sexta-feira, março 28, 2008

O Portugal Vulgarizado









Há tempos, como forma de salvação da minha alma, gravei um daqueles programas de Clara Ferreira Alves e de Mário Soares. Como penitência não foi grande coisa, mas como programa humorístico valeu a pena. Para além dos habituais disparates vazios como “sou de esquerda porque acredito no Homem, na pessoa humana, nos valores, na liberdade e igualdade possível. Não acredito no dinheiro, nem no sucesso... isso são valores menores”, ou da reafirmação do sonho esquerdista “no futuro, no dia de hoje e no de amanhã, sobretudo”, recebemos de Mário Soares uma prova mais que evidente da sua visão simples e boçal da política.
Diz a grande referência da esquerda:

“Estamos num Estado democrático, num Estado de Direito e estamos aqui junto ao Parlamento, que é um dos órgãos mais fundamentais da representação nacional, da democracia portuguesa e do Estado de Direito. Nestes últimos anos, por via do neoliberalismo, temos vindo a assistir progressivamente a muitas pessoas a dizer «é preciso menos estado, nós não queremos Estado, queremos é os privados». (...) Eu não aceito o desaparecimento do Estado, porque é muito bonito dizer menos Estado, temos Estado a mais, vamos para os negócios, vamos ganhar dinheiro... Mas ganhar dinheiro quem? Só uma classe muito privilegiada. (...)”

Sublime aula. Há os que defendem o Estado e depois há outros que defendem menos Estado, que são iguaizinhos aos que dizem que o Estado deveria acabar. Os arqui-inimigos de Soares são, no fim de contas, todos aqueles que querem menos Estado (como ele quando reprivatizou a banca), na sua aliança com os que querem acabar com o Estado. Suspeito que a perigosa ameaça venha dos 0,00001% de portugueses que já tenham lido alguma obra de Rothbard. Perigosa fronda...

Mas o grande momento vem numa visita ao complexo industrial de Sines, em que Soares afirma que o projecto já vinha dos tempos de Marcello Caetano, mas que infelizmente o Presidente do Conselho tinha apenas uma “visão economicista” do mundo. Fiquei triste. Pensava que tinha sido o socialismo a defender a visão economicista do mundo e desconheço qualquer escrito de Marcello Caetano em que este defenda o primado do económico. Dos inúmeros defeitos da figura, creio que esse não conta para a estatística. Para além disso, toda a gente conhece a obra de Caetano, ainda hoje importante na análise jurídico-constitucional. De Mário Soares, auto-proclamado humanista, existe um livro desaparecido sobre Teófilo Braga, o triste Portugal Bailloné e dezenas de livros, entrevistas e reflexões biográficas sobre si próprio.

É a cara desta República.

Etiquetas: