quinta-feira, fevereiro 24, 2005

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O Problema Liberal

Para um conservador a grande tensão que resulta do liberalismo é a conflitualidade entre Liberdade e Autoridade[1]. O conservadorismo, essencialmente anti-moderno, encontra no combate aos ideais revolucionários a sua razão de ser[2].
O liberal foca a sua atenção no problema do indivíduo, na vontade, no consentimento. Nesta concepção a sociedade a vontade individual é a fonte de todas as coisas, atingindo o seu apogeu no atomismo de Locke, individualismo deísta de Thomas Paine, nos apriorismos kantianos, autênticos vícios de forma de uma teoria que se pretendia universal.
O conservadorismo apresenta uma resposta simples ao conflito Liberdade/Autoridade.
Edmund Burke refere variadas vezes a sinonímia entre Liberdade e Justiça. Em Burke não existem duas concepções conflituantes de liberdade[3], mas uma complementaridade. A liberdade não é uma religião individualista, mas parte essencial de uma ordem. Ela não é o fim da sociedade política, mas uma “maravilhosa decorrência” da boa ordenação da mesma[4].
Em toda a medida esta concepção de ordem só pode ser encontrada nos fundamentos[5]. Ao contrário do democrata ou do liberal que considera que esta se encontra no indivíduo, efeito para o qual inventou o absurdo contractualista.
É a existência dessa norma, de um acervo fundamental de princípios, dessa tradição, que distingue a essência do conservadorismo. Só ela permite que o homem encontre em si o utensílio central para um “dever ser”. Só ela permite a verdadeira essência da tradição política ocidental, a distância entre o “ser e o dever”, entre o positivo e o natural, a presença de um Bem Comum.
É com isto em mente que a concepção conservadora, os novos conservadores[6], sabem da necessidade de avançar para uma ordem verdadeiramente livre, uma ordem que se funda no justo e não na propriedade privada da vida colectiva[7]. O colectivo que encontra o seu fundamento nas vontades dos homens não poderá jamais arrogar-se de Bem Comum e gerará sempre a obediência do Homem ao Homem, o que significa a escravatura. Por mais doce, e portanto mais porcina, que seja a submissão do homem à mera vontade de outro homem, esta não deixa de ser uma “gaiola dourada”. O Poder que não caminha no Bem Comum é esta ditadura dos vulgares…
Para esse efeito é fundamental o regresso à "narrativa colectiva", aos assuntos que fazem de nós o que somos… Só a equação desses pontos pode permitir o abandono das teorias morais que nos vão corroendo pela confusão, destruindo pela base os fundamentos de uma Nação antiga, seguindo o exemplo de 1789.
História, Filosofia, Moral!


[1] Utilizando aqui a distinção de Robert Nisbet entre as grandes famílias ideológicas Conservadorismo, Liberalismo, Socialismo, segundo os seus propósitos finais: o conservadorismo na tradição, o liberalismo no indivíduo, o socialismo no povo, são essencialmente definidos pela sua preocupação ou fundamento último.
[2] Distinguindo-se assim claramente este conservadorismo (ou tradicionalismo) do conservadorismo-liberal, estrutura teórica que visa conservar o liberalismo e a sua estrutura metafísica
[3] Como é o caso da concepção de Isiah Berlin em que se postulam dois conceitos de liberdade. De um lado a liberdade negativa, a ausência de exterioridades coercivas a um acto, e a liberdade positiva, a capacidade para executar um acto.
[4] Como bem colocou Lord Halifax em “The Character of a Trimmer”.
[5] Fundamento esse que não deve ser confundido de forma alguma com os modernos pensamentos imanentistas. O fundamento socialista-marxista, ou a teoria dos direitos humanos, são doutrinas geometristas que não permitem a existência de compromisso pois encaram a necessidade de estabelecimento absoluto de princípios gerais. Opõem-se assim à doutrina aristotélica que estabelece um eixo circunstancial, definindo o mundo material como limitado, devendo a acção política ser movida pela “phronesis” (prudência), que se constitui como a capacidade de realização do Bem face aos circunstancialismos e limitações do domínio material em que vivemos.
[6] Não confundir com os neo-conservadores republicanos.
[7] Como reflectem Strauss e Voegelin a propósito das concepções modernas de representação política.

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