terça-feira, outubro 17, 2006

A Parte Que Vos Coube da Verdade Que Me Coube Sobre Strauss














É difícil dar sentido à obra de um filósofo. Em grande medida os erros ocorrem pelas interpretações do trabalho ou da acção de outros, uma vez que são raros os filósofos que se aventuram nos domínios da praxis. Da mesma forma que é ridículo falar de Nietzsche como um nazi ou de Rousseau como um jacobino, é também má ideia falar de Leo Strauss como um neoconservador.
É fácil começar uma frase por Strauss é isto e aquilo e acabar a mesma frase falando dos straussianos (esses pérfidos iluminati). É fácil porque assim se poupa a leitura de várias obras fundamentais e de uma reflexão profunda sobre os aspectos mais exóticos da filosofia platónica.
Lamento desapontar todos os fãs do Strauss pronto-a-vestir, mas a compreensão de obra tão profunda não se coaduna com a causa da superficialidade, da mesma forma que o Legado do Cristianismo não pode ser confundido com a sua história.

Este artigo, tão comentado por essa blogosfera, enferma de todos estes problemas e mais alguns. Embrenhados que estão na sofística da teoria política contemporânea torna-se complicado vislumbrar qualquer horizonte superior... Strauss escreveu sobre isso, mas não é isso agora o que mais importa.
Importa compreender que se Strauss é um feroz crítico da Modernidade não é possível retratá-lo como o defensor de uma elite de iluminatti. Se Strauss é forte opositor de uma concepção racionalista-cientifica, também é certo que é defensor de um jusracionalismo antigo, absolutamente oposta a que o conhecimento e a Verdade estejam vedadas por natureza a alguém dotado de racionalidade. É por isso que os filósofos na obra de Strauss não são uma casta. Pelo contrário, é perfeitamente possível (e até mesmo habitual) que um filósofo ou um bom governante deixe de o ser, bastando, para isso que passe a agir segundo os seus interesses (na política ou na obtenção de verdade).

Entra aí o peso da Nobre Mentira que só pode ser entendida como parte de uma Verdade mais vasta. Estas são tão meias-verdades como qualquer linha desenhada. Não havendo verdade nela (nenhuma mão ou instrumento de precisão é infinitamente precisa) é à mente de cada um que cabe compreender a parcela de verdade que tem capacidade. O que significa que cada um pode compreender uma parcela dessa Verdade sem que a linha seja a mais completa mentira.
Isto significa, por conseguinte, que na obra de Strauss o filósofo se encontre vinculado pela Verdade e limitado pela sua existência.

É por isso que, ao contrário do que há tempos nos disse o Manuel Brás, Strauss não é mais um autor da sofística neoconservadora, mas um Novo Conservador (entendendo-se por New Conservative o recrudescimento de uma linha clássica da filosofia política decorrido nos anos 50 do século passado). Opõe-se claramente à linha democratista e ao existencialismo liberal dos neoconservadores, acreditando que a Política deve seguir a Natureza Humana. Não ficaria também muito agradado, também, se observasse que colam a sua mensagem filosófica a uma ideia "democrática" de prosperidade material e individualismo atomístico, que agora tenta ganhar feição global.
Tudo isto é acção de compreensões de Strauss que se abstraem da mais importante parte da sua mensagem.
Retirar a nobreza da Nobre Mentira de Platão.

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