As Coisas Mais Estranhas
Num país onde a heterodoxia é a única norma, a Direita não consegue escapar ao gigantesco absurdo de se colar a rótulos e prescindir do pensamento, tornando-se apenas uma forma diferente de fazer a mesma política sem sentido que os mestres do regime querem hegemonizar.
Há dias falava com um amigo sobre este triste período eleitoral. Ainda que católico e estruturalmente anti-abrilino, esteve meia-hora a fazer uma apologia das maravilhas do poder autárquico, do seu carácter subsidiário (um chavão de certos católicos para simular encontrar a DSI no mundo de hoje) e da sua democracia-directa, a relembrar-me a notável tradição municipalista do Reino.
A confiança que tenho com ele desinibiu-me para uma informal gargalhada. Perguntei-lhe que raio de autarquia é essa que não vive dos seus próprios meios, mas de um bolo distribuído por uma entidade central. Que “autarkhea” é essa que vive de outros, que não se encontra limitada pela própria capacidade de gerar recursos? É evidente que nenhuma subsidiariedade existe ou nenhuma descentralização é possível sem recursos próprios e autónomos.
Quanto à democracia-directa, quando é realizada com dinheiro de outros, tem o nome de socialismo. Onde se vota por algo que não pertence ao estrito domínio das posses dos votantes, acaba sempre por se admitir o crescimento exponencial das competências da mesma. O dinheiro com que as Câmaras constroem habitações sociais é do Estado Central… Está-se mesmo a ver os cidadãos a rejeitar uma free-ride aparente, em nome das empresas e postos de trabalho da zona!...
Falar-se desta palhaçada como algo de tributário da tradição municipalista portuguesa não é apenas insultuoso, mas demonstra uma vontade de participação na brincadeira democrática que é ridícula. Na tradição municipalista portuguesa o carácter contributivo da política local impedia que o Estado adquirisse carácter assistencialista, confundisse o privado e o público, extravasasse as competências de que estava investido. Com actual sistema de administração local de recursos centrais, florescem os Jardins, os Loureiros e as Felgueiras, autênticos eucaliptos que secam o erário endividam o Estado para a sua manutenção no Poder.
É uma tradição nova, com certeza.
Etiquetas: Direita
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