quinta-feira, março 10, 2005

A Benção

Quando se fala do Tratado Constitucional Europeu existe uma quase obsessão de vários sectores conservadores na referência à importância do Cristianismo na identidade europeia. Deve ser erro meu, mas não conheço essa consciência europeia que se traduz numa identidade colectiva, numa unidade cultural. Desconheço portanto a influência do Cristianismo na referida identidade...
Ainda mais interessante é o contributo do Cristianismo na formação da cultura filosófica europeia contemporânea, cultura que se move entre um liberalismo clássico e um socialismo jacobino e existencialista, amaciado por variadas concepções de liberdade individual. É de facto fulcral a relevância do Cristianismo em ambas as concepções…
Até porque em nenhum outro espaço continental, que não a Europa, se observam estas concepções filosóficas como predominantes… Talvez aparte da América do Norte, da América Latina, da Oceânia. Pois… Bem Europeu!
Spengler tinha bem razão quando afirmava que a palavra Europa deveria ser erradicada do léxico cultural…
Não só o Cristianismo nada tem a ver com estas concepções, como elas nada têm de Europeu.

Mas o que mais deve importar é a forma como a dita Europa, profundamente anti-católica, busca constantemente sanção eclesiástica. Neste ponto os conservadores sociais europeus (os partidos populares) são mais perigosos que os socialistas. São acérrimos defensores das medidas igualitárias e anti-discriminação, de um estado baseado no contratualismo e na vontade individual (sim, esse mesmo que tem de arranjar desculpas esfarrapadas para punir o pervertido antropófago alemão que matou e comeu sob consentimento um sujeito igualmente demente)… São estes que cortejam a Igreja, de modo a que esta, com olho no negócio, santifique o Super-Estado. Pouco interessa que o Super-Estado defenda concepções opostas à doutrina católica…

Observar os cristãos preocupados com qualquer menção a um conjunto de ideias que são absolutamente ignoradas na legislação e principiologia da União Europeia é, no mínimo, caricato. Quase o mesmo que esperar que o Papa se pronuncie acerca da legitimidade da homossexualidade! E no entanto…
Será que é mesmo necessário que o Papa se pronuncie? Será que não chega observar que os princípios da UE são, como se observou nas recomendações a Portugal a propósito do aborto (deveria estar extinto até 2010), opostos às concepções de sociedade do catolicismo?

Não se percebe esta Europa…
Esperará que o Tratado se torne “mui católico” com a sanção do Papa, ou que a Igreja se torne laica e anti-ortodoxa a troco de uma existência mais pacífica?
E não se ergue…

Etiquetas: ,