quarta-feira, setembro 12, 2007

Duas Sociedades

Dizia o Cardeal Newman, numa das mais profundas considerações sobre o “toryism”, que este era sobretudo a política feita “cara a cara”. A definição é precisa porque se coloca na antítese da política e da sociedade moderna, em que, sob o manto da emotividade, a política é feita para massas uniformizadas, que sob a ilusão da intimidade com os líderes julgam viver uma relação de verdadeira amizade, mas que assenta apenas numa receita estatística para maximizar apoios. O destinatário é uma abstração com características imputadas pelo orador e não uma pessoa concreta ou uma instituição de valores e bens definidos.
A primeira é uma comunidade em que vários “amores” geram instituições com valores, a segunda uma sociedade de abstrações em que a ordenação vem do vazio e da inexistência de pressupostos comuns.
É certo que a comunidade de proximidade corre vários riscos severos (nepotismo, sectarismo), mas a emergência do nacionalismo, do patriotismo, das virtudes cívicas, vieram servir para cimentar a colectividade, mitigando a degeneração. O século XX trouxe a possibilidade da política cara-a-cara à distância, expandindo as comunidades reais. O desempenho de cargos políticos que eram prerrogativa das famílias reais foram-se, ao longo da História, abrindo à generalidade do povo em virtude desta difusão do espírito de serviço às populações.
Continuo firme na minha crença de que esta difusão dos valores e da reflexão sobre a “coisa pública” são indistintos do pensamento tradicional e das suas finalidades. Mantenho a minha ideia de que a qualidade de uma organização social se prende com a qualidade da população e as virtudes e valores que a compõem.
Se a comunidade portuguesa tem na sua ordenação tradicional uma referência, é também claro que hoje não possui instrumento espiritual para essa realização, em particular num momento de decréscimo e erosão do patriotismo e em que o auto-interesse é encarado como forma de acção política legítima.
Perante isto a verdadeira virtude política fica ante a decisão fundamental de agir imperfeitamente, ou de ver Roma arder, de tentar uma ordem política que salve o essencial, ou deixar que tudo (ou mesmo o pouco restante) se perca.