quarta-feira, setembro 24, 2008
terça-feira, setembro 23, 2008
O Novo Estado Total
Mesmo para alguém que não é fascinado pelos mercados e pelo papel providencial dos actores privados na sociedade e na política, não deixa de ser assustadora a ofensiva estatista dos últimos dias. A presente crise económica internacional é apresentada como desculpa para todos os devaneios estatolátricos, todos os sonhos de centralização progressiva da economia e todos os que crêem que sonham com a ordenação totalitária da vida das pessoas sob a grande justificação do bem-estar individual.
É evidente que a presente crise é um resultado da péssima acção do Estado, que tem permitido que a vida económica das populações se jogue na sorte de investimentos de elevado risco e bastante desligado da sua capacidade de criar riqueza real. O Estado errou, claramente, por omissão, ao permitir que os bancos jogassem o dinheiro que lhes foi confiado, quase sem reservas, em autênticos jogos de azar.
O problema não está, como é fácil de ver, na existência de entidades privadas, mas na possibilidade que é dada aos privados de utilizar indiscriminadamente dinheiro que foi confiado a essas entidades privadas com expectativas bem diferentes. Se os clientes dos bancos soubessem que o seu depósito mensal iria ser jogado em negócios com risco superior à roleta iriam eles mesmos ao Estoril aproveitar as bebidas gratuitas.
O problema é que se tem vindo a acentuar a ideia de que este erro do Estado, a sua inoperância perante a especulação mais abjecta (quem já ouviu falar das pirâmides e círculos de dinheiro enquanto forma de enriquecimento pode perceber bem do que se está a falar), deve ser contrabalançada através do Estado, essa instituição à prova de falência. Pensões e poupanças, investimentos, tudo o que teria o selo estatal seria inexpugnável.
A ideia é humorística. Toda a gente percebe que no caso dos investimentos do Estado não correrem bem, quem irá pagar a factura será o contribuinte. E diga-se em abono da verdade que apostar nos nossos governantes para escolherem os investimentos que nos garantirão a velhice é uma irracionalidade a toda a prova. Esta ideia de que o Estado pode garantir o futuro da população, mesmo que esta nada produza, remete-nos para os devaneios esotérico-materialistas do velho amigo de Engels.
No fim de tudo e se o contribuinte não conseguir pagar os maus investimentos do Estado, haverá lugar a uma penhora do país, para que os que contribuiram possam receber aquilo que esperam.
Esta ideia de que o Estado pode resolver todos os problemas é só mais uma das mentiras que vamos ouvindo todos os dias repetidas e que vão passando por verdades. Mas o que é feito dos nossos liberais que deveriam estar a defender a liberdade económica, mesmo quando esta se traduz em menor bem-estar material? Ah, estão no PSD a dizer que o liberalismo vai trazer riqueza para o país! A pensar no dia de ontem, portanto...
Etiquetas: Comunismo e Socialismo
segunda-feira, setembro 22, 2008
A República Segundo Fernando Pessoa
(...) E o regimen (a república) está, na verdade, expresso naquele ignóbil trapo que, imposto por uma reduzidíssima minoria de esfarrapados mentais, nos serve de bandeira nacional - trapo contrário à heráldica e à estética, porque duas cores se justapõem sem intervenção de um metal e porque é a mais feia coisa que se pode inventar em cor. Está ali contudo a alma do republicanismo português - o encarnado do sangue que derramaram e fizeram derramar, o verde da erva de que, por direito natural, devem alimentar-se. (...)
"Da República" de Fernando Pessoa Editora Ática, Lisboa, 1978
Retirado de O Centenário da República
Etiquetas: Monarquia
quarta-feira, setembro 17, 2008
Os Culpados do Divórcio
Esta ideia do Divórcio sem culpa é muito divertida. As obrigações de um casamento passam a estar condicionadas pela vontade dos indivíduos em fazê-las prevalecer. O casamento passa assim a ser um contrato em que os contratantes se encontram vinculados apenas enquanto assim o desejam. Se os cônjuges decidem violar o contrato, basta-lhes, a qualquer momento, denunciar o contrato, regressando assim a um momento de liberdade. Já não há contrato de casamento... é mais um Protocolo!
Anda muita gente chocada com a coisa. O PSD e o CDS criticam esta nova forma de articular juridicamente a sociedade, esquecendo que o mesmo princípio de liberdade já existe em relação a obrigações igualmente importantes. Com a sanção dos referidos partidos, não existe nenhuma pena para um progenitor que abandone os filhos e resolva fazer com que o Estado os tenha de educar. Quem dá os filhos à adopção não tem de dar justificação à comunidade. O pobre que dá os filhos à adopção por não os poder educar ou o rico que acha que os filhos são um empecilho, são iguais perante a lei. O igualitarismo levado aos píncaros da injustiça.
