Duas DireitasO
Miguel Castelo Branco dirigiu um
texto a todos aqueles que se revêem na Direita e que lança alguns tópicos interessantes sobre o lugar da tradição e do conservadorismo portugueses no presente diálogo político europeu.
Não me interessa muito discutir epítetos ou rótulos e por isso abster-me-ei de discutir responsabilidades históricas no que respeita a tudo o que aconteceu em Portugal nos últimos dois séculos.
A primeira coisa que salta à vista no texto do Miguel é que aquilo com que este se insurge. O problema da Direita, segundo o Miguel, é que se encontra fora do debate político presente, estando por isso frustrada nas suas capacidades e impedida de dar o seu contributo na preservação da sociedade. O ponto é interessante, recorrente e uma das consequências mais evidentes da inversão maquiavélica no pensamento político. A primazia da acção acima das finalidades é uma das marcas de certa direita. Curiosamente, esta é a marca essencial das direitas que tiveram hipótese de governar Portugal e que o fizeram, com sacrifício de tudo aquilo a que apelavam. A estratégia frequente foi a do conservadorismo social, a manutenção das estruturas e elites do status quo através da ameaça da “direita moralona”, do “tempo da outra senhora”, ainda que para isso, para “parecer moderno”, se assinasse de cruz todas as propostas, mesmo as mais disparatadas, do progressismo. Essa Direita, a da manutenção dos privilégios independentemente do regime, representa aquilo que é mais perigoso na nossa sociedade. As verdades em surdina, o esquema, o desconhecimento de quaisquer finalidades que não a satisfação grupal e de casta, disfarçadas de progressismo...
Ao contrário do que se pode ler no texto do MCB, foi essa Direita, bem acolitada pela Igreja Portuguesa assim que teve lugar à mesa do banquete, que deixou cair as grandes questões (a matriz civilizacional de Portugal, o seu carácter universal e finalidades cristãs) e se concentrou nas pequenas. Na impossibilidade da manutenção das finalidades cristãs dentro do paradigma liberal, concentrou-se na manutenção de estruturas sociais herdadas do período cristão.
É evidente que isto é um erro, mas foi precisamente por ter assumido a posição do Miguel e não a inversa. Ao tomar a inserção política como elemento essencial, a Direita cá do burgo desprezou tudo o que sustentava a sua luta. E por isso em Portugal há uma direita para cada paladar. Os negócios, os valores desnatados, o pró-americanismo mais subserviente, o patriotismo mais difuso ou confuso, tudo acaba por caber nessa caixa desprovida de rótulo ou critério de inclusão.
Se só uma sociedade que tem a capacidade de mudar, tem a possibilidade de se conservar, como afirmou Burke, o dever da Direita, dos conservadores ou daqueles que vêem na tradição a forma de compreender o seu lugar no mundo é compreender o que salvar. Toda a mudança ou caminha nesse sentido, ou vai no sentido inverso. Afirmar que se deve ser a favor do que se pretende combater (a eliminação dos obstáculos à vontade individual, a redução da escolha ao carácter privado da mesma, a luta para que tudo tenha o mesmo valor moral ou que este coincida com as conveniências da política da época) com o mero propósito de se inserir na decisão presente sobre a sociedade é o mesmo que afirmar que é mais importante falar do que aquilo que se pretende dizer. Esse é o erro estrutural dos conservadores portugueses e de muitos por essa Europa fora que, ansiosos por serem figuras de proa na sociedade, se transformaram em meros veículos da vontade popular. Para isso já lá estão os outros...
Etiquetas: Conservadorismo, Direita