terça-feira, fevereiro 12, 2008

A Miragem da Libertação Injusta















(dedicado ao Modernista)

Em Aristóteles existem dois conceitos de política. A cada um corresponde um conceito de escravatura. Na concepção mais lata o político é tudo o que se relaciona com a Pólis, independentemente do tipo de relacionamento mantido entre os membros da comunidade. Noutra, mais restrita, a política é toda a relação de cidadania que se faz tendo como medida o bem comum,o que corresponde a um tipo específico de comunidade. Na primeira concepção cabe a análise a uma imensidão de relações de escravatura que provêm dos vários relacionamentos entre os homens e a ordenação humana. Na segunda concepção há que analisar a forma como numa relação política (pólis) existe lugar para uma relação não-política, para que um elemento humano não se encontre abrangido pelo bem da cidade e mesmo assim se mantenha a legitimidade da sua obediência.
Em Aristóteles a escravatura pode, portanto, ser política ou infra-política (de carácter privado ou social).
Existem dois elementos preponderantes na escravatura. O seu carácter natural e o seu carácter convencional. O primeiro, porque só pode ser escravo quem possui uma incapacidade irredutível de participar na ordenação, ou seja, aquele que é desprovido de capacidades noéticas que o permitam compreender e submeter-se ao bem comum e ao carácter filosófico que este possui. O segundo, porque deve existir uma estrutura convencional para a aquisição de direitos sobre esse ser de humanidade imperfeita. A Ordem das Coisas e a Vontade dos Homens são dois elementos preponderantes.

Aristóteles, porém, ao teorizar a escravatura como uma concepção lícita, abriu uma das portas mais importantes no sentido da libertação, ao postular que toda a “alma completa” (o conceito não é aristotélico, mas paciência) teria direito à participação no bem que a comunidade defende. Assim que o Cristianismo e o conhecimento de várias civilizações demonstraram a capacidade intelectiva do bárbaro para a compreensão mais elevada, um dos pressupostos essenciais da escravatura encontrava-se moribundo.

No Mundo Clássico a escravatura era a impossibilidade de dispôr bem de si, que conduzia a uma ordenação num sentido mais elevado. Com o predomínio da ética voluntarista na Era Moderna, a escravatura passou a ser considerada como um conjunto de restrições à vontade própria, que nos reconduz a um problema mais complexo e mais profundo que toda a quantificação voluntarística. A questão reside em saber se é mais livre um filósofo que é tomado escravo e que tem a possibilidade de viver ou morrer para fazer prevalecer os seus princípios, ou o trabalhador rural que é juridicamente livre, mas que não tem um “ethos” que lhe possa servir como bússola de tiranos e governantes.
Sem esse elemento fundamental ético, o escravo liberto pode tornar-se escravizador, porque onde as vontades se encontram sem um substrato de justiça, predominará sempre o elemento da força, que corresponde ao carácter meramente convencional da escravatura. Onde a convencionalidade predomina, ignorando a natureza, a escravatura subsiste (a Veritas Ipsa proíbe a rapina, mas não os direitos adquiridos a terceiros). O que preocupa no liberalismo e na Modernidade não são os efeitos, mas a capacidade que tem de escolher a metafísica que acolhe melhor aquilo que se quer criar no mundo (exs: Eu gosto da liberdade, invento um momento pré-político em que se vivia de forma livre. Eu quero obediência, invento que a sociedade se ordena com medo da violência. Eu gosto do povo, imagino que há uma lei de libertação dos indivíduos na História).
Rapidamente somos conduzidos à primeira questão que descrevemos a propósito de Aristóteles. Se assumimos a vontade de dispôr de si como paradigma da liberdade e fronteira da escravatura teremos de encontrar uma medida em que o cidadão encontra a sua vontade legitimamente coarctada. Qual a ordenação em que o homem obedece de forma legítima?

A única forma de liberdade possível é aquela que se funda num elemento extra-convencional, mas tal é impossível sem o reconhecimento de que a justa ordenação se encontra no poder que serve o bem e não ao pode “do homem pelo homem”, que se funda, em última análise. O problema não pode, portanto, estar no elemento Vontade, mas na capacidade de encontrar fora de si o lugar dos espaços onde o outro não tem direito a intervir. Só há liberdade onde há Justiça.

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