Cá estaremos, Deus permita, para ver a forma como o PSD irá fazer retroceder o mesmo princípio, quando for governo, e acabar com o Aborto pago pelo contribuinte. Irá certamente acabar também com o aborto segundo os desejos da mulher e injustificado.
Mas o que realmente me dá vontade de rir é o voto de Matilde Sousa Franco, que continua a achar que o Estado Social é o essencial e o Aborto, a Família, os Deveres que todos os seres humanos têm para com os seus, são o acessório. A Sra. Deputada mantém-se convencida de que o Socialismo é uma ideia inocente e bem intencionada de redistribuição social de riqueza, mesmo enquanto o PS destrói todos os elementos civilizacionais essenciais do Cristianismo. Vota contra, ignorando ser esta uma das decisões mais viscerais dos seus companheiros de bancada, apostados na criação de uma sociedade realmente “livre”, onde uma pessoa só é pai, filho ou marido na medida dos seus desejos.
Há quem lhe chame Catolicismo Progressista. Eu chamo-lhe apenas confusão.
Etiquetas: Aborto, Comunismo e Socialismo, Direita
sexta-feira, setembro 12, 2008
Abril é Holocausto!
No dia 13 de Abril o Prof. António Barreto publicou um artigo sobre o livro de Américo Cardoso Botelho “Holocausto em Angola”. O livro descreve aquilo que já se sabe. Dos tribunais populares em que se linchava às dezenas, a prisões e torturas de anos a sujeitos sem culpa formada, a estádios de futebol cheios onde, ao bom estilo talibã, se julgavam e executavam a tiro os traidores, perante a passividade das autoridades abrilinas e dos mandantes locais.
Os crimes cometidos nos Balcãs são ninharias, quando comparados com esta história de sucesso. Porém, ao invés de responderem pelos seus crimes, os responsáveis por estes passeiam-se impunemente entre nós, são convidados para organizações internacionais (relembre-se que o MPLA tem estatuto de observador na Internacional Socialista) e são congratulados pela contínua manutenção do Poder.
Reproduzo aqui integralmente o texto do Prof. António Barreto (os negritos são meus), endereçando-lhe os maiores parabéns pela coragem com que se lança a todos, o Regime inteiro, os que pactuaram com esta situação. Só peca por tardio...
“Angola é Nossa!” António Barreto – Público
Só hoje me chegou às mãos um livro editado em 2007, Holocausto em Angola, da autoria de Américo Cardoso Botelho (Edições Vega). O subtítulo diz: 'Memórias de entre o cárcere e o cemitério'. O livro é surpreendente. Chocante. Para mim, foi. E creio que o será para toda a gente, mesmo os que 'já sabiam'. Só o não será para os que sempre souberam tudo. O autor foi funcionário da Diamang, tendo chegado a Angola a 9 de Novembro de 1975, dois dias antes da proclamação da independência pelo MPLA. Passou três anos na cadeia, entre 1977 e 1980. Nunca foi julgado ou condenado. Aproveitou o papel dos maços de tabaco para tomar notas e escrever as memórias, que agora edita. Não é um livro de história, nem de análise política. É um testemunho. Ele viu tudo, soube de tudo. O que ali se lê é repugnante. Os assassínios, as prisões e a tortura que se praticaram até à independência, com a conivência, a cumplicidade, a ajuda e o incitamento das autoridades portuguesas. E os massacres, as torturas, as exacções e os assassinatos que se cometeram após a independência e que antecederam a guerra civil que viria a durar mais de vinte anos, fazendo centenas de milhares de mortos. O livro, de extensas 600 páginas, não pode ser resumido. Mas sobre ele algo se pode dizer.
