quarta-feira, setembro 22, 2004

Os Problemas da Democracia Liberal (III)

A divinizaçao da posse e uma das mais nefastas consequencias do liberalismo. Toda a cultura de direitos humanos moderna se baseia na posse e em direitos de propriedade. Um dos grandes pensadores do liberalismo do sec.XX F.A. von Hayek (sobre influencia do superior Edmund Burke) denotou bem a perigosidade dessa cultura de exigencias abstratas de posse, completamente descontextualizadas da realidade das sociedades! De que forma se podera garantir a todos os Homens o direito a vida, a propriedade, a ferias remuneradas. Podera ter o abominavel Ieti direito a ferias? A quem cabe pagar a educaçao dos filhos do abominavel Ieti? Toda essa cultura de direitos desligados da realidade social converge em espectativas irrealistas em relaçao ao Estado, a ideia de que se nao tenho emprego e o Estado a quem compete empregar-me, a ideia de que servir o individuo e o objectivo do Estado.


A posse adquire ainda maiores contornos de obsessao, quando se transforma num regime de mera protecçao das esferas individuais (como ja vimos a proposito dos conceitos de liberdade berlinianos). Aqui a moral subjacente e a autonomia pura dos individuos (sobre influencia directa de Locke e Kant). A comunidade politica vive apenas da determinaçao de esferas individuais e da preservaçao desses direitos individuais.Este exacerbar da autonomia, da vontade e da propriedade resulta numa moralidade (descrita por MacIntyre como "a trivialidade etica") em que cada um faz o que quer, desde que nao atravesse as barreiras dos outros individuos.
Tomemos como exemplo a questao do homicidio por mutuo acordo, ocorrido na Alemanha.
De que modo se podera punir, seguindo o raciocinio autonomista-individualista-relativista um homem que mata, com o consentimento da vitima, num ritual sexual e se vai alimentando dos orgaos (tambem com consentimento) como forma de obtençao de prazer sexual?
Muitos dirao que se trata de loucura, mas o que e em Democracia a loucura, senao uma perspectiva minoritaria? MacIntire no seu classico After Virte demonstra bem a natureza do problema e da incapacidade da psicologia moderna em resolver a problematica e definir patologias objectivamente.
Outros, mais sabios por certo, dirao que uma sociedade nao pode sofrer tal degradaçao moral (que ja se observa no sadismo dos programas de tv que exploram o grotesco e o arrepiante, a miseria e a degradaçao a troco de dinheiro), que uma sociedade assim nao caminha para a felicidade, mas para a sua desagregaçao total, pela eliminaçao dos fundamentos que permitiram a sua existencia! Ninguem duvide que uma sociedade onde se estivesse em constante desconfiança sobre os propositos dos semelhantes e incapaz de funcionar e sera destruida pelos mais aptos a existencia.
Essa tradiçao de pensamento, uma das mais importantes linhas teoricas da nossa existencia, chama-se jusnaturalismo classico e defende a objectividade da felicidade humana e da governaçao como forma nao-subjectiva de boa existencia (por exemplo, o pequeno furto nunca poderia numa sociedade moderna ser punido com a pena de morte, uma vez que tornaria o sistema judicial uma fonte de incriminaçoes e de medo, que o tornariam um instrumento de vingança e cobiça impossiveis de cumprir os seus objectivos.

Ha, de facto, no governo, na moral e na vida, coisas boas e coisas mas, independentemente do que os modernos nos queiram fazer acreditar.

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