domingo, maio 08, 2005

A Direita do Futuro- Rumo ao Fundamento


O Problema

Vemos por aí a direita almoçadeira. Como dizia Miguel Esteves Cardoso, esta direita almoçadeira é filiada no Partido Comodista Português. A “situação” é forte. A direita enquistou-se na esquerda, uma direita filha do MFA. A “direita que convém à esquerda” é esta! Não só por proximidade, mas por ter abdicado de ser direita…
Mas se o referencial muda, porque mudam as alianças estratégicas, é forçoso que exista essência, mesmo num conceito sobretudo prático, uma essência que defina o conceito. A pureza de uma ideia é melhor servida com o dogmatismo na verdade (não há, nem pode haver, meio-termo no sentido da Verdade), com prudência na acção. Essa acção será boa enquanto for no sentido dos bens finais da Ideia. Por isso o dogmatismo político é contraproducente, como observa Nuno Rogeiro, no que toca à praxis política.
Por outro lado temos no Portugal pós-Abril uma ditadura mental de esquerda, ditadura que se serve da grande ilusão de um consenso do Centro, como viu bem o Prof. Rui Ramos, que ajuda a que a direita almoçadeira e a direita menos corajosa, talvez mais sub-reptícia, se alinhe no discurso esquerdista-progressista[1]. Talvez por isso o Prof. Nogueira Pinto considere que a verdadeira batalha se situa hoje em dia nas Universidades, talvez esquecendo que em Portugal é o Estado que manda e desmanda em todas as Universidades.

Temos por isso um conjunto de problemas da Direita, mas poucas soluções.
Uma direita derrotada, desideologizada, interesseira, que desistiu de qualquer convicção, que desistiu dos grandes traços da civilização portuguesa e que aceita o predomínio do económico sobre o político (rejeitando assim qualquer concepção nacional ou comunitária de justiça), ou, pior ainda, colando-se às concepções de Justiça socialistas[2].
O problema é metapolítico[3], num ambiente que é preciso mudar, definir, elucidar os seus fundamentos. Esclarecer a falácia tecnocrática, expor a filosofia social-democrata e a sua amálgama amoral e pseudo-caritativa, denunciar a falsidade de um Estado que se esconde numa neutralidade ilógica para ser Injusto, para defender a causa das clientelas e a partidocracia.

Presente, Passado, Futuro de Portugal

Vasco Pulido Valente encontra na Direita Portuguesa uma deficiência genética. Não sabe ser liberal[4], nada tem para conservar. A coisa até pode ser verdadeira, dependendo do que se toma por liberal, ou conservador.
Se se tomar por liberal o jacobino, o abstraccionista, o sacerdote ou crente da religião fundamentalista dos Direitos Humanos, é bem verdade. Se se tomar como conservador o que pretende a manutenção da ordem vigente, o que acha que só o presente é seguro, o que acha que se deve manter o que existe sem razão para tal, é também verdade! A direita nada tem a aprender com eles. O futuro dispensa-os.
Mas existe no futuro uma necessidade liberal e uma necessidade conservadora.
No plano liberal é imprescindível a consciência da liberdade como valor a defender. A compreensão de que a autonomia individual é uma riqueza da sociedade, é uma das mais importantes necessidades das sociedades que desejam ser competitivas economicamente, saudáveis espiritualmente. Há que estar, contudo, sempre contra a idolatria da liberdade. Esta não pode ser nunca a finalidade da sociedade! Uma sociedade que se funda na liberdade, funda-se naquilo que deve ser “uma maravilhosa decorrência de uma justa ordem política”, mas não o seu fim! Recorrendo aos exemplos que já neste blogue estafámos, um Estado que promovesse a liberdade individual[5] como seu fim último, teria forçosamente que abolir o Código da Estrada e deixar o tráfico fluir como uma “ordem espontânea” hayekiana[6].
A necessidade de ordem de que as nossas sociedades carecem não é, nem pode ser, uma reafirmação dessa tentação liberal de divinização da liberdade/autonomia, mas a compreensão de que só na ordem pode florescer essa liberdade, que é da ordem e da aceitação do peso do passado, que pode existir tanto a Liberdade, como a Justiça.
Que sociedade poderá ser livre e ter cidadãos livres sem ter um fundamento?
Como se organizará uma sociedade onde o reconhecimento da vida humana não esteja harmonizado num fundamento?
Poderá existir livremente uma sociedade onde os indivíduos tenham a liberdade de reconhecer como seres humanos vivos apenas os que têm mais de trinta anos?
Se a liberdade autónoma dos indivíduos fosse suprema e inquestionável[7], porque não haveria qualquer pessoa de justificar um homicídio pelo facto de não considerar a vítima um ser humano, quer pela sua pele, pela sua voz, pela sua capacidade intelectual, ou pela falta de qualquer membro do corpo?
O fundamento é essência!

