Os Problemas da Democracia Liberal (II)
No Livro I da Politica, como em toda a sua obra pratica, Aristoteles reflecte sobre a natureza da cidade. A construçao da cidade platonica e pelo Estagirita prosseguida de forma mais praxiologica e menos rigida. Se para Platao a polis e uma unidade de ordem no caminho do bem, atraves da virtude da justiça, em Aristoteles a unidade e a partilha espiritual no sentido do bem atingivel pelo homem, ou seja, a felicidade.
Qual a diferença entao para o estado-social-liberal que encontramos na Europa do seculo XX, uma vez que todos apontam para a felicidade das populaçoes?
Encontramos em primeiro lugar o esvaziamento quase completo do conceito de felicidade. A reduçao realizada pelo liberalismo lockeano, identificando o proposito do estado como manutençao do conjunto de direitos de propriedade, veio a sentir-se nos seculos seguintes. A felicidade politica adquiriu um pendor meramente materialista nos seus varios subprodutos: o individualismo americano (ser feliz e uma questao de objectivos individuais inquestionaveis), o utilitarismo britanico (ser feliz e obter mera resposta positiva aos meus apetites e desejos), o marxismo (ser feliz e obter o que que necessito quando e onde necessito), no relativismo etico (e fazer o que me apetecer sem ter por isso de responder a ninguem, nem sequer a mim proprio).
Desta forma se desarticulou a ideia de um conjunto de pressupostos que conduzem a pertença.
O Estado e um mero municiador de inputs. E esse o objectivo do Estado neutro (sumo disparate da doutrina liberal), que se escuda nos pareceres e estudos da sua elite tecnocratica para assim parecer (bem patente pelas assertivas proclamaçoes de Durao Barroso em campanha para as legislativas "isso e sucata ideologica" ou "o nosso governo e o governo das pessoas, que pretende resolver os problemas concretos das pessoas". Que problemas sao legitimos ou ilegitimos de resolver?)!
E gritante a tentativa cretina de transformar o Estado num "provider" de emoçoes baratas ou de fundos para a sua obtençao... Tudo porque este Estado nao sindica opinioes e posiçoes!!!! Esse Estado democratico esqueceu que tem necessidades, que tem necessidade de se preservar! Um dia acordara sem ter quem o servir, por nao ter promovido as suas virtudes civicas, o realismo dos anseios, ou pelo menos uma moral de Estado...
Sera licito, ou pelo menos desejavel, que cada um obtenha o que deseja? Sera esse o sentido da coisa publica?
E isto aplica-se a liberais e socialistas... Tanto a doutrina de Hayek e Schumpeter, como a de Marx e Lenine reconhece a autonomia do individuo em criar as suas proprias escalas de valores, como estas se encontrassem desligadas do politico e do social, do historico e do logico!
A moral liberal entra entao na suprema locura, postulando (como Berlin o fez) uma liberdade autonomica e perfeitamente independente dos factores politicos, esquecendo-se que essas liberdades (cada um fazer o que quer na sua esfera de influencia) estao dependentes de um conjunto de obrigaçoes e restriçoes. Que direito a liberdade deveria ter um manifestante da Al-Qaeda nos EUA? Contudo, se este o quiser fazer tem direito constitucional a essa expressao das suas opinioes. Se isto nao e manifestamente auto-destrutivo...
Que liberdade e essa que defende o seu opositor? E uma moral incompreensivel e fruto de sociedades que promovem a divisao e a duvida como nova religiao (veja-se o conjunto de apelos para maior democracia de proximidade e democracia directa)!
Resta prosseguir a reflexao aristotelica. Tantos vinculos materiais e tao poucos vinculos espirituais... Sera que somos uma comunidade politica ou uma associaçao de individuos? Sera que nao nos consideramos todos soberanos e o nosso Estado nao sera apenas uma aliança? Havera ainda Portugal?
Etiquetas: Modernidade
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