quinta-feira, setembro 28, 2006

Os Disfarces













Nisto da escrita política, como em todo o lado, existem os maus e existem os parvos. Os maus são os que “nos querem fazer crer que o diabo não existe”. Os parvos são os que acreditam.
Cada vez que leio o Atlântico fico sempre com a mesma sensação de “they don´t really get it”. É o caso das reflexões profundas sobre Filosofia Moral que aí se podem ler. A melhor das ditas (quero dizer ilustrativa) é a do já célebre Henrique Raposo, conhecido pelas suas reflexões de fundamentação duvidosa.

Diz-nos o habilidoso delfim do conservadorismo-liberal que a prática do aborto é uma questão privada de consciência. Claro! Mas o furto não será também uma delicada questão de consciência? Se a minha consciência considerar que determinada pessoa é menos digna (ou não é digna de todo) de possuír algo poderei eu violar a propriedade alheia.
Já toda a gente percebeu o problema, menos o dito articulista. O problema não está na pós-moderna consciência, mas no que a deve transcender. Importa pouco saber se o ladrão acha que a propriedade está bem distribuída, mas importa dar o seu a seu dono.
Com tanta consciência dá-se o trunfo ao socialismo emotivista e destrói-se o princípio em que uma sociedade liberal se edifica. Um “self-defeating argument”, obviamente...
Caso para dizer que com Raposo a esquerda joga, de facto, nos dois lados do tabuleiro.

O que nos leva para o segundo problema. Atacar o argumento da “barriga é minha”, depois de ter concedido que o importante é a consciência, é prova de uma falta de inteligência recordista...
Se um feto é mais do que um dente ou um bocado de carne é óbvio que tem de existir algo que permita enquadrar esse pensamento. Logo não é apenas uma questão de consciência. Mas que pensamento poderá enformar essa crença numa sociedade onde a ética é uma questão privada? E que sociedade livre é essa onde a moralidade (dir-se-ia os valores da sociedade civil) não tem influência na legislação?
Liberais, e tal...
Mais uma vez a problemática está em frente aos nossos olhos. A liberdade que anda na boca de muitos não é senão uma doce sujeição. Não conheço numa moralidade séria que se considere uma questão privada e de perspectiva, que veja as repercussões do que considera ser um mal social e diga “o problema é dele”.

Toda a moralidade tem de estar acompanhada de uma versão (estar vertida) política. Qual é o sentido moral de se dizer que algo é moral ou imoral para mim?
Ou a pessoa se despreza e se acha incapaz de compreender princípios que extrapolam a sua individualidade (tendo nesse caso a absoluta incapacidade de dizer o que seja sobre o mundo que o rodeia), ou não tem capacidade ou imaginação para mais (não tem capacidade de olhar para além da vereda que está à sua frente, de se orientar como num mapa onde existem outros elementos para além dos presentes e imediatos).
Que moralidade subsistirá à sua própria consagração como mera existência subjectiva?
Quem pode afirmar a imoralidade de algo e depois afirmar que outra conduta qualquer é perfeitamente aceitável?

Se o Estado não decretar os limites do Homicídio quem irá fazê-lo?

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