E se a liberdade individual é inferior à Ordem, a Ordem só pode ser Ordem e não ordem, como a Lei só poderá ser Lei e não lei, quando tomado o caminho verdadeiro[8].
Esse é o horizonte de Justiça que é necessário, que só pode ser Restaurado por um regresso à tradição, àquilo “que faz de nós o que somos e não outros”. É a restauração desses fundamentos que nos tornará mais livres, verdadeiramente filhos e netos da civilização.
Verdadeiramente livres, porque só pode ser livre quem tem no horizonte algo superior ao que vê, ao que é. Esse “dever ser”, o horizonte, só pode ser encontrado naquilo que é enformador do Homem, a cultura.
A Grécia e Jerusalém, concertadas em Roma e na mensagem de Aquino, a necessidade de regeneração do século XIX.

Só esta síntese pode afirmar a Liberdade! A Liberdade da autonomia justa do indivíduo face à sociedade política.

A Justiça não pode ser, como observámos, um mero ditame da vontade. Pelo contrário. A sua existência pressupõe a sua contradição com a vontade. É a Justiça que pode ditar a justeza, ou não, de uma vontade.

Tem de haver ordem justa, para que haja liberdade, tem de haver tradição, para que haja justiça, tem de haver justiça para que eu não seja um mero escravo das minhas vontades, para que não exista a tirania, seja ela colectiva ou individual, e para que assim se cumpra a Justiça, que é o Bem de todos[9].

O Velho Novo, O Eterno

Para que exista um retorno aos valores da Justiça, a uma “idade de ouro”, onde o homem, sempre na dúvida, como é da sua natureza e sempre na esperança, como é sua vocação, se bate contra o vazio do relativismo, é necessário um regresso à busca do Absoluto.
E se Nietzsche, Spengler, Mohler ou Junger repetiram a necessidade de regresso a uma Idade Homérica, onde a Vontade dos grandes homens[10] marcaria as gerações no “ethos” do futuro, teremos nós de compreender os perigos do regresso a essa coincidência da Vontade e da Justiça[11]. Não precisamos de cair no nihilismo para erguer a moralidade do futuro. Pelo contrário, só é possível atingir essa “aurea aetatis” se trouxermos para o começo os ensinamentos do que constitui uma verdadeira justiça. Não precisamos de “bater no fundo”, i.e., no “Nada”, para daí reconstruirmos a nossa sociedade. A Cultura e a História, sedimentadas na Tradição, fornecem-nos a Luz sobre a qual nos poderemos renovar.
Sabemos que uma Justiça é forçosamente superior à Vontade, e que, quando o não for é degeneração, tirania, escravatura.
Sabemos que a Revelação é a forma segura que permite a existência de um conjunto de princípios que não estão sujeitos ao domínio do político[12].
Temos Saudade do passado e do futuro.
Temos de ressuscitar o que é eterno no Homem.

Comunitarismo

A ênfase na necessidade de um referencial ético colectivo é uma necessidade cada vez mais urgente. Desfazer uma concepção de sociedade fundamentalista individual, que encara a sociedade política como mero ponto geométrico de convergência de insondáveis desejos individuais, é uma necessidade urgente, que resulta obrigatoriamente no recrudescimento virtude.
Essa virtude é a concepção oposta ao abstracionismo. É esta que pode conduzir à tão necessária oposição às concepções de liberais de uma sociedade de indivíduos dotados apenas de fins autónomos, que prejudicam a vida comunitária dos povos, que atacam a existência de um bem comum, superior às vontades dos seus indivíduos. É neste aspecto que se encontra a superioridade da tese comunitarista face à liberal. Os indivíduos encontram-se, no domínio político, subordinados a princípios que lhes são anteriores, que não dependem da sua vontade, estando a eles subordinados por inclusão nas suas instituições.
Alguns autores apontam, por isso, algumas críticas ao comunitarismo. Consideram-no quase como algo encerrado e ensimesmado, a subordinação a uma ordem que se auto-justifica numa cultura, cultura essa que é inquestionável. Esse erro é verdadeiro, embora apenas parcialmente. Nem todos os comunitaristas são relativistas[13]. Em boa verdade nem se pode falar no comunitarismo como um movimento político coeso, ou com um projecto político coeso. O comunitarismo é uma resposta a um problema teórico-político liberal, a abstracção cosmopolista e universalista. O liberalismo toma o homem como subordinado a uma concepção individualista de Natureza, desenraízado de tradições, de comunidades, de ideias. O homo-liberalis encontra na comunidade apenas o bem-estar necessário à preservação dos seus bens materiais. Ao não separar o Poder dessa materialidade, predispõe-se a abandonar a comunidade ou a cedê-la a alguém que a garanta com maior efectividade. Por isso observamos o culto, quase judeu, do emigrante, da queda das soberanias, do cosmopolitismo urbano.
A existência de um referencial comunitário apresenta-se assim como a grande solução para uma sociedade que abandonou a Justiça e a Virtude (concepções indissociciáveis), para uma sociedade que deixou de estar ao serviço do Ser Humano e passou a ser escrava do indivíduo e da sua parcialidade.


