quinta-feira, janeiro 14, 2010

Não há Estado sem Colher








Inadvertidamente, o Primeiro Ministro demonstrou não só as suas insuficiências, mas as de toda a forma de pensar as relações humanas através do prisma igualitário. Falando sobre a adopção por parelhas homossexuais, José Sócrates explicitou que a questão central no tema será, não os direitos dos casais, mas a felicidade das crianças.
A afirmação é bombástica, mas passou pela oposição, pelos jornais e pela blogosfera sem um arranhão.
José Sócrates, que tem vindo a ser a face mais visível de uma retórica igualitária desprovida de quaisquer critérios que não a vontade das elites socialistas, vem desta forma reconhecer que a vida sexual dos progenitores é algo com consequências na felicidade dos filhos. Ora, isto é obviamente inaceitável. Quando alguém nos andou anos a fio a dizer que as relações entre duas pessoas eram mera questão privada, aparece o senhor PM a explicar que as relações de amor entre duas pessoas têm consequências para terceiros.
Há aqui uma desigualdade gritante, também, que urge combater. Se os filhos adoptados têm direito a estar a salvo da sexualidade anormal dos pais, porque raio os filhos naturais não podem desfrutar dessa benesse e serem, também, vozes a ouvir na relação entre esses dois “consenting adults”? É evidente que, ao contrário do que o leitor Nuno ou o Miguel Castelo Branco pretenderiam, não há nada mais público que os afectos, porque toda a estrutura política pretende salvaguardar determinadas formas de afecto.
Curiosamente, esta sociedade que faz gala do carácter privado das relações entre duas pessoas, é a mesma que transforma em crime público a violência doméstica, que tem polícias a investigar crimes de violência psicológica e todo o tipo de disparates que mais contribuem para sabermos que ou o Amor é regulado (e, segundo creio, terá de ser aceite uma regulação externa ao próprio Estado para que o Amor não se transforme numa política pública), ou descambará em tortura, em condicionalidade ou violação.
Afirmar que, no meio de tudo isto, o Amor não deve ser discutidoe consagrado e que os que estão fora de uma relação nada têm a ver com os laços entre duas pessoas, não é só uma banalidade como um profundo acto de falta de Caridade. Se aceitamos que a mulher que é agredida, sob o seu consentimento, no lar familiar é vítima de um crime público (um crime contra a Cidade e todos nós), não temos pela mesma bitola de interpretar as relações em que os indivíduos, fragilizados por quaisquer questões pessoais, aceitam submeter a sua vida a relações que os afastam das suas finalidades humanas?

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