O horror em Angola começou ainda durante a presença portuguesa. Em 1975, meses antes da independência, já se faziam 'julgamentos populares', perante a passividade das autoridades. Num caso relatado pelo autor, eram milhares os espectadores reunidos num estádio de futebol. Sete pessoas foram acusadas de crimes e traições, sumariamente julgadas, condenadas e executadas a tiro diante de toda a gente. As forças militares portuguesas e os serviços de ordem e segurança estavam ausentes. Ou presentes como espectadores.A impotência ou a passividade cúmplice são uma coisa. A acção deliberada, outra. O que fizeram as autoridades portuguesas durante a transição foi crime de traição e crime contra a humanidade. O livro revela os actos do Alto-Comissário Almirante Rosa Coutinho, o modo como serviu o MPLA, tudo fez para derrotar os outros movimentos e se aliou explicitamente ao PCP, à União Soviética e a Cuba. Terá sido mesmo um dos autores dos planos de intervenção, em Angola, de dezenas de milhares de militares cubanos e de quantidades imensas de armamento soviético. O livro publica, em fac simile, uma carta do Alto-Comissário (em papel timbrado do antigo gabinete do Governador-geral) dirigida, em Dezembro de 1974, ao então Presidente do MPLA, Agostinho Neto, futuro presidente da República. Diz ele: 'Após a última reunião secreta que tivemos com os camaradas do PCP, resolvemos aconselhar-vos a dar execução imediata à segunda fase do plano. Não dizia Fanon que o complexo de inferioridade só se vence matando o colonizador? Camarada Agostinho Neto, dá, por isso, instruções secretas aos militantes do MPLA para aterrorizarem por todos os meios os brancos, matando, pilhando e incendiando, a fim de provocar a sua debandada de Angola. Sede cruéis sobretudo com as crianças, as mulheres e os velhos para desanimar os mais corajosos. Tão arreigados estão à terra esses cães exploradores brancos que só o terror os fará fugir. A FNLA e a UNITA deixarão assim de contar com o apoio dos brancos, de seus capitais e da sua experiência militar. Desenraízem-nos de tal maneira que com a queda dos brancos se arruíne toda a estrutura capitalista e se possa instaurar a nova sociedade socialista ou pelo menos se dificulte a reconstrução daquela'.
Estes gestos das autoridades portuguesas deixaram semente. Anos depois, aquando dos golpes e contragolpes de 27 de Maio de 1977 (em que foram assassinados e executados sem julgamento milhares de pessoas, entre os quais os mais conhecidos Nito Alves e a portuguesa e comunista Sita Valles), alguns portugueses encontravam-se ameaçados. Um deles era Manuel Ennes Ferreira, economista e professor. Tendo-lhe sido assegurada, pelas autoridades portuguesas, a protecção de que tanto necessitava, dirigiu-se à Embaixada de Portugal em Luanda. Aqui, foi informado de que o vice-cônsul tinha acabado de falar com o Ministro dos Negócios Estrangeiros. Estaria assim garantido um contacto com o Presidente da República. Tudo parecia em ordem. Pouco depois, foi conduzido de carro à Presidência da República, de onde transitou directamente para a cadeia, na qual foi interrogado e torturado vezes sem fim. Américo Botelho conheceu-o na prisão e viu o estado em que se encontrava cada vez que era interrogado.
Muitos dos responsáveis pelos interrogatórios, pela tortura e pelos massacres angolanos foram, por sua vez, torturados e assassinados. Muitos outros estão hoje vivos e ocupam cargos importantes. Os seus nomes aparecem frequentemente citados, tanto lá como cá. Eles são políticos democráticos aceites pela comunidade internacional. Gestores de grandes empresas com investimentos crescentes em Portugal. Escritores e intelectuais que se passeiam no Chiado e recebem prémios de consagração pelos seus contributos para a cultura lusófona. Este livro é, em certo sentido, desmoralizador. Confirma o que se sabia: que a esquerda perdoa o terror, desde que cometido em seu nome. Que a esquerda é capaz de tudo, da tortura e do assassinato, desde que ao serviço do seu poder. Que a direita perdoa tudo, desde que ganhe alguma coisa com isso. Que a direita esquece tudo, desde que os negócios floresçam. A esquerda e a direita portuguesas têm, em Angola, o seu retrato. Os portugueses, banqueiros e comerciantes, ministros e gestores, comunistas e democratas, correm hoje a Angola, onde aliás se cruzam com a melhor sociedade americana, chinesa ou francesa.
Para os portugueses, para a esquerda e para a direita, Angola sempre foi especial. Para os que dela aproveitaram e para os que lá julgavam ser possível a sociedade sem classes e os amanhãs que cantam.Para os que lá estiveram, para os que esperavam lá ir, para os que querem lá fazer negócios e para os que imaginam que lá seja possível salvar a alma e a humanidade. Hoje, afirmado o poder em Angola e garantida a extracção de petróleo e o comércio de tudo, dos diamantes às obras públicas, todos, esquerdas e direitas, militantes e exploradores, retomaram os seus amores por Angola e preparam-se para abrir novas vias e grandes futuros. Angola é nossa! E nós? Somos de quem?
