segunda-feira, janeiro 26, 2009

Pêra Manca















Terminei hoje a leitura de “Perché Dobbiamo Dirci Cristiani” de Marcello Pera (livro aqui citado pelo André Azevedo Alves). Li-o por sugestão de amigos e para perceber, através da missiva do Papa ao autor, qual a linha argumentativa da Igreja para se “adequar ao mundo”. O livro é uma sequência de equívocos e meias-verdades sobre o Cristianismo e o Liberalismo que tem uma finalidade clara, mas um argumento de seriedade duvidosa.
Primeiro que tudo a linha argumentativa é muito semelhante à de Joseph Weiler em “Para uma Europa Cristã” e não apresenta novidades significativas, excepto uma visão mais descritiva (embora muitas vezes descontextualizada e omissa) dos fundadores do liberalismo no que respeita ao Cristianismo. Por isso o livro é quase um eco de argumentos democrata-cristãos (uma ideologia mortiça do passado) para que o Estado-laico persista com preceitos do Cristianismo.
No meio do requentamento de algumas ideias antigas, mal disfarçadas de coisa nova, um conjunto de confusões vêm à tona e sobressaem. Pera afirma que o liberalismo só existe no contexto do Cristianismo e do seu jusnaturalismo. Isso é verdade, mas esquece uma verdade mais essencial, que o liberalismo provém de uma concepção Cristã que é incompatível com o Catolicismo e que se apoia num deísmo protestante para criar um Deus que não deixa ensinamento terreno e deixa o campo da moralidade política para a racionalidade humana. Locke sabia isso ao condenar os Católicos à exclusão da sua tolerância. Infelizmente Pera gosta muito de Locke, mas esqueceu-se disso...
Este esquecimento de Pera é, porém, muito revelador. Pera propõe-se a compatibilizar o incompatibilizável e a assumir a visão política Católica como mero membro desse Cristianismo que é fundador do liberalismo (a ideologia que pretende preservar e que é o seu quadro de valores), cria uma ideia de proximidade entre o Catolicismo e Protestantismo que só é real em mentes capazes de dobrar o real à sua vontade (Pera é bem capaz disso, como se verá). Mas se é assim, porque estranha razão foi preciso derrotar militar e espiritualmente o Catolicismo na Europa para que o liberalismo se afirmasse na Europa? Afirmá-lo seria afirmar que os Papas anteriores ao liberalismo não estariam em perfeita sintonia com os verdadeiros valores Cristãos, o que diria muito sobre as reais intenções do autor.
Pera afirma querer o Jusnaturalismo Cristão como modelo de edificação europeia (à semelhança dos EUA), com vista a criar uma reserva de Direitos Fundamentais. Infelizmente, a única coisa que Pera faz é, ao bom estilo dos seus mentores deístas e racionalistas, criar um Deus que serve os seus interesses políticos (as liberdades e tolerâncias) esquecendo todo o acervo Cristão (Católico) sobre os limites à liberdade e tolerância que o autor olimpicamente ignora. Se Deus serve como referência para a inviolabilidade dos princípios políticos, talvez ignorar o acervo religioso que se está a defender talvez não seja boa ideia... a não ser que, como disse, se esteja a falar de uma religião, o Cristianismo, que é uma síntese metafísica liberal que está na cabeça do autor. Mas se entramos nesta maravilha moderna dos deuses privados, talvez não nos encontremos muito longe do “Crepúsculo dos Deuses” ou dos sonho nietzschano de muitas figuras do Reich. Que liberdade subsiste nessa visão de Deus?
Não me interessa muito a sensibilidade de Pera ao projecto político da Igreja. O autor erra e erra muito. Quando condena a Igreja não o faz porque esta não esteja a defender os princípios de Cristo, mas porque não se mantém na linha liberal. Deve ser o deus secular que lhe fala ao ouvido e mais alto que o Outro.

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