Justiça Social contra o Socialismo

E se a Liberdade só pode ser efectiva quando não prejudica o Bem da comunidade, que se funda sempre na herança do Povo, é necessário que exista uma concepção subordinadora da sociedade. Nessa concepção se pode aferir o que é devido a cada um.
O herói (o soldado, o trabalhador honesto, a mãe extremosa), caído em tempos infelizes por acaso ou acidente, não é igual ao toxicodependente, ao proxeneta, à prostituta.
O empresário que reinveste os seus lucros na criação de condições de trabalho para os seus empregados, não é o mesmo que o que os gasta em futilidades.
Uns contribuem mais, na sua preocupação pelos outros. Esses merecem mais. Merecem que o Estado supere o mero “governo dos simples”, a mera retribuição pecuniária.
Esta justiça não corresponde, de forma alguma, à amoral concepção marxista de “necessidade”. O marxismo encontra no Estado um meio de prover para que cada um tenha o que precisa. A concepção cristã, tradicional portuguesa, encara o auxílio e a assistência como uma forma de conduzir à saúde física e moral. Por isso não deve encorajar a prática de actividades imorais, destrutivas da pessoa e dos que o rodeiam.
O marxismo e o esquerdismo pós-moderno são textuais na sua amoralidade relativista. O Estado esquerdista deve prover as necessidades dos indivíduos, mesmo que estas sejam salas de extermínio asseptico para toxicodependentes (salas de chuto), a venda facilitada da intimidade das mulheres (prostituição), ou famílias arbitrárias onde não existe qualquer critério para o desempenho da actividade parental. Este tipo de Estado demite-se do estabelecimento de normas, ou de um modelo de virtude… Tudo é relativo!
É fundamental que se reflicta sobre o problema do socialismo, sobre a forma como o socialismo tem sido sucessivamente derrotado no combate à pobreza. Como os realojamentos dos “bairros de lata” têm sido, nada mais, do que a troca de um gueto por outro. A mudança é moral.
As sucessivas tentativas de colocar dinheiro na pobreza, não geraram uma classe média no gueto. Pelo contrário, geraram um aumento dos meios dos criminosos, um aumento exponencial do consumo de drogas (mais dinheiro, maior procura).
Será tempo de reequacionar o distributivismo social e reforçar os poderes correctivos do Estado. Maior liberdade contractual, intervenção estatal no que prejudica o Bem Comum.


Um Projecto Político

Uma concepção de sociedade como esta não é uma forma extremista de existência (talvez o seja sob a perspectiva do esquerdismo que domina a nossa comunicação social). Pode englobar gente das mais variadas origens políticas.
Os nacionalistas encontrarão nesta concepção o retorno ao espírito da Nação e dos seus valores.
Os liberais, os que não caiam no abstracionismo e relativismo, congratular-se-ão com o reforço das tradições e das instituições, pois que são estas que permitem a verdadeira liberdade, a liberdade que se encontra enquadrada, face à liberdade anárquica dos indivíduos que se submetem apenas à sua vontade.
Os conservadores encontrarão algo, em fim, que merece a pena conservar.
Os tradicionalistas encontrarão o regresso aos princípios que os norteiam, a luta contra a tirania das maiorias, a compreensão do que é transmitido como ponto de partida para qualquer ordem justa.

Portugal Primeiro, acima dos Portugueses!


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[1] Os liberais do PSD pedem desculpa por serem liberais, afirmam o liberalismo como um mal necessário para o progresso
[2] Já escrevi extensamente sobre o problema igualitarista da concepção socialista de justiça.
[3] Talvez a própria essência do político.
[4] Que para liberais já bastaram as décadas da monarquia constitucional em que a educação modelo provinha dos manuais e método do senhor Pestalozzi. Como observa o Prof. Rui Ramos, desde 1820 a 1926, Portugal encontrou-se sob o domínio do progressismo liberal.
[5] Liberdade aqui tomada no seu sentido de AUTONOMIA INDIVIDUAL.
[6] Um conjunto de convergências momentâneas de vontades.
[7] Como querem fazer crer os “pro-choice” sobre a questão do aborto.
[8] O princípio consagrado neste manifesto integralista é, na boa tradição portuguesa, uma asserção desses princípios sadios da organização cívica Unica Semper Avis.
[9] Ver o meu texto sobre o Bem Comum.
[10] Que se tornam deuses.
[11] Que, como já vimos, elimina qualquer miragem de justiça.
[12] Aí se encontram os erros do estoicismo.
[13] Relativistas como Benoist, Kymlica, Sandel.

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