sexta-feira, dezembro 17, 2004

Ponto da Situação

A discussão que vamos tendo na caixa de comentários é muito interessante, e merece ser ordenada, de modo a que possamos extrair mais conclusões das formulações teóricas de que temos vindo a falar.
A discussão versa os problemas do paganismo e como a sua forma moderna (mais precisamente pós-moderna), reduz o político à força. Neste sentido convém destrinçar alguns pontos que me parecem evidenciar a perigosidade desta posição, bem como seus erros.

I. O Interesse da Estirpe

Um dos problemas que encontramos como raiz da incompatibilidade de razões entre ambas as posições é a atribuição à nacionalidade de um determinado estatuto étnico.
Que o Português é uma mistura de povos é uma asserção por demais evidente. Todos o aceitam, pois ninguém acredita que os Portugueses foram postos ao cimo da Terra por Deus, como uma Humanidade diferente. Todos acordam, presumo, que provimos de um ramo comum, seja de símios ou de Adão e Eva.
Tendo essa origem comum, o que diferencia os Homens?

Tendo em conta que ser Português não é algo de natural, mas uma convenção, não há ninguém que possa afirmar que seja Português em virtude da sua pele… Até porque seria a mesma pele que os faria ser Espanhóis. Será que existe alguma diferença entre o Português e o Espanhol. Para a pertença a uma nacionalidade é preciso, ainda que em muitos casos por suposição, que se aceite um determinado número de normas sociais(ver?).

Porque é que interessa ser então Indo-Europeu? Que relação existe então entre a nacionalidade e essa “estirpe”?
Para a perspectiva “racialista” a identidade reside num conjunto de povos que partilham como antecedente um conjunto de características culturais (ligadas a uma raça). Mas qual o interesse dessas características para Portugal e determinação da cidadania? É que se Portugal como entidade nunca perfilhou essas ideias o que interessa isso para ser Português? Essas raízes precederam Portugal em muitos anos… Nunca fizeram parte da sua identidade. E se Portugal é uma convenção, como poderá um factor natural determinar a pertença. Ou será que havia Portugueses nas Nação Celta, Romana, Goda?


II. Paganismo Moderno

O interesse da concepção triádica e da partilha de uma raiz comum terá que tipo de interesse para a legitimação de uma Nação Contemporânea? Não se percebe sem se observar à luz da degenerescência filosófica e moral do Ocidente.
Em sociedades científicas, onde predomina um misto de niilismo e positivismo, onde o primeiro gera a discordância congénita e o segundo tenta gerar a partir da ciência novos consensos, criou-se uma mistura nociva como alternativa ético-moral.
O nihilismo afirma que nada existe, além da força… Não há consenso racional possível!
O positivismo-cientista afirma que conhece a origem dessas forças e encontra-as numa natureza biológica de cada uma dessas estirpes.
Mas porque terão essas origens carácter normativo? Porque não retroceder à unidade original de Adão e Eva ou dos símios para afirmar a unidade do Homem? E porque não afirmar que essas distinções são meramente convencionais, que dispõem como identidade da vontade de ascenderem a maiores graus de perfeição moral?
Em última análise há duas posições a ter sobre esta postura filosófica.
O Paganismo é dizer que se pretende regressar a essa unidade espiritual triádica (ver adiante os argumentos a favor desta, bem como a discutibilidade das posições).
A outra posição é a posição de quem entende que o Poder é um fim-em-si. Não existe verdade ou necessidade de ser examinado pelo Homem. Simplesmente existe e deve existir. A partir daí qualquer mentira, sujeição ou escravatura é lícita, porque se encontra justificadamente. Nem sequer existem esses conceitos, pois que estes se encontram submersos na vontade do mais forte. Sem essa capacidade de examinação acabou a filosofia e com ela a Justiça… e tudo mais.

III. Os Argumentos Neo-Pagãos

Já aqui tivemos ocasião de elogiar os conhecimentos do Caturo. É de uma coerência extrema, dentro dos erros que aponto ao seu modo de pensar. Nas caixas de comentários deixou, tanto quanto possível em tão curtos espaços, a maneira de pensar Neo-Pagã. Infelizmente quem o faz denuncia sempre as fragilidades desta forma de pensar.

