quarta-feira, janeiro 18, 2006

Cosmopolitismo e Materialismo

Ao contrário do Viriato eu não penso que a decadência do Ser Português provenha da globalização. A globalização é mais um chavão que serve para cativar alguns esquerdistas para um socialismo comunitário, ou para um nacionalismo esquerdista. A globalização é uma situação! É a capacidade de alcançar coisas que antes estavam longe... Se não acreditam que é como vos digo façam o favor de atirar o vosso telemóvel para o lixo, ou deixem de andar de carro e de avião. Deixem de viajar... Fiquem-se pela área delimitada pela vossa capacidade de caminhar! Se isso vos faz mais felizes...

O problema essencial não é a capacidade de viajar, de ver pela televisão, de conhecer.
O que nos mata como povo é a incapacidade de nos compreendermos... As nossas tradições portuguesas nunca foram um fim. Temos de as reter porque são elas que nos permitem compreender o que somos, porque elas próprias são a forma como compreendemos o mundo. Porque é entendendo-as e aprofundando-as que podemos cumprir o nosso destino como Nação.

Portugal é notável fruto de civilização global.
Antes de ser já o era...
As raízes filosóficas são gregas, e essas mesmas já eram conjunto de influências mundiais africanas, chinesas, nómadas...
A religião cristã completa a judaica, comporta uma perspectiva vincadamente estóico-romana.
A lei romana, os costumes visigodos...
Já o ídolo de D. Nun´Álvares era Galaaz...
Antes de globalizarmos o mundo e irmos ao outro lado do mundo buscar os temperos que fazem célebre a nossa gastronomia e de construirmos o Portugal nos Trópicos já éramos uma pátria global. Está na nossa génese... E cumprimos essa vocação!

O problema é um bocadinho mais grave que isso e relacionado não com a globalização (instrumento), mas com uma certa forma de pensar que coloca o indivíduo como superior à comunidade. O objectivo da comunidade será, segundo essa forma de pensar, nada mais que uma forma de alimentar os cidadãos dos seus desejos. Por isso encontramos a suma-lei da igualdade como superior ao bem-comum...
Os exemplos seriam incontáveis. Imaginem que existe um país em que meia-dúzia de mal amados detêm as terras! E imaginem que os que não as têm são desprovidos de capacidade de as gerir, altamente iletrados e desconhecedores das artes agrícolas. Imaginem um justicialismo que diz que 2% da população não pode possuír tanta terra e que é forçoso dividí-la. Rapidamente chega a expropriação... Em breve as falências das explorações, que antes davam emprego a tantos que não possuíam terras, logo a bancarrota nacional, evitada apenas pelas ajudas externas[1].
Por se colocarem ideias abstractas acima do “bem comum” se destroem as comunidades...

O mal não está na globalização, mas numa uniformização... E o mal dessa uniformização está numa simplificação radical da Humanidade. O retrato cosmopolita da humanidade não é de um Homem complexo que tem de ser lido através de uma narrativa que explica como e porque se constituiu assim a comunidade, como se relaciona com o outro e com o trancendente, como é que que compreende o exterior...
A posição cosmopolita é precisamente desta compreensão.
É a posição de um viajante fatigado que já não tem paciência para compreender que em cada cultura há um universo, olhando por isso para o Homem como todos os homens...
Redu-lo assim a um conjunto de impulsos, sejam eles materiais ou sociais, que inventa como razões para as acções humanas[2].
A ideia de que os homens querem mais liberdade e propriedade e que aí se esgotam os objectivos humanos de vida em comum é uma ideia simplificadora, desmascarada há mais de 2000 anos por Platão que explicou perfeitamente que a unidade material faz a comunidade humana assemelhar-se a uma vara de porcos, que a unidade em torno da honra faz o homem confuso e que este só pode tomar ordem das coisas através da submissão à Ideia do Bem.

E o que dizer do homem moderno, que se queixa dos maus costumes, mas que não está disposto a encontrar as raízes profundas e finais da sua tradição?
Que pensar do sujeito não é capaz de articular um pensamento sobre Deus e depois se redime dizendo mal dos materialismos de que faz parte?
Que se pode afirmar de uma pessoa que acha divino tudo o que vê (a árvorezinha no jardim, o sangue que lhes corre nas veias)? E do que nenhuma perfeição vê neste mundo e acha que o Caos é a norma?

Assobiem para o lado e inventem papões...

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[1] Este momento teve o patrocínio dos caixões Mugabe.
[2] Recomenda-se a leitura do capítulo III de Heretics de GK Chesterton, que em brevíssimas linhas faz a desmontagem destas meta-interpretações da História.

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