segunda-feira, maio 12, 2008

O Axioma da Liberdade





















Numa caixa de comentários, o Rui A. questiona de que forma se pode politicamente enunciar o Bem e o Mal. Deixo essa resposta para o fim do “post”. Mas o que é mais interessante é que o Rui A. quando escreveu sobre Jusnaturalismo Liberal o tenha feito assentando numa premissa moral que escapa completamente à percepção voluntarista do liberalismo e que assenta a sociedade num conjunto de premissas que se que se sobrepõem ao elemento voluntário.
Isto sucede precisamente porque o Rui A. sabe que é impossível que enquanto se faça a apologia da vontade individual não é possível evitar que um indivíduo ou dois contratualmente unidos, possam decidir praticar actos degradantes contra si mesmos, uma vez que a própria existência do conceito de degradação remete para uma concepção de Bem que não se encontra no liberalismo. A não ser que aceitemos como critério de Bem tudo aquilo que permite um aumento da autonomia individual, mas tal criaria um problema ainda maior para o argumento do Rui A., porque significa que tais restrições à capacidade de dispor de si são fortemente anti-liberais.
As perspectivas não são animadoras. Ou o Rui A. demonstra de que forma é possível, através dos instrumentos da autonomia, demonstrar porque razão o indivíduo não pode dispor da sua vida como deseja (ser canibalizado, eutanasiado, etc.), ou recai exactamente na mesma posição que a minha, ou seja, a necessidade de uma justificação moral para a comunidade política, o que o afasta da tradição liberal. Nisto há preto e há branco. Não há cinzentos.

O Rui A. questiona-me também sobre porque razão é que considero o liberalismo uma ideia tirânica e as liberdades que dela advêm absolutamente arbitrárias.
A razão é muito simples. Existiam, historicamente, um conjunto de liberdades (direitos e deveres) que se encontravam consagradas nas ordens políticas europeias e que foram subvertidas pelo advento do liberalismo. A um conjunto de liberdades foram sobrepostos os princípios débeis do liberalismo teórico. Fizeram-se guerras e revoluções para submeter as instituições a esses princípios. Às anteriores concepções de justiça sobrepuseram-se princípios como os da igualdade (um princípio absolutamente vazio), de uma liberdade absolutamente desligada de qualquer concepção moral (como se viu anteriormente). O pior de tudo é que não se percebeu que essa concepção se apresenta como absolutamente axiomática. Ou se aceita, como Locke, uma concepção de liberdade no Estado de Natureza, ou a coisa colapsa. Ou se aceita como Kant que a autonomia é a alma do Ser Humano e que pode servir como base de todo um sistema ético, ou não há nada para ninguém. Rejeitar estes dois axiomas, estas premissas dogmáticas (para não falar das liberais-utilitárias e liberais-progressistas, ainda mais débeis, mas cada vez mais afastadas do liberalismo) torna impossível a compreensão do sistema. Não compreender que a Locke o indivíduo pode escolher Hobbes sem prejuízo de racionalidade e civilidade, é um dos erros fundamentais do liberalismo clássico. Fica então por explicar a necessidade da Liberdade. Se queremos a Liberdade porque ela dá outras coisas, temos de explicar a imperatividade de tais finalidades. Se queremos a Liberdade em si, temos de explicar metafisicamente a imprescindibilidade da mesma. Infelizmente essa apologia da liberdade em si é oposta à perspectiva católica da nossa sociedade, o que é um grande revés para os que querem fundar uma lei liberal nos pressupostos morais da comunidade.
Isto responde à pergunta seguinte. Se a propriedade tem um valor em-si-mesma, então ou tem um carácter transcendente, ou é uma imposição de uns face a outros para obterem finalidades. Só a primeira posição é jusnaturalista, mas ainda não se viu uma explicação transcendente da propriedade.

Quanto ao último ponto, em que o Rui A. me questiona quanto à barbárie nazi, devo eu perguntar: Não foram os liberais quem proclamando as liberdades universais, permitiram a existência de escravatura? Não foram os liberais clássicos e toda a sua parafernália conceptual individualista e anti-colectivista, que permitiram que os escravos não dispusessem dos Direitos Humanos?
O problema é, evidentemente, mais complexo do que o Rui A. supõe. O problema do totalitarismo não está no desrespeito pelo individualismo e propriedade, mas no sentido é dado a esses conceitos. Muitas (quase todas) das sociedades que não divinizaram esses conceitos (os tomaram como fim-em-si), nunca incorreram na barbárie, não sendo por isso a causa da deriva totalitária.
O totalitarismo vem de algo mais profundo: a ideia de que o homem cria, segundo a sua razão e vontade, as condições e limites da sua própria existência. Exactamente o mesmo que a Ideia Nova do Liberalismo operou aquando da destruição da velha ordem, proclamando a autonomia acima da moral cristã.