sábado, novembro 27, 2004

Conservadorismos

Muitos dos mais reputados pensadores políticos do século XX afirmaram o seu distanciamento das posições conservadoras. De Sardinha a Salazar a Pessoa, todos criticaram esse posicionamento político, por virtude este ter por base um imobilismo social, uma insubmissão à verdade e à prossecução do Bem Nacional, uma mera perspectiva de preservação de uma ordem instituída como um “bem-em-si-mesmo”, frequentemente como tentativa de preservação de privilégios do “status quo”. É verdade. Este era o conservadorismo que enfrentava o estabelecimento de uma ordem de paz e justiça em Portugal. Era um "conservadorismo social". Uma forma de imobilismo.

Fosse esta a natureza do Conservadorismo e não teria nunca existido o ideário conservador. Surgido da pena de Burke, o Conservadorismo revela-se como um ideal oposto às ideias de seu tempo. Um ideal de reforma da sociedade e da política.
O ponto comum a todos os autores do “conservadorismo ideológico” é o desafio à sociedade de seu tempo. Todos eles sabiam que o Antigo Regime estaria “ferido de morte” e que só uma restauração dos princípios, e não a recuperação “fetichista” de algum dos elementos da antiga ordem, poderia recuperar a grandeza das Nações da Europa. Burke recusava-se a aceitar a restauração da Monarquia Francesa sem os “corpos intermédios”. Donoso Cortés defendia, ao mesmo tempo que apelava à ditadura governativa, que esta só poderia ter fim com a restauração das antigas liberdades, recuperando a velha fórmula carlista de Deus, Pátria, Foros e Rei.
O Conservadorismo nunca teria existido se fosse uma mera apologia da situação.
Até porque esse lugar estava consagrado ao burguesismo-parlamentarista (defendido pelas ascendentes forças democratizantes) e às teorias monarquico-centalistas da “raison d´état” e dos positivismos hierárquico-extrincessistas de Pufendorf.
O Conservadorismo pretendia fazer a manutenção de um conjunto de “princípios e teorias” opostas aos que se começavam a fazer sentir e que mais tarde se “cristalizaram” em 1789 e 1848 e que se facilmente identificam com a Modernidade.
O Conservadorismo Ideológico forma-se assim como uma oposição aos ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade secularizados. Apresenta-se como uma recuperação das variadas e particulares Tradições Nacionais, dos seus princípios espirituais, da sua linha filosófica platónica-aristotélica e agostiniana-tomista, a defesa da estrutura legislativa medieval (resultado da filosofia mencionada), a defesa do Direito Natural Clássico (da separação entre eixo político e religioso, contra o totalitarismo unificador de cariz moderno). Apresenta uma perspectiva “política” do Homem, da necessidade do político para cumprir a sua natureza, a realização mais completa da sua vocação natural.
Apresenta a necessidade de entender o Homem segundo uma perspectiva “comunitária”, do Homem como “herdeiro” de um acervo histórico, de uma preservação principiológica que emana do momento original e dos próprios propósitos tradicionais da filosofia política tradicional.
Encontramos assim os movimentos tradicionalistas, restauracionistas, conservadores, das mais variadas procedências, pugnando por essas ideias anti-modernas, em movimentos portugueses como o “Miguelismo”, o Nacionalismo Católico, o Integralismo Lusitano, todas intimamente ligadas com a Contra-Revolução.
Todas estas ideias são fruto da “revolução conservadora”, da constituição de um ideário político autónomo do conservadorismo. No fundo são aplicações práticas do conceito geral estabelecido por Burke nas “Reflexões sobre a Revolução em França” e actualizações circunstanciais do ideário do “Whig” britânico.

Porque é então que se vê um ataque tão forte ao “conservadorismo” nos autores referidos?
É importante observar que no século XIX se deu uma drástica mudança nas estruturas sociais, tendo sido encontrada uma posição de “compromisso” com os ideais revolucionários, liberais e modernos. Sobretudo após o ano negro de 1848 e as revoluções dele decorrentes, emergiu uma posição que via como única solução aos conflitos internos um compromisso. Emerge então um conservadorismo democratista e liberal. No fundo não passa de uma tentativa de “cristalizar” alguns conceitos liberais. Cria-se então o “conservadorismo social” como movimento político. A diferença entre o “conservadorismo ideológico” e o “social” é por demais evidente. O segundo apresenta-se como uma ideia que se pretende opor ao “esquerdismo revolucionário”, tentando a fixação de uma sociedade num “compromisso” e não numa “filosofia” e numa reflexão sobre o “justo”. Ao desarticular-se dessa forma a “direita”, esta perde a sua vinculação a princípios e ideais, tornando-se uma mera força de contenção. É esta ideia que preside à formação de princípios de Partidos Populares, de partidos que expressam as ideias do povo (preconceitos, concepções de justiça tantas vezes incoerentes) e do “establishment” e não de concepções verdadeiras de justiça fundadas nas concepções tradicionais. É contra esta perspectiva social do “conservadorismo” que todos os “conservadores ideológicos” lutam, afirmando o primado dos princípios, sobre a negociação da Justiça feita pela “direita” de hoje, quando, como nota Miguel Ayuso, “a história demonstra que terreno cedido é terreno perdido”.
Este tipo de “conservadorismo social” é teorizado por Michael J. Oakeshott e alcança o seu auge na definição do fundamento do “conservadorismo” como uma “disposição conservadora”, uma disposição natural de alguns homens em preservar o seu modo de vida. O Estado teria como mera função (segundo os preceitos liberais) preservar o modo de vida dos indivíduos, a epítome do Estado Liberal! O conservadorismo seria apenas uma “oposição à mudança”.

Assim sendo, encontraríamos como grandes conservadores da nossa sociedade e da constituição os Marxistas e Soaristas, na sua defesa férrea da Constituição de 76, nas interpretações rígidas da mesma.
É preciso ver mais além e compreender que qualquer identificação do “conservadorismo ideológico” com o “conservadorismo social” é uma arma de arremesso político que, apesar de muito difundida na sociedade, não passa de um chavão.
O conservadorismo ideológico é, por natureza genética, anti-situacionista.

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