quinta-feira, março 12, 2009

Abortos, Excomunhões e Benevolências

Em relação ainda ao texto anterior e sua caixa de comentários.

Corcunda,

«Todos têm o tempo que Deus lhes der para se arrependerem, mas nem todos têm a possibilidade de restituir.»
Este pai não vai restituir nada - nem parcialmente. Quando muito poderá tentar minimizar o sofrimento da filha de um outro modo, mas não lhe vai devolver uma vida em que ela não foi violada nem vai conseguir evitar todas as mazelas que um acontecimento deste tipo acarreta.

«A restituição, sempre parcial, é uma vertente da nossa forma de justiça»
O pai poderá ter de pagar perante a sociedade, mas a sua pena será uma punição - prisão, perder a custódia da filha, etc -, mas nenhum tribunal o condenará a "amar mais a filha". Sendo facto que a restituição é uma vertente da nossa forma de justiça, não é aplicável neste caso.

«A um morto nada é possível de restituir»
É uma observação interessante: estes médicos são mais dignos de excomunhão que o pai porque praticaram um crime do qual resultaram vítimas às quais nada é possível restituir. Mas, noto, a mesma observação justificaria a excomunhão de alguém que mata outra pessoa, mas não é ao assassino, no abstracto, dada a hipótese de arrependimento e redenção?, não está o assassínio fora da lista dos pecados-que-levam-com-a-excomunhão-em-cima?

Repesquemos:«A excomunhão é a sanção mais grave do Direito Canónico e só nela incorre quem (basta ver os actos tipificados para tal) rejeita a Autoridade Espiritual da Igreja, como é o caso do que decide agir em ignorância do que é a Vida Humana.»Ou seja: há uma tabela e a excomunhão é cega às motivações que levam a um determinado acto, importando apenas se este se encontra, ou não, numa das suas linhas.Mas a análise de um crime está longe de começar e acabar nas suas consequências - principalmente à luz de uma doutrina cristã. Atirem-se as motivações para a balança, se faz favor: qual a motivação dos médicos? Certos ou errados das suas opções (e não é sobre isso que quero escrever nesta discussão), o seu gesto foi de consideração pelo próximo: subtrair uma segunda violência a uma criança que já teve a sua dose. Entre a vida de duas criaturas que nunca tiveram consciência da sua própria existência e o auxílio ao sofrimento de uma outra que por cá já andava há algum tempo, eles escolheram a última.
Leandro

Caro Leandro,

Não sei se é católico ou não, mas aqui tem um problema estrutural e outro de interpretação. A restituição é uma indeminização, mas nenhuma indeminização elimina o dano. Não é verdade que o pai não possa indeminizar a filha (pode ser obrigado a dar todos os frutos de uma vida de trabalho à filha) porque pode minorar o sofrimento da filha, o que já é em si uma medida de justiça.O facto das coisas não voltarem a ser como eram não implica que não exista justiça. Esta é a questão interpretativa e lida com a Gravidade do crime, demonstrando a morte como elemento decisivo nessa escala. É, segundo uma escala de valores cristãos, um crime mais grave.

Esse ponto não é, porém, decisivo na questão da excomunhão. A excomunhão é uma pena que lida com a ausência de Norma, isto é adesão à Doutrina, sendo sanção espiritual. É aplicada a quem rejeita a autoridade doutrinária da Igreja na sua vida, através de acções. Por isso matar uma criança não é matéria para excomunhão, porque existe um conjunto de razões para que isso seja feito sem criticar o direito à vida da criança. A maior parte dos homicídios de crianças não vêm de pessoas que não defendem o direito destas a existir, mas de pessoas que têm capacidade de se arrepender por considerarem que estas têm mesmo direito a existir. Aqui chegamos ao ponto central da questão da excomunhão. Os pais da criança agiram em consciência, assim como os médicos e o que a sua consciência lhes ditou foi fazer a escolha que o Leandro referiu, preferir diminuir o sofimento de uma pessoa à custa de duas vidas (se são católicos têm de acreditar que existem vidas ali). E a Igreja defende também que a Vida Humana é independente da consciência (daí ser contra a eliminação de pessoas com problemas mentais), sendo portanto todo o raciocínio que considera a consciência relevante para essa escolha erro grave.Qualquer pessoa que Aborta em consciência está em situação de excomunhão, assim como qualquer pessoa que actue segundo essas premissas erradas. A mera decisão pública dos pais e dos médicos significa que estes estão fora das premissas da Igreja e fora da Comunhão dos Crentes. O mesmo se dirá do Leandro se tomar qualquer decisão baseada nas mesmas premissas.Já o pai da vítima, a não ser que recuse os ensinamentos da Igreja, recusando a autodeterminação sexual do indivíduo, os direitos das crianças a serem protegidas da sexualidade, tem possibilidade de se arrepender da acção. Os pais, pelo menos dentro da sua presente fórmula mental, não.

O meu argumento foi, portanto:
1. Não se pode evitar as sequelas de um crime com um de maior gravidade.
2. A excomunhão, como pena espiritual, visa as condições espirituais do arrependimento e não sondar as intenções dos homens.

É evidente que as intenções dos pais e médicos são "boas" (no sentido de benevolentes) e as do pai foram as piores (tratando a filha como um objecto). Mas em sentido nenhum a acção da Igreja é promover a benevolência desprovida do Bem Sobrenatural de Cristo. Jacobinos, comunistas e hitlerianos, todos tentaram libertar a humanidade através dos seus crimes, escolhendo eles o que seria o Bem. A Igreja portadora de uma Doutrina sobre o Homem e o Ser não é a Religião Egípcia que julga pela "leveza do coração", mas portadora de uma Palavra de Perdão que só é possível pela aceitação da Mensagem de Cristo, facto que implica a submissão aos seus princípios. Sem essa adesão, nenhum Bem é possível e as boas intenções vão enchendo o Inferno.

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