quarta-feira, dezembro 21, 2005

O Neo Problema

Há uns dias falava com uns amigos, gente inteligente e ilustrada em matérias politológicas, quando surgiu o tema da monarquia. Dizia um: “O Fernando é dos nossos! Também é monárquico!”. Eu estranhei, por saber residirem no Fernando aqueles ideais modernos de que toda a permanência destroem, que não aceitam qualquer realidade externa à percepção humana mais limiar, aquele sentimentalismo confiante dos neo-libertários que, porque pós-modernos, quase tocam o anarquismo.
Deixei a coisa passar, com a ideia de que se tratava de equívoco, até ao dia que ouvi o Fernando a discretiar sobre os prodígios da monarquia. Perante assinalável plateia informal ouviam-se argumentos curiosos como “os países nórdicos também as têm e são muito desenvolvidos e socializantes”, triviais como “as monarquias são sociedades mais consensuais”, o o all time favourite dos liberais “não tenho nada contra uma monarquia em o rei está subordinado à democracia”.
Percebi logo que o Fernando não era monárquico.
Tudo o que desejava poderia ser suprido por um Plano Quinquenal, por um Mário Soares, por um Presidente de Assembleia Popular.
Não era um monárquico, mas um progressista, consensualista e rousseuniano.
O problema deste conjunto de ideias é a sua pretensão a um Rei sem Monarquia, um rei cuja legitimidade depende de um acto voluntário do povo. Um presidente com plenos poderes... Um Doge veneziano, limitado não pela constituição e principiologia que o levaram ao Poder (pelas decisões dos maiores), mas pela capacidade de vencer e canalizar apoios, típica dos “cesarismos” tão antigos como a revolução protestante do Antigo Egipto[1].

Daí a que subverta a Moral, a Religião, a Constituição com o mero intuito de se manter o Poder. Que se sacrifiquem os traços que nos compõem no altar da utilidade funcional, para cumprir uma vontade que é reduto final e portanto injustificada, é irrelevante. Quando o homem pensa em si como sujeito portador de uma vontade, ou seguidor de uma vontade absoluta e externa, encontra-se num momento vazio (num momento de pura selvajaria ou estado de natureza), em que não possui o acervo do passado que lhe permita emitir juízos morais, que lhe permita pudor e virtude.
Essa era para Burke a essência “libertadora” da Revolução Francesa e a forma como esta iria degenerar invariavelmente na carnificina, nos afogamentos colectivos, na massificação guilhotineira.

O problema é o que o Rafael aqui tão bem diagnosticou. Para esta “direita” não há forma de encontrar uma doutrina… Todas as medidas e linhas programáticas são encontradas pela vontade, ou por interesses materiais, o que já constitui, em si, uma vitória da desagregação da teoria. É o grande triunfo das “esquerdas” a eliminação da possibilidade (e a crença na mesma) de estabelecer uma concepção de natureza, humanidade e virtude.
A partir desse ponto a escolha de uma posição política encontra-se desligada dos princípios que deveriam nortear a escolha.
É precisamente esse o ponto de fractura entre a “direita que é oposto da esquerda” e a “direita que é caminho para o centro”. A segunda tem consciência de uma visão integral do homem e não negoceia a visão, embora seja forçado a negociar as políticas (é a natureza das coisas…), enquanto que a primeira, ao não possuir uma visão do Homem, se limita a zelar pela manutenção de um estado-de-coisas em nome do conforto, bem-estar, do progresso material!
Evidentemente que dela não emergem princípios de justiça, estruturas de lealdade ou uma liberdade regrada. Não emerge nada que possa trazer algo de novo e resolver o impasse moral e a erosão social…
O que nos deve preocupar é a reconstrução de uma ordem justa e não justificar uma escravatura em “ferros” revestidos de pelúcia.

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[1] Eric Voegelin, As Religiões Políticas.

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