A Democracia É Mesmo Assim
Estranho a posição dos nossos liberais quanto aos últimos eventos venezuelanos. Por um lado vitoriam a democracia como grande avanço civilizacional, mas assim que a democracia faz perigar um conjunto de premissas da propriedade começam a gritar “Ditadura, Ditadura!”. Nisto não existe volta a dar! Ou o povo é titular e soberano da política e pode converter-se e estabelecer aquilo que deseja, ou não há democracia e a soberania reside num elemento qualquer que lhe é externo e não acessível.
É evidente que os que afirmam que pode existir uma democracia em que a vontade popular se encontra limitada por um elemento externo estão a tentar ganhar uma guerra lexical, forçando como democracia aquilo que é um elemento republicano e não democrático, segundo um modelo britânico. Tal afirmação não faz qualquer sentido que não seja o estabelecimento de uma aliança funcional entre o radicalismo liberal e revolucionário e aqueles que defendem um sistema de governabilidade, onde existam um conjunto de limitações ao poder que impeçam o plebiscitarismo.
O problema é, contudo, mais complexo do que isso, sobretudo numa altura em que a defesa desta concepção republicana do Estado se faz sobretudo em referência aos EUA e ao seu enquadramento original. Sem uma história de antinomia Estado/Povo como referência genética, semelhante à dos Estados Unidos, os defensores da concepção republicana em Portugal, rapidamente aderiram a um institucionalismo vazio como solução para os problemas da comunidade política. Seriam as instituições a impedir o plebiscitarismo, a ditadura, o “poder da rua”. Um doce engano que teve apenas como consequência lógica a possibilidade de inserção na política pós-abril, mas que castrou qualquer possibilidade de uma alternativa fundamentada e viável à Direita.
Aceitar as instituições de Abril só foi possível através dessa ideia de que as instituições possuem um carácter limitador do Poder, algo profundamente desmentido pelo nosso tempo, de Chavez, à decisão de Menezes e Sócrates de aplicar o golpe de misericórdia aos outros partidos do sistema. Dizer que é possível ressuscitar um conservadorismo em Portugal fundado em instituições vazias de conteúdo substantivo, ou criar um aparato social oakeshottiano de conservação, onde não existe um substrato “amável”, parece-me não apenas um acto de “wishfull thinking” mas uma recaída da eterna doença da Direita na aceitação de modelos que em nada se adequam à nossa comunidade...
E se a democracia é uma questão de princípio, o problema passa a ser ideológico e, portanto, mais grave.
Etiquetas: Conservadorismo, Direita, Modernidade
<< Home