segunda-feira, maio 25, 2009

Para a Análise Política Livre de Ideologia













Num “post” sobre RI a Magdalia analisa as duas tradições contemporâneas predominantes, liberalismo e realismo, e apercebe as insuficiências de ambas. Ao realismo, na sua formulação quase mecanicista, falta uma alma, uma incapacidade “normativa” de determinar qualquer perspectiva que transcenda a insondabilidade dos desejos individuais e colectivos. Segundo esta perspectiva o mundo internacional, mas também toda a realidade humana (infra-estatal, familiar, grupal...) tem como base unidades de vontade e a compreensão das interacções sobre as várias unidades de poder em que se articulam vontades comuns.
Existe aqui uma parcela grande de verdade. Os homens agregam-se em desígnios comuns e o resultado dos conflitos entre elas são a parte humana da História. Mas o realismo tem, na verdade, origens bastante sombrias na filosofia de Hobbes e na sua concepção profundamente errada da Natureza Humana. Mas o problema da Natureza em Hobbes não é a sua visão da inerência malévola da Natureza Humana, mas aquilo que constituiria o estado angélico do homem e que se consubstancia numa substituição de concepções de Bem por interesses insondáveis. Na análise que procede de Hobbes não existe certo ou errado, elevado ou baixo, mas uma visão mecânica, quantitativa, das várias perspectivas e vontades em conflito, sem apreço pela qualidade de cada uma das vontades. A sua ausência de alma corresponde à sua incapacidade de dotar o estudioso ou o agente de qualquer formulação não-maquiavélica. Os agentes estão enclausurados nas suas próprias vontades sem possibilidade de compreender as formulações que transcendam e permitam estabelecer outras fórmulas de cooperação que não sejam as dos “contentores de poder”.
Por seu lado o Liberalismo apresenta uma formulação com muito menor percepção sobre a realidade. Por um lado dá ao Homem uma finalidade comum que agrada a todos os idealistas, mas encontra nesta finalidade uma intra-mundanidade inaceitável para o Cristão. No Liberalismo aplicado às RI existem dois paraísos terrenos: um que considera que a cooperação gera bens e que a cooperação internacional gerará inevitavelmente bens fundamentais (paz, justiça, segurança, progresso), outra que considera que a própria unificação, não trazendo inevitavelmente bens, é melhor por aproximar o Homem da unificação de género que é desígnio do Ser Humano.
A primeira destas formas provém de algumas interpretações pós-kantianas e socialistas progressistas, que colocam na unidade a chave para a obtenção de bens. Como é evidente esta é uma formulação mágica que acredita que, como afirmou muito bem Manent na sua Democracy Amongst Nations, a comunicação gera comunidade. Este é um erro básico. A ideia de que a comunicação é sempre geradora de sentidos partilhados é uma balela que apenas serve a formação de instituições internacionais com objectivos pouco confessáveis (a UE que se afirma neutra em termos de princípios não-partilhados pelos Estados-membro, profere constantemente “fatwas” contra a recusa irlandesa do aborto, p.ex.).
O outro paraíso por seu turno, considera que a validade de uma norma depende da esfera de aplicabilidade de que esta dispõe. Por isso, é mais importante que a norma emane de uma jurisdição universal, do que defenda isto ou aquilo. Esta fórmula, que provém de determinada interpretação progressista da obra de Hegel é ridícula e acredita que a legitimidade de algo se mede pelo seu âmbito. É evidente que esta percepção da realidade pode ser encontrada na obra de Teilhard de Chardin e de muitos católicos progressistas, bem como de muitos jusnaturalistas seculares, que acreditam que aquilo que é natural provém, não de uma visão do Bem, mas de uma visão partilhada por todos os seres humanos. Como é evidente esta posição, um rousseaunianismo global, precisa de gerar unanimidade e traz, por isso, a exclusão do direito a possuir perspectivas divergentes. Traz consigo, portanto, uma visão secular do certo e do errado, bem como a possibilidade de excluir da Humanidade, como o fizeram de Sade, Hitler ou Stalin, todos os que impossibilitam esse magno consenso.

É seguro que o Cristão não pode senão rejeitar ambas as perspectivas, aceitando as partes de senso comum que em ambas se encontram e rejeitando as suas teorias mais profundas. Inserindo-se uma axiologia Cristã, torna-se possível, sem aceitar os determinismos realistas acerca do Estado, perceber as interacções entre os actores com uma percepção sobre as finalidades humanas e descrendo nos vários paraísos terrenos.
A tradição aristotélica-tomista, que ainda no século XX influenciou uma análise institucionalista dos fenómenos políticos, com recurso à filosofia política e sérias implicações no Direito Constitucional, ainda é o ponto de partida mais seguro e a certeza de uma teoria que mantém uma conceptualidade mais estável e fiável.

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