Um dos argumentos de Caturo é que os deuses Pagãos são os verdadeiros deuses Ocidentais. O problema filosófico que daí provém é óbvio. Como posso ser eu a escolher os meus Deuses? Só se eu for superior a deus. Mas como posso ser superior a Deus? Então Deus não é Deus, mas um mero ícone à minha imagem.
Que estranha entidade (ou identidade) é essa que precede Deus e que determina a minha escolha? Essa estranha identidade, o Ocidental, escolhe Deus. Mas se é preciso haver quem defina quem é Ocidental, então esse alguém é Deus! Seja ele a Comunidade ou o Chefe, ou o Cientista-demiurgo… Todos estão sujeitos à sua vontade. E as suas palavras não permitem qualquer discussão, o que resulta na destruição da “política” e num poderio “animalesco”. Certamente uma diminuição do Homem.

Os pagãos antigos, em particular Platão e Aristóteles, falam do Deus como o Ser único, a Fonte de todo o Bem. Ele representa a Unidade. Aceitam o paganismo como uma forma inferior disto, como formas inferiores que permitem chegar a esse Deus filosófico, que é a fonte do Bem.
Ora, o que o Neo-Paganismo faz é o inverso? Parte de uma ideia preconcebida subordinando Deus a essas ideias. Não é um processo de descoberta, mas uma fixação de um conjunto de conceitos terrenos. A sua divinização…
Sabendo que estes conceitos terrenos são limitados e imanentes, como poderão ser eles a resposta final e subordinar o transcendente. A divinização do que não é Deus. O que não tem qualquer capacidade de guiar as nossas acções passa a ter uma capa de divino, apenas para esconder um poder não analisado. Se isto não é um problema…

Ou seja, o neo-paganismo faz a apologia de uma coisa, para defender outra muito distinta. Defende um deus, mas idolatra o Homem, uma vez que esse deus não é mais que um reflexo de seus intuitos, que ele aceita não por “verdade”, mas por “vontade”. Pressupõe uma identidade que é convencional ou religiosa, como se fosse natural. Pressupõe uma subordinação religiosa do Homem pelo Homem, de um poder que não é susceptível de ser analisado.
Só um Deus, pela sua completude, pode ser a fonte de todo o Bem. Um deus parcial, como o Neo-Pagão não é completo, possuíndo por isso uma dose de ausência de Bem, ou seja Mal, de ausência de Luz, ou seja, Treva. Por isso é incompleto, não sendo de qualquer utilidade no sentido do Bem.
Não será muito diferente de qualquer Deus das tribos africanas, que não conseguem atingir o conceito monoteísmo, por falhas na sua cultura. As mesmas falhas que qualquer paganismo (parcialista) possui.
Os deuses pagãos são limitados por isso. E levam com eles os seus seguidores.

IV. A Tolerância

Para além disso esta perspectiva funda-se numa concepção levada ao extremo por Caturo. É levada ao extremo, levada quase ao pacifismo. Nenhum princípio existe, que mereça uma Guerra. Tudo é uma questão de opinião. Todas as religiões monoteístas são perigosas, porque consideram ter uma verdade… Por isso é melhor substituí-las por uma religião igualitária, em que eu achar que Deus é um lagarto que vive na Buraca, um raio que vive nas nuvens, ou o sol que está no céu, é absolutamente indiferente, porque, subordinado à vontade irrefutável do soberano (os já referidos cientista, povo, chefe), nada dizem sobre a vida da comunidade. Esta é uma perspectiva inconcebível.
Para esta concepção todas as perspectivas valem o mesmo, porque não há um critério de verdade. O “louco” é todo aquele que o Poder determinar. Deixa de haver qualquer tipo de loucura… Apenas perspectivas… Se virmos um Homem a esvaír-se em sangue a bater com a cabeça na parede, sabemos que é essa a sua perspectiva. E, pior ainda, não há qualquer capacidade de um consenso lógico acerca disso. Se o soberano sanciona, tudo está bem. Não critérios, nem há indivíduos. Só submissão.

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