segunda-feira, maio 21, 2007

O Começo da Ordem






















Quando observamos qualquer fenómeno político devemos sempre observá-lo em correlação com as circunstâncias que o rodeiam. No que respeita às formas de organização da comunidade tal lição ainda é mais importante. A monarquia, por exemplo, é um regime superior aos outros, mas não é sempre o melhor. Tem maiores potencialidades de gerar uma sociedade bem ordenada, mas, onde não exista uma legitimidade bem fundada ou uma boa orientação do monarca para a compreensão dos valores da comunidade, pode ser uma fonte de corrupção e de degeneração de todo o sistema.
O mesmo sucede em relação ao Comunismo e à Democracia.
Quando Platão postulou a existência de um sistema comunista não o fez com o intuito de fornecer à cidade uma norma única e generalizada. O Comunismo de Platão, embora A República seja omissa nesse aspecto, funda-se na virtude dos líderes, mas também numa preocupação com a propriedade por parte do estrato produtivo da sociedade, o que indica com alguma certeza, que o sistema comunista não entrava na vida dos cidadãos, mas apenas da classe governante. Tal sistema existiria apenas em duas condições. Onde a virtude ascética o permitisse e fosse necessária e onde outros produzissem o necessário para o sustento da comunidade. O mesmo se aplica ao comunismo da vida monástica, que só é possível quando inserido num sistema produtivo mais amplo e que não se rege pelos mesmos princípios e virtudes. Marx, como homem inteligente que era, contornou o problema ao profetizar o fim da escassez ou o fim dos desejos humanos fora da esfera da comunidade. O universalismo comunista era a vertente utópica de um sistema económico-social que sempre soube não poder ser a norma do todo social. Não admira que tenha sido por essa incapacidade produtiva que o comunismo tenha colapsado como sistema social.
O mesmo sucede com a concepção democrática da sociedade. Ouve-se falar bastante de Democracia e da sua incompatibilidade com alguns princípios das comunidades bem ordenadas. Mais uma vez é preciso distinguir o que é a Democracia como elemento de decisão política e como concepção civilizacional e estruturante da vida humana. A primeira é uma directa decorrência de uma tradição institucional que consagra um direito alargado à participação na decisão política. A segunda corresponde à ideia de que a comunidade e a forma de vida comum são propriedade dos cidadãos e que nada existe acima dessa vontade. A incapacidade dos que perfilham esta segunda concepção em encontrar qualquer norma, ou qualquer justificação, superior à convencionalidade, para justificar a força legítima de que a política não pode prescindir, é a perfeita assumpção da Apatia existencial que preenche o espírito de todos os que vivem no totalitarismo da discricionaridade. E, estranha ironia do destino, quem não compreende isto nasceu para obedecