O Ser e o Qualquer Coisa
Li, com a devida atenção, o texto do Prof. José Adelino Maltez a propósito do meu texto anterior. Desde logo gostaria de agradecer os elogios do Professor, que muito me envaideceram, por provirem de um “ídolo” da minha adolescência. Qualquer elogio que possa tecer ao Professor Maltez será sempre uma repetição e uma redundância, dispensando-me esse facto da enumeração de virtudes que todos conhecem.
Tenho de voltar, porém, à mesma questão. Uma questão que não é apenas o aborto, mas que reflecte a nossa sociedade e a forma como (não) encaramos os problemas morais do nosso tempo. Teremos de partir dela para obter a sinopse do problema…
A questão essencial da problemática do aborto é a não existência de duas posições sobre o problema!
Existe, neste momento, uma posição sobre a questão. A posição conglomera-se em torno da concepção Cristã de Vida Humana. Mais do que isso, conglomera-se em torno de uma posição sobre a Vida. Tem um argumento, discutível, acerca do início da Vida, na formação do Ser Humano.
Em contraponto existe uma não-posição! Não existe uma proposta alternativa (seja ela científico-materialista, religiosa ou filosófica, sequer) que defenda outro tipo de concepção de Vida Humana. O que observamos nos pró-aborto é a defesa de algo mais abjecto… ser pró-escolha! O pró-escolha não tem de decidir, de propor, de ter uma concepção alternativa. Para o pró-escolha não tem de existir um horizonte moral!
Um “multiculturalista”, por exemplo, diria que se deveria fazer prevalecer a visão da comunidade onde o indivíduo se insere. Aceitaria que a decisão se deveria fazer equacionando a posição da sociedade (a concepção fundamentada na constituição da sua própria sociedade, tomada como horizonte moral) e a acção do indivíduo. Nada disso se pode afirmar a respeito do “pro-choice”. O pro-choice não é um tradicionalista (como o multiculturalista é a favor de todas as tradições, muitas vezes de todos menos da sua). O pró-escolha é um atomista convicto! Defende a religião da Vontade e do Indivíduo!
A defesa pró-escolha defende, simplesmente a autonomia do indivíduo para determinar o que é a Vida Humana e até mesmo a autonomia de agir em absoluto desrespeito pela sua própria concepção de Vida Humana. Defende ainda a suprema loucura de afirmar que uma pessoa pode, simplesmente, estar-se a “borrifar” para a Vida Humana.
Defende assim que uma pessoa pode considerar a Vida Humana pode começar aos 65 anos, ou que pode considerar que a vida começa às 10 semanas de gestação, mas, por uma vontade momentânea decide matar (na sua própria concepção) o Ser Humano sobre o qual é responsável.
Pior que isso existe a terceira opção, que é a pessoa que se não pensa sequer nas repercussões das suas acções e por isso age apenas segundo a sua vontade, estando apenas restringida pela Lei! E se esta quiser abortar apenas para se vingar da pureza de uma criança que ainda não nasceu, ninguém pode fazer nada para o impedir!
O problema, que muitos negam, é que uma sociedade deve sempre definir os seus fundamentos, ao contrário das nossas sociedades que consideram a organização político-legal como simples resultado das vontades de seus membros!
Essa sociedade não se encontra blindada, porque não tem nenhum fundamento último!
Sendo um simples resultado de concepções privadas, não tem qualquer possibilidade de se blindar a concepções erradas (até porque não acredita que elas existam).
A Vida apresenta-se, então, como uma frágil concepção, destinada a desaparecer, num tumulto hedonista-utilitário! Basta ver-se o ataque, por via marxista ou progressista, que é movido à concepção de inviolabilidade da Vida, onde se defende que algumas pessoas, não tendo capacidades económicas para serem pais, podem, legitimamente, terminar uma gravidez! E basta ver-se como esta teoria abjecta está difundida na nossa sociedade…
Não se abeira do problema! Não observa onde há ou não um direito à Vida a defender, mas apenas a forma como pode ou não “dar jeito” o nascimento! O mesmo raciocínio se poderá efectuar (não dispondo de uma concepção fixa de Vida Humana, nem nos preocupando com isso) a propósito dos Judeus, Ciganos, pessoas com mais de 65 anos, Católicos (como fez o Marquês de Sade à população da Vendeia, ao defender o extermínio dessa espécie sub-humana).
Como começámos por dizer, a questão de que falámos não é apenas a questão do aborto! É bem mais que isso! É a forma como não se apresenta nenhuma alternativa à concepção Cristã de Vida Humana. E por isso não há uma qualquer obsessão sobre o aborto… Existe apenas a compreensão de que ela é questão paradigmática na compreensão dos erros da nossa sociedade, erros que são, em grande medida, da mesma natureza que o que apresentámos!
Uma concepção, contra uma não-concepção, uma narrativa cultural (que permite concordância ou discordância), contra um o atomismo (onde o indivíduo não dispõe de uma concepção social para concordar ou discordar, mas apenas de vontade ensimesmada)…
O Ser contra o Nada!
Etiquetas: Aborto, Pensamento Tradicional
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