quinta-feira, outubro 27, 2005

Um Misérrimo sobre o Dinheiro

Nesta curta ausência perdi o fio à meada das conversas blogoesféricas.
Reparei, contudo, nesta excelente questão sobre o lucro e o capitalismo pelo BOS, Manuel Azinhal e o FG Santos.
A questão é frequentemente levantada pelas escolas liberais no sentido de demonstrar que o atraso económico do país é fruto de uma mentalidade ou espiritualidade pouco competitivas, que causam atrito na corrida pelo desenvolvimento material. Ponto interessante, mas que deve suscitar algumas interrogações, pois que parte da crença de que a estrutura valorativa de um povo se resume à sua eficácia económica e à sua adequação à estrutura material, factor que reflecte a manutenção da estrutura moral marxiana na sociedade em que vivemos (e que alegadamente abandonou o projecto totalitário).

O Paulo Cunha Porto observou de excelente modo a questão ao atribuir à alma e não à quantificação material a definição da boa riqueza e má riqueza. Infelizmente, tanto quanto li, a Santa Madre Igreja não apresenta uma reflexão unívoca (nem teria que o fazer) sobre a matéria, ou apresenta algumas ambiguidades em pontos importantes de interpretação.
Curiosamente hoje, aguardando uma palestra, fui lendo uma missiva de São Tomás de Aquino à Duquesa de Brabante a que se deu o título Do Governo dos Judeus. Ficou-me a clara ideia de que a perspectiva mais sábia é de facto a tomista, que está em consonância com a perspectiva do nosso amigo Enjaulado.

O problema da usura é a incapacidade de gerar virtudes, colocar o homem como escravo do dinheiro, numa certa forma de prostituição (que mais ou menos higiénica é sempre condenável).
Mais do que a prática em si é condenado o estilo de vida gerado pela prática. À boa maneira aristotélica a proibição do homicídio não vem da prática em si (pois existem vários homicídios lícitos, como a legítima defesa, a acção directa, a guerra justa), mas da susceptibilidade ao mal que da acção advém (o homicídio injusto, dispensável ou indiscriminado).
É fundamental que se compreenda em que medida usura poderá ser canalizada para que desse mal provenha o bem, ou de que dessa forma se salvaguardem bens essenciais, da mesma forma que, segundo o conselho do Aquinense, o dinheiro vicioso teria de ser reconvertido em obras pias, ou no bem comum, o que significaria uma reversão dos vícios da alma gerados pela prática errónea.

É nesta convergência e subordinação ao bem comum que emerge a importância da Nobreza, entendida como uma forma de vida que transcende a relação material e económica entre os indivíduos. “O governo dos simples”, como apelidou Burke, é uma estrutura social de indivíduos actuando em convergência de vontades, onde não existe bem ou mal, mas contractos e dívidas… Um paraíso neo-liberal, mas onde falta a capacidade de olhar para o outro (o grande malefício da democracia degenerada, como observou Tocqueville) de partilhar (como viram os comunitaristas), de realmente viver em comum (como viu Macintyre).

Por isso recomendo a leitura deste artigo de Claes Ryn (que por certo o FG Santos apreciará, por ir ao encontro do seu último parágrafo) sobre a importância da nobreza e de suas práticas distintivas, na capacidade social de gerar a magnífica virtude de olhar a relação laboral como mais que uma parceria de vontades, mas como uma parceria de vontades no sentido de felicidade da comunidade.

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