessantes apelos à tradição britânica e a sua incapacidade de aceitar qualquer elemento perene ou superior à vontade popular, tem falhado redondamente (Tocqueville é curto). Um cristianismo sem Fé, que serve apenas para manter a comunidade e o progresso económico é tudo menos a voz segura da perenidade a que Burke se referia.


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