À Espera de Junot
A data de hoje é interessante para quem tenta perceber o desinteresse que a comunidade suscita nos nossos tempos. É claro que isto implica dizer que a destruição da comunidade enquanto elemento essencial da vida humana se deve às ideologias predominantes e nestas a uma particularmente nefasta. O liberalismo define o indivíduo como elemento anterior à comunidade, como se o seu estatuto e direitos concretos não fossem apenas um fruto da aplicação concreta de meios e recursos com vista a finalidades. O homem não tem valor político senão pela sua realização na comunidade. Dizer que um monje tem direito à propriedade ou que existe um direito à habitação por parte de um nómada, são afirmações ridículas que a nossa cultura tem vindo a afirmar como verdades sapientes e civilizadas. A única coisa a que o homem tem direito é à Justiça, a um retribuir das acções mediante o seu contributo para a obtenção dessas finalidades comunitárias e a que essas finalidades comunitárias sejam as mais elevadas a que a sua estrutura comunitária possa aspirar. O que equivale a dizer que o homem não tem direito a nada de material ou a nada de abstrato, que os direitos são sempre um reflexo dum tempo projectado no intemporal.
Nada que se compare com a ridícula concepção de Direitos Abstratos a todo o tempo e espaço que algumas luminárias liberais imaginam (e como se tem visto nos últimos tempos, sem razão ou fundamento para tal), nem coisa que seja semelhante a um jusnaturalismo real. Esse é o problema do liberalismo e o seu problema estrutural com a comunidade. Para estes só a comunidade que defende os princípios do liberalismo é lícita e merece ser vivida, só a sociedade que se ordena segundo os seus princípios é defensável. O problema é que a partilha comunitária, ao ser reduzida a um conjunto de pressupostos ideológicos que se encontram ao nível da preferência e não possuem conclusões metafísicas evidentes, se transforma numa arma de arremesso. Os liberais não aceitam, por isso, que a comunidade (a comunhão de significados partilhados) tenha precedência sobre a visão particular e ideológica. Daí a aversão liberal a qualquer expressão do “Bem”.
O único caminho capaz de reverter a situação é o regresso do liberalismo a uma discussão sobre o Bem que seja mais do que a sua expressão de preferência. Não apenas porque o Bem Comum não é um reflexo de uma agregação de vontades livres (podemos todos livremente dar um tiro na cabeça sem razão), ou um desejo de manter a espécie (o que era a eugenia senão isso?), mas porque sem uma concepção de Bem e sem que esta seja imperativa, nem a nossa igualdade é possível, porque fica dependente de acordos para a mesma.
Era mesmo preciso que os liberais portugueses não estivessem prontos a lutar por um Junot qualquer.
Etiquetas: Modernidade
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