segunda-feira, março 17, 2008

A Incapacidade de Ordenar













Em interessante comentário ao texto sobre Aron que escrevi há dias, o Modernista replicou com o carácter eminentemente prudencial do liberalismo. As insuficiências do liberalismo são evidentes precisamente nesse aspecto. Com uma ordenação superior, o liberalismo (a ênfase política na liberdade) poderia ser divino, ao encontrar o seu fundamento numa estrutura inscrita na ordem das coisas. Nesse caso a “liberalidade” seria uma virtude. Infelizmente não é esse o caso do pensamento moderno, uma vez que a concepção liberal de Hobbes se põe, com Maquiavel, contra a existência de verdadeira comunidade, na sua defesa da “sociedade” como mera soma pactuada de indivíduos. Desta forma, o que funciona como elemento unificador é a proposição secular e nenhuma concepção extra-humana é politicamente relevante. Não é verdade que Hobbes comporte apenas um elemento prudencial, uma vez que este se constitui como totalidade daquilo que é discutível (daí que a afirmação de que existem maquiavelismos moderados, subordinados ao Bem, como afirma o Miguel Morgado a propósito de Aron, não faça qualquer sentido, a não ser que afirmemos que os bens privados são “os bens”, o que nos remete para o problema inicial e a uma completa circularidade). Esta posição não sobrevive sem o derrube de Cristo para a instauração de uma Paz Humana, sem destruir os pressupostos necessários para reflectir sobre o justo e o bom. Não é passível de se aninhar no seio sociedade cristã, levando a uma total reformulação dos elementos fundacionais da comunidade.

É precisamente aí que entra a ideologia. Ao separar o homem dos elementos que o fazem compreender o mundo e a si próprio (a ideia de que a percepção fenomenológica é o grau mais elevado de conhecimento possível) e que lhe permitiam ordenar a sua acção segundo elementos morais (uma hierarquia de finalidades), a Modernidade tem de criar uma nova ordem, uma nova percepção da realidade. Demoraria anos a discutir com a profundidade devida estes erros. O que em traços gerais pode ser dito é que procedem a uma substituição do elemento realidade, pela “absolutização” de elementos imanentes (segurança, liberdade, igualdade). Uma vez que estes não correspondem na estrutura da realidade a elementos cimeiros, o que acontece é que grande parte da vida fica fora dessa compreensão, tendo o “ideologista” de as rejeitar como falsas.
A diferença para o sucedâneo ideológico é precisamente essa, a incapacidade de compreensão de que a observação do mundo não seja determinada pela vertente metafísica. O Cristianismo conseguiu dar uma visão do “dever ser” fundada no outro mundo, enquanto que a ideologia apenas consente “dever ser” imanente. Enquanto a Religião observa este mundo à luz do outro, a ideologia cria um filtro intramundano para observar a realidade como parte dessa grande “Revolta Egofânica” diagnosticada por Voegelin, essa epifania do homem criador de todas as coisas. O Cristão observa o mundo e onde este não coincide com o elemento externo vê “A Queda”. O “ideologista” acha que o que não coincide com a sua visão é uma mentira. O amor da mãe não existe para o comunista (é apenas uma expressão de um desígnio material) e é um assunto privado para o liberal, não tendo relevância política. Onde o Cristão pega em elementos do presente para compreender melhor o transcendente, o “ideologista” fecha os olhos aos eventos para reforçar essa fé.
Sem dúvida foi isso que Aron fez ao fundar-se no utilitarismo e ao rejeitar os “julgamentos de valor”.

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