quarta-feira, outubro 12, 2005

Uma Teoria Para Hoje (II)

A Teoria e a Realidade









Há tempos, num daqueles maravilhosos momentos de erudição que o programa Prós e Contras da RTP nos proporciona, Adriano Moreira falava sobre os problemas de Portugal no contexto das complexidades do início do século XX. Num daqueles seus momentos que são seu apanágio Fátima Campos Ferreira interrompe a reflexão: “Ó Senhor Professor, mas o que é que isso significa na realidade?”. Com indulgência o Professor retorquiu “O que eu lhe estou a dizer é a realidade!”.

Infelizmente a mentalidade de Campos Ferreira parece ter feito escola em grande parte dos que falam sobre política. A ideia é de que existem dois níveis de pensamento... um pensamento filosófico que desprovido de interesse prático! Outro raciocínio que determina a acção, que se situa no domínio prático!

A grande falácia consiste na ideia de que é possível existir um pensamento prático, sem finalidades, sem uma ideia de bem, sem uma concepção definidora do próprio ser. Por isso é que as discussões sobre a natureza do Ser Português não são exercícios barrocos, mas questões essenciais na teoria que determinarão a prática.

A ideia do filósofo como um tonto que pensa em questões absolutamente desligadas da realidade é uma ideia antiga, que tem relevância nalguns casos de extremados idealismos. Tem razão de ser nos que consideram que é a realidade que se molda à teoria. Tem razão de ser quando falamos dos que tomam o pensamento segundo a vertente racionalista!
A modernidade inventa um Facto (um dado revelado pela observação) ou um Desejo primordial (no caso dos romantismos) e subordina toda a sua teoria sob essa lógica.
Esta forma de pensar baseia-se numa premissa errada, porque diviniza o facto como se verdade revelada se tratasse. Pega no mundo através dos objectivos dos homens e deforma-os segundo uma lógica que escapa a qualquer análise.
Esta é a ideia central de todo o pensamento moderno (cientificismo, voluntarismo) e de outras coisas que nem chegam a ser pensamento...

Esta ideia é exactamente oposta a qualquer posição realista da filosofia como a que defendemos. A filosofia não pode ter como outro fim que não seja compreender o que existe. Só através da inteligência se pode dizer o que é determinado objecto. Como se pode compreender o que é uma cadeira sem compreender a distinção entre uma cadeira e uma mesa? Como se pode falar de propostas e soluções para a comunidade política sem se definir a própria comunidade política? Como é possível aventar remédios para a coisa pública, sem se ter noção de saúde, de como o corpo político se constitui? Como se poderá estruturar uma sociedade sem se concordar quanto aos membros que lhe pertencem?

Só a partir daí se podem estabelecer linhas de acção, definir amigos e companheiros, fazer amigos pela partilha da verdade...

Por essa razão não existe qualquer tipo de necessidade de reequacionar o real.
A mudança de circunstâncias (território, regime, orçamento) não implica uma mudança do real, porque o real é perene. A cadeira será sempre cadeira enquanto servir para nos podermos sentar nela. O político será político enquanto servir para cumprir a natureza do Homem, proporcionando-lhe um espaço onde floresça a virtude.
Da mesma maneira que a mudança de cores, materiais e desenhos não retira à cadeira a sua qualidade de cadeira, enquanto cumpre o seu “telos”, também as limitações materiais de uma comunidade particular, provida de tradições, a que chamamos Nação, é absolutamente irrelevante no que concerne à definição do justo e do injusto, na definição do bom e do mau, para a essência do Ser Português.

Afirmar que o regresso aos “estreitos muros da velha Casa Lusitana” implica uma mudança de essência, uma mudança na estrutura do Ser Português, uma mudança nos fundamentos da nossa sociedade é um argumento ilógico, como afirmar que a quem são roubados os bens, os títulos, ou mesmo a família, deixa de ser quem é, tivesse de abandonar os seus códigos de conduta, ou mesmo as suas obrigações... A sua Identidade!

Só equacionando a perenidade se pode compreender a a realidade circunstancial.

O resto é confusão...

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