segunda-feira, maio 02, 2005

As Atrocidades do Simplismo

O que detecto aqui nos comentários do Pasquim é que existem pessoas que acham que as discussões se ganham pelo maior número de linhas… Preferem dizer pouca coisa, ou mesmo nada, mas não se coíbem de partilhar connosco os seus pensamentos mais inócuos, sob a capa de uma incisividade e de uma combatividade que não é senão demonstrativa das suas próprias incompreensões.

O BOS percebeu perfeitamente a maleita (na caixa de comentários anterior). Achar que a própria liberdade acaba no início da do Outro é uma fórmula vazia. É absolutamente desinteressante dizer isso sem explicar que limites separam a liberdade de uns e de outros.
Podem dar as voltas que quiserem, mas esta fórmula não é liberal, ou democrática, ou socialista, ou fascista ou comunista… É uma fórmula vazia, que tem de ser preenchida com a delimitação de direitos, de quais são as liberdades de cada! Por isso calem-se com essa conversa! Ou acharão que estão a fazer um grande avanço na Filosofia Moral ao repetir isso até à exaustão?

Quando o disparate passa para o teclado e resulta em sentenças como “todos devem abster-se de adoptar comportamentos que possam afectar os outros”, é tempo de pensar se quem as profere conhecerá a “teoria da gravidade”… É que a nossa existência física afecta todos os objectos físicos do Universo! Deveremos deixar de existir para não afectarmos os outros?
Mais candidamente é de perguntar: Se existe essa esfera, como pode ser justa a cobrança de impostos? Ou existir uma lei que obriga o pagamento de um serviço prestado?
A circularidade da resposta denuncia o simplismo do raciocínio! É a cultura, estúpido! Não se pode ir contra a cultura… Mas que cultura, se somos apenas indivíduos livres, unidos por laços de utilidade ou fins materiais? Se essa cultura precede a liberdade dos indivíduos (como nas teses comunitaristas) é ela que subordina a liberdade, sendo então ela a Ordem… (o que ando aqui a dizer há muito tempo)
Mais importante ainda é saber porque é que não se pode ir contra essa cultura…
E diz o comentador “Pode por isso, com o seu gesto, prejudicar gravemente a filha, tornando-a gravemente anormal”. O problema então é uma questão de normalidade! Elucidativo! Fosse a prática “normal” e disseminada e não haveria qualquer problema, o que diz tudo sobre os sólidos fundamentos de quem elabora desta forma.
O argumento é visivelmente débil que estas linhas explicativas não são mais que uma mera advertência aos mais incautos.

Há, aliás, uma convergência em todo o tipo de argumentos sobre estas questões morais.
Grande parte dos que comentam estão curvados perante uma falsa noção de normalidade!
Mas o culminar vem na forma de uma asserção contraditória. Escreve o Holandês que:

1. Tudo é relativo. “Mal e Bem, a menos de uma "ideologia", sem pre são relativos. P. ex. para um árabe muçulmano, dar um enxerto de porrada na mulher porque ela chegou tarde a casa é um bem que ele lhe faz. Para mim, e para a maior parte do mundo ocidental é um mal.”

2. A normalidade tem de ser preservada. “Como já disse, a curva de Gauss existe para nos proteger desses desvios muito, mas mesmo muito minoritários.”
3. Que o que se deve fazer é combater o desviante e defender o que é generalizado.

Eu não sei até que medida compreenderá o Holandês a teoria disparatada que arguiu…
Sei bem que o Buiça o considera um génio, mas será que um génio pode confrontar-se contra as regras da lógica?

Se tudo é relativo, porque é que se há de reprimir o que é minoritário? (Não foi para isso que serviram as câmaras de gás?) Que valor tem essa normalidade? Porque é que devemos punir o homem que espanca a mulher, se o homem não está a ser injusto? Se isso não existe… E que estranha noção de Natureza foi enfiada “à pressão” pelo Holandês para justificar as injustificadas perseguições à prática pedófila? Mais um disparate… Não estará essa noção de Natureza sujeita também ao relativismo dos tempos e modos?
A debilidade é a mesma do raciocínio anterior. Porque é que se há de defender uma normalidade ou uma cultura se ela não tem valor? Se ela ou outra têm o mesmo valor…

No caso da primeira concepção, a de que não podemos violar a nossa cultura para não sermos, ou fazermos, anormais, até uma criança de quarta classe pode observar a inconsistência. Ainda para mais, quando se afirma que o grande legado cultural do Ocidente, ou Europa, é a Liberdade, falta saber que liberdade é essa que tem uma noção de normalidade? Será uma liberdade que é superior à ausência de coerção? Se radica aí essa concepção este blogue já terá conseguido uma grande vitória! Ou será que a cultura e o acervo histórico patrimonial é superior a essas concepções de liberdade e que ela própria subordina a associação livre dos seus membros? Esta última ainda maior vitória para o Pasquim, por lograr a adesão a tudo aquilo que aqui já defendemos em matéria politológica.

É com felicidade que vejo as incoerências destes pensamentos explanadas nos seus próprios termos! Está tudo nas caixas de comentários…
Um reduz-se ao totalitarismo das maiorias, outro ao totalitarismo de um acervo cultural e civilizacional ocidental que ninguém sabe onde se encontra…

Ou será que se sabe onde está o fundamento espiritual, mas não se gosta do que se encontra?