Sociedade de Dúvidas e a Ideia Soberana
Compreendo este “post” do AAA. Agradeço como sempre o apreço, e sem me alongar quanto à minha capacidade de “assimilação de princípios” (que deixo à apreciação dos leitores deste blogue e aos amigos que conhecem as minhas deambulações intelectuais), gostaria apenas de mencionar o seguinte.
O cepticismo não gera liberalismo. Essa é uma das grandes falácias e erros do liberalismo que temos. Existem cépticos liberais, niilistas, positivistas, conservadores, relativistas-pragmáticos. O problema dá-se a um nível mais profundo. Quando se aceita o cepticismo tem de se escolher dois caminhos. A aceitação do nada (cepticismo-niilista) e as consequências anarquistas que daí advêm, ou uma segunda que tenta manter estruturas de Poder para possibilitar a vida humana. Desta segunda emergem vários caminhos. O positivismo e o conservadorismo cépticos, que aceitam o que está, a funcionalidade da sociedade, que resulta no pragmatismo, ou o liberalismo que aceita as certezas da razão humana (quer kantiana, quer lockeanamente), são formas de certeza e não de dúvida. O liberalismo opera no contexto das certezas da razão humana (de um tipo de racionalidade restrito) e não admite, da mesma forma discussão sobre os pontos fundamentais da sua doutrina. Se conhecerem um liberal articulado que defenda que não deva ser ensinado aos jovens o respeito pela propriedade, façam o favor de avisar.
A diferença é que as verdades do liberalismo são axiomáticas e dogmáticas (como em qualquer sistema de valores ou fundamento social), tendo apenas uma visão do Homem e da transcendência mais curtinha (basta ver os argumentos teológico-protestantes de Locke ou Kant para se ter uma ideia de como servem apenas para servir intentos humanos e não revelar coisa alguma).
O Liberalismo é uma dogmática envergonhada que substitui a Divina pela terrena.
Em segundo lugar, sem querer entrar em reflexões mais profundas sobre o Cristianismo, é evidente que sem pragmatismo não é possível que um Cristão (leiam os mais modernos “católicos”) se diga liberal. Não é possível porque ao aceitar a Razão Humana como soberana, terá de aceitar no seio da sociedade elementos que vão contra as premissas cristãs (aborto, casamentos homossexuais, homicídios consentidos) e afirmar que a sua rejeição é apenas uma questão de ponto-de-vista. A sociedade que não tem princípios ou que toma por princípios as crenças da maioria, não é uma sociedade sem Deus, mas uma sociedade em que a Razão Humana ou a Dúvida quanto a algo superior é tornada Norma. Não existe sociedade sem metafísica, de facto.
Continuo na minha. O problema não está nas liberdades ou nas margens prudenciais, mas na fonte das mesmas.
Quanto ao resto, conto com o André e com os restantes leitores para me ajudarem quanto ao meu laxismo intelectual. Quando acharem que determinada matéria não está bem tratada, façam o favor de deixar nota disso nas caixas de comentários. O que não é certo é afirmar que uma pessoa que aceita um conjunto de posições religiosas não tem dúvidas. Tem-nas apenas a outro nível.
Etiquetas: Conservadorismo, Modernidade
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