Tecnocracia
Uma das grandes heranças do marxismo e do positivismo comteano que assola a sociedade socialista democrática que habitamos é a fé na tecnocracia. É interessante ver como a ideia se disseminou nos sectores direito e esquerdo do socialismo vigente, demonstrando a origem genética dos “chavões” dos nossos dias.
A crença de que a política deve estar subordinada ao saber técnico é uma ideia que se opõe (como quase todas as deste mundo moderno) à concepção tradicional da filosofia ocidental. A tekné está, em toda a filosofia clássica, subordinada à ideia geral de bem e sociedade. A inversão operada por Maquiavel, por Marsílio de Pádua, e pelo “governo, das coisas” de Comte, transposto posteriormente para teoria marxista, revela-se como uma novidade e uma subversão.
A tecnocracia é um erro perigoso.
Afirmar que uma concepção prática pode presidir à organização de uma sociedade ou Estado é um erro crasso. Uma determinada praxis encontra-se limitada sempre por concepções que lhe são superiores.
A ideia vulgar de que um técnico resolve melhor os problemas do sector que conhece é lamentável. O condutor da Carris, em todo o seu saber técnico (capacidades de condução, conhecimentos de mecânica, hábitos de interacção com os utentes), não é capaz, por si só, de decidir quanto tempo pode esperar pelos passageiros, quanto combustível deve ter no início de cada dia, qual o horário do seu autocarro.
Todas essas decisões implicam uma visão da totalidade da instituição que um motorista não tem. Implicam, da mesma forma, um objectivo total, um telos, para a instituição que não pode ser fornecido pela base.
O motorista pode considerar ser justo esperar quinze minutos na paragem por um utente habitual, ou considerar que não deve parar no local onde não existem utentes. Em todo o caso a decisão (a menos que o motorista seja simplesmente idiota, o que também é possível) estará sempre ligada à concepção geral de serviço, que implica uma concepção das finalidades da sua acção.
Pode considerar até que, de modo a obter um percurso mais rápido, não precisa de se deter em paragem alguma. A sua acção tem de estar sempre ligada ao objectivo da instituição na qual age.
O mesmo se passa num ministério ou na actividade governativa. Um técnico pode avaliar as consequências prováveis de uma acção. A técnica, contudo, nunca mostrou ou explicou porque razão é melhor uma acção que outra. Como escolher, p.ex., entre medidas que beneficiem a classe média, a classe baixa ou a classe alta sob uma perspectiva técnica? Que interessa ter como Primeiro Ministro um economista, versado em optimizações económicas da sociedade, se a concepção que dirige a sociedade é oposta a essa racionalidade economicista? Que interessa ter alguém à frente de uma sociedade que conhece todas as relações económicas dos agentes, mas que não é capaz de escolher um modelo?
Um modelo não pode ser escolhido pelos meios, mas pelos fins. Por definição…
Etiquetas: Comunismo e Socialismo, Modernidade
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