Uma Resposta ao Rui A.
Primeiro que tudo quero agradecer os elogios, apesar de eivados de injustiça para tantos tradicionalistas que vão escrevendo com qualidade na blogosfera.
Em segundo, explicar que o meu argumento não tinha nada a ver com a impossibilidade de retornar a concepções do passado. Não defendi nenhuma concepção progressista (do género "isso passou e já não volta", com que sou bombardeado frequentemente e que é um argumento ridículo). O que expliquei é que o liberalismo constitucional é um movimento morto, simplesmente porque respondia a perguntas do século XIX e se apoiava em respostas que eram meras expressões do seu tempo, não tendo, sequer o Rui, vontade de restaurar esses pressupostos. O Rui quer, como muitos monárquicos, restaurar uma carapaça que nada tem lá dentro. Só que a carapaça existia porque existia uma forma-de-vida lá dentro que a gerava, um sistema de crenças que hoje já não existe. O liberalismo clássico, o que é liberal e que dá soluções liberais, defende a propriedade acima de tudo, pela crença de que a única coisa que podemos politicamente determinar, com base num deísmo ou num protestantismo individualista, são esferas de acção individual. Mas essas crenças morreram e com elas o liberalismo, tem sido substituído pela utopia mercantilista, por formas de progressismo que acreditam que temos direitos materiais sobre o mundo, ou simplesmente pela ideia de que os direitos são garantias. Sem as crenças metafísicas que sustentaram o liberalismo, o liberalismo degenera em tudo o que não é liberal. Já alguma vez se perguntou porque estranha razão o liberalismo morreu nos EUA e hoje em dia a maioria dos liberais americanos acreditam que a finalidade do liberalismo é a properidade e não a justiça? E não é evidente que o jusnaturalismo liberal é insustentável nesses termos?É também evidente que o primeiro pensador a articular esta problemática foi Tocqueville e que os liberais que o puderam perceber mudaram radicalmente as suas preocupações. Hoje quem quer restaurar o liberalismo fá-lo no púlpito com uma visão de Deus, ou passa-se para o lado do progressismo.O séc.XIX com as suas crenças já lá vai.
Terceiro, parece-me que argumento do Rui de que o secessionismo salva vidas ou evita guerras é de clara índole progressista. Mas mais grave, o Rui assume o princípio do secessionismo como um direito. Se então uma pessoa tem direito de sair de uma ordem liberal para uma ordem socialista em razão da sua mera vontade, por que razão existem leis que não podem ser alteradas? Esta é uma pergunta simples e impossível de ser explicada. Nunca o contratualismo liberal clássico defendeu que a fórmula contratual da comunidade permitisse a ordenação contra os princípios do liberalismo (nem Locke, nem Kant, nem os Founding Fathers). Nenhum o fez pela simples razão de que a teoria contratual nunca significou que os homens vivem segundo as suas regras, mas por estarem obrigados a uma forma concreta de contrato que está na natureza das coisas.Esquecer isto é, simplesmente, não ser liberal. É ser rousseauniano, democrata, o que se quiser. Agora liberal não.
Quarto, os liberais, os verdadeiros, defendem o direito de secessão em caso de violação dos direitos naturais. O Rui nega-os e funda na vontade (como aquele economista interessante, mas pensador político irrelevante Mises), o direito de Rousseau, a possibilidade de cada pessoa ou grupo decidir o que para si deseja. Aceita o argumento dos anarquistas (Godwin, Proudon) contra todos os liberais clássicos anteriormente citados de que o contrato é válido enquanto vale a vontade. Ou seja, funda-se nos que sempre se opuseram ao liberalismo e que geraram o esquerdismo.Não há liberalismo nenhum nesses raciocínios.Com um abraço
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