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segunda-feira, setembro 08, 2008
A Wasteland em Festa
Soube da morte de Solzhenitsyn através dos canais de televisão portugueses. Ouvi as habituais alarvidades de fanatismo religioso, nacionalismo exacerbado e falta de adequação ao seu tempo, que acompanham a morte de todos os que se recusam a acreditar na “liturgia dos bens de consumo” e que não deixaram em vida que os condenassem à campa rasa e não-assinalada.
Como nota o Prof. MCH, o que mais espanta nestas críticas é a forma leve e subtil como o Ocidente se transformou em sinónimo de soberania popular e economia de mercado, sendo que um autor profundamente ocidental como Solzhenitsyn possa passar por exótico orientalista. Onde não mande a pornografia como expressão de liberdade individual, onde se imponha um critério justo acima dos caprichos da população, onde não esteja o poder submetido aos desejos das massas populares e dos seus mitos, encontrar-se-á um opositor da sociedade ocidental (que é, como se está mesmo a ver, uma realidade com 20 ou 30 anos).
Pouca coisa nos separa hoje em dia da política dos países pós-comunistas. Como escreveu Hitchens, a propósito da Bielorrússia, onde anteriormente os líderes comunistas eram incensados através de biografias que atestavam o seu serviço em prol do povo, ou possuíam obra teórica que atestava a sua capacidade de compreender os desejos populares, o líder pós-comunista não tem de fazer qualquer prova de legitimidade, apenas assegurar-se de que a máquina se mantém em funcionamento e que ele se mantém com a capacidade individual de manter as coisas dessa forma, através do magnetismo que a suas excentricidade pessoal conduz. Os nossos líderes, da mesma forma, também se especializaram na arte de não fazer nada e da instrumentalização do diálogo público para os seus fins privados. Em Portugal ou nos Estados Unidos, discute-se apenas quem consegue dar mais recursos à população. O próprio capitalismo, a habitual maneira de viver americana, vai sendo argumentado em termos de benefícios económicos (à maneira social-democrata) e não enquanto modus vivendi. Não admira que o Estado Social seja a grande proposta de Republicanos e Democratas, ainda que mascarado de compaixão ou solidariedade nacional.
Enquanto isso, assistimos atónitos ao escrutínio das vidas privadas e amorosas dos nossos líderes, às top-models que lhes povoam os leitos, aos peluches que lhes povoam as mesas-de-trabalho, à rigorosa análise genética dos seus antepassados, aos pecados irrelevantes que lhes povoam o percurso.
Alguma vez se perguntaram porque é que o Estado Democrático convive de forma tão fácil com a apologia homicida da Festa do Avante ou porque é que a Festa do Avante convive tão bem com as multinacionais de fast-food que aí vendem os seus produtos?
sexta-feira, setembro 05, 2008
O Fim do Episódio
Escreveu-se muito sobre o neoconservadorismo. Revolucionário, refrescante, uma nova abordagem, tudo serviu para o descrever. Alguns, porém, viram bem o podre da coisa, uma vestimenta conservadora (o modo anti-social, pró-militar e anti-internacionalista) numa alma radical (uma agenda militar democratizante e progressista) e subordinada a todas as bandeiras da esquerda do século XX. Os neocons sempre aceitaram o léxico e os desejos da esquerda (a autonomia, a liberdade irreligiosa), mas mascararam-se ao defenderem elementos anti-utópicos aprendidos na “Democracia na América”.
É claro que muita palonçada correu atrás disso. Podiam assim enconstar-se aos mitos da esquerda em que se formaram e aprenderam a sua única linguagem (dos direitos e das liberdades) e viver a vida encostados à burguesia que sempre desejaram.
Agora que se ministram os últimos sacramentos ao movimento, é fácil observar o vazio de toda a construção. Uns prostram-se, como era sua missão, ao serviço do Poder que vem. Portugal também tem muitos destes. Absorvidos com a máquina, acham que tudo por esta passa e que a solução passa pelo poder. Despiram-se das roupagens da direita e agora unem-se na adoração ao próximo senhor do mundo, ao multilateralismo, e às políticas sociais.
Outros mantêm-se como senhores da guerra, mesmo depois de demonstrado o erro das ideias que lhe deram origem. Estão ao nível da rapaziada que ainda louva os campos de trabalho soviéticos porque recebeu um subsídio no tempo do Companheiro Vasco.
A única coisa que os neoconservadores deixam no pensamento conservador é o vazio que marca a sua partida e a confusão conceptual que deixaram nesse campo.
Finalmente o líder dos Republicanos é tão social-democrata como o do Democrata...
Etiquetas: Conservadorismo