quarta-feira, março 02, 2005

Visto Daqui

O Problema Conservador (I)

Mesmo nos tempos imediatamente seguintes à Revolução Francesa a reacção conservadora seguiu em variados caminhos. Nalguns movimentos prosseguiu o caminho anti-moderno, noutros procurou um diálogo de contenção com as ideias modernas, noutras ainda prosseguiu uma ou outra ideia central absolutizada.
É esta cisão fundamental que dá ao conservadorismo grande parte da sua indefinição, bem como grande parte das confusões na sua análise.

Sobre a primeira vertente falar-se-á posteriormente e com maior detalhe posteriormente, pois é dela que provém grande parte das análises que aqui expomos com maior frequência.

A segunda vertente que aqui mencionámos é a origem da grande parte das reflexões sobre o conservadorismo com que nos deparamos habitualmente. Uma forma de pensamento que se baseia num conjunto de premissas que focam essencialmente a descrença no racionalismo. É desse cepticismo e de uma postura de “contenção” face às posições modernas que surge o conservadorismo-liberal.
Com a desilusão face à Revolução, com a constante instabilidade governativa, com o agravamento das crises sociais, surge uma solução conciliatória. É esta concepção híbrida que se forma como solução a essa crise. Uma solução conciliatória em que a preocupação com os fundamentos para a ordem foi preterida em favor das teses contratualistas, ou por um cepticismo pragmático. Ainda hoje o conservadorismo liberal enferma destas maleitas, maleitas que constituem a sua essência. Ainda hoje vemos a direita enfileirar-se nas mesmas proposições liberais, na esperança (que se esperaria caída por terra após dois séculos) de conter o avanço da modernidade. Em boa verdade nenhuma dessas concepções provou qualquer capacidade de conter as falsas ideias progressistas, relativistas, positivistas. Basta indagar em que momento terá esse conservadorismo conseguido estancar a hemorragia…
As razões do insucesso prendem-se sobretudo com a própria natureza do movimento.
Olhando para Disraeli, por exemplo, observamos a completa ausência de um ideário articulado. As acções políticas são no governo de Disraeli movidas essencialmente pelas necessidades de uma cultura moderna já perfeitamente assimilada. As medidas democráticas de Disraeli (extensão do sufrágio, eliminação de algumas tradições eleitorais, sua substituição por concepções racionalistas de representação) não têm qualquer fundamentação conceptual. São um conjunto de medidas que visavam a conquista de eleitorado aos Whigs, algo que logrou através da destruição das estruturas intermédias da Nação justificada pela “lamechice” do One Nation Conservatism, em que o Governo passou a ser, sob um pretexto sentimental, a principal fonte de dependência do povo. Um governo à moderna, de massas dependentes, onde o papel dos poderes intermédios e onde o armorial das instituições foi pisado pelas concepções geometristas da Revolução. Caem assim muitos mitos sobre o conservadorismo inglês…
Pior que isso, Disraeli encontra como fundamento do Poder um cepticismo, na linha iniciada por Hume, uma fórmula que redunda num utilitarismo (a mais abjecta e simplista de todas as concepções filosóficas). Disraeli aceita a fórmula utilitarista de que a política é “maior felicidade, para o maior número”[1], embora achasse caber ao Governo o julgamento de tal fórmula.

É a afirmação do cepticismo que conduz ao pragmatismo e à aceitação da limitação espiritual utilitarista, ideia que comparada com o marxismo (em grande medida seu sucedâneo) até dá ao último uma quase respeitabilidade e profundidade que nunca teve.

Este tipo de conservadorismo, que é defendido no século XX por pensadores como Michael Oakeshott, Kenneth Minogue, Anthony Quinton, ou os Neo-Conservadores de Irving Kristol e não é na verdade um conservadorismo. É antes um argumento pró-liberal, onde todas as posições que se desejam conservar são posições liberais ou mesmo uma estrutura de Direitos Humanos jacobina e deísta.

É esta ausência de uma concepção original, de uma posição que se afaste da parcialidade das soluções burguesas[2] ou populistas[3], que impede que o conservadorismo se afirme como ideia política autónoma. Basta, para esse efeito, ver a navegação por cabotagem que grassa neste conservadorismo-liberal e a forma como uma perda de uma concepção articulada, de defesa dos valores tradicionais da nossa civilização.


[1] Na linha dos grandes desvirtuadores da obra de Burke, que ainda hoje vão proliferando, sobretudo na Europa.

[2] A concepção liberal é essencialmente proprietária, predominando a concepção de propriedade sobre a justiça total da sociedade.

[3] Sejam elas socialistas, justicialistas ou revanchistas.

Etiquetas: