quinta-feira, março 29, 2007

"Cóltivado em Alto Grau"

















Ando com medo de escrever... Não são ameaças (quem é que manda o MCB ser fascista?) ou falta de tempo que o andam a causar. É sobretudo a minha falta de educação. Descobri nos últimos dias que fazer a apologia da obra de Salazar significa falta de instrução e grosseira incultura, segundo os editores e opinadores dos principais jornais do país. Perante os vultos da cultura que assim se pronunciaram que pode um rapaz fazer?

Resolvi assim “cóltivar-me”, abordando um texto de um verdadeiro “enteléctual”, daqueles que têm prémios e tudo... Filosofia da primeira água!
Alcei-me a ler algumas reflexões políticas do que é o primeiro homem-de-letras cá do bairro. Ora o sujeito, como todos já devem imaginar é o nosso Nobel (diz-se Nóbéle!!!), aquele senhor venerando que era torneiro mecânico não sei do quê (o seu galão proletário é inquestionável) e que os nossos novos educadores resolveram elevar ao estatuto de maior pensador português de todos os tempos.

O texto que analisei foi “Reinventar a Democracia”, que os mais atentos se recordarão, era o mesmíssimo título que Boaventura Sousa Santos nos quis impingir no texto sobre os oito mil quatrocentos e vinte seis tipos de “fascismo” que encontrou no mundo. A coisa promete desde logo...

Basta ler as primeiras páginas para entrarmos numa reflexão profunda sobre os clássicos. Na realidade alternativa em que Saramago vive a Democracia Ateniense era um modelo de participação cívica e democracia directa, onde as posições políticas electivas e sorteadas tinham enorme relevância para combater o predomínio económico de facção. É evidente que no mundo de Saramago nunca existiu Péricles, nem este foi alguma vez declarado “princeps”, nem o seu poder se alicerçava na casta comerciante que beneficiava do seu expansionismo a expensas de um exército popular. É evidente que aqueles trinta anos que perfazem a “Idade de Péricles” são uma mancha na História da Democracia Ateniense e são apenas uma excepção. Infelizmente M.I. Finley (insuspeito de ser “inimigo do povo” como este que vos escreve) descreve a forma como a proclamada Democracia Directa de Atenas era apenas um subterfúgio para a manutenção dos poderes das grandes famílias e como os “trabalhadores manuais” vendiam os seus votos e direitos governativos aos que possuíam ócio. Infelizmente o livro não chegou a Lanzarote...

Diz Saramago que a Democracia que chegou até nós foi de vertente romana, a temperada pelos grandes capitalistas e pelos poderes que estão. Eu que sou rapaz inculto julgava que a democracia era isso mesmo... É que já desde o diagnóstico aristotélico, aplicável também à Atenas em que vivia, se sabe, sem razão para dúvidas, que o poder nesse regime estava nos sofistas e que estes, por inerência do profissão e ideologia, se vendem ao mais alto licitante. Será que Saramgo não sabe isto? É claro que sabe, como calculo que saberá que Platão e Aristóteles eram os principais opositores do que ele qualifica como o Sonho Grego de um poder popular.
Passar uma mentira como verdade, sem a dizer, é uma arte que deixo à análise de gente mais preparada que eu. Talvez os editores dos nossos diários de referência nos queiram ajudar na exegese...

A importância deste texto é fundamental no conceito de Democracia dos sábios líderes da nossa intelectualidade. A Democracia é um conceito mutável, segundo nos ensina Saramago. E quando se fala na Democracia Económica não podemos deixar de pensar que tipo de estrutura é essa.
Duas coisas são perfeitamente evidentes. Funda-se numa sobreposição à ideia de democracia como sistema proveniente da vontade dos cidadãos. Ao recorrer ao conceito de “alienação” pela estrutura, sobrepõe-se uma vontade superior à vontade dos cidadãos. Por outro lado regressa-se à retórica do termo “democracia”, para reingressar no sentido que lhes deram as "democracias populares" do século XX, com as medidas terapêuticas que todos os “incultos” estão sempre a empolar. E eu a pensar que a RDA tinha sido isso mesmo...

Quando acabei de ler o texto deste meu novo mestre senti-me mais culto. Ganhei confiança em mim mesmo. Logo me abalancei à leitura de outros clássicos!
Por isso vos digo, citando Maiakovski, que “só aqui vim, porque achei que era tempo de vos falar de José Saramago”.

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