segunda-feira, setembro 08, 2008

A Wasteland em Festa

Soube da morte de Solzhenitsyn através dos canais de televisão portugueses. Ouvi as habituais alarvidades de fanatismo religioso, nacionalismo exacerbado e falta de adequação ao seu tempo, que acompanham a morte de todos os que se recusam a acreditar na “liturgia dos bens de consumo” e que não deixaram em vida que os condenassem à campa rasa e não-assinalada.
Como nota o Prof. MCH, o que mais espanta nestas críticas é a forma leve e subtil como o Ocidente se transformou em sinónimo de soberania popular e economia de mercado, sendo que um autor profundamente ocidental como Solzhenitsyn possa passar por exótico orientalista. Onde não mande a pornografia como expressão de liberdade individual, onde se imponha um critério justo acima dos caprichos da população, onde não esteja o poder submetido aos desejos das massas populares e dos seus mitos, encontrar-se-á um opositor da sociedade ocidental (que é, como se está mesmo a ver, uma realidade com 20 ou 30 anos).
Pouca coisa nos separa hoje em dia da política dos países pós-comunistas. Como escreveu Hitchens, a propósito da Bielorrússia, onde anteriormente os líderes comunistas eram incensados através de biografias que atestavam o seu serviço em prol do povo, ou possuíam obra teórica que atestava a sua capacidade de compreender os desejos populares, o líder pós-comunista não tem de fazer qualquer prova de legitimidade, apenas assegurar-se de que a máquina se mantém em funcionamento e que ele se mantém com a capacidade individual de manter as coisas dessa forma, através do magnetismo que a suas excentricidade pessoal conduz. Os nossos líderes, da mesma forma, também se especializaram na arte de não fazer nada e da instrumentalização do diálogo público para os seus fins privados. Em Portugal ou nos Estados Unidos, discute-se apenas quem consegue dar mais recursos à população. O próprio capitalismo, a habitual maneira de viver americana, vai sendo argumentado em termos de benefícios económicos (à maneira social-democrata) e não enquanto modus vivendi. Não admira que o Estado Social seja a grande proposta de Republicanos e Democratas, ainda que mascarado de compaixão ou solidariedade nacional.
Enquanto isso, assistimos atónitos ao escrutínio das vidas privadas e amorosas dos nossos líderes, às top-models que lhes povoam os leitos, aos peluches que lhes povoam as mesas-de-trabalho, à rigorosa análise genética dos seus antepassados, aos pecados irrelevantes que lhes povoam o percurso.
Alguma vez se perguntaram porque é que o Estado Democrático convive de forma tão fácil com a apologia homicida da Festa do Avante ou porque é que a Festa do Avante convive tão bem com as multinacionais de fast-food que aí vendem os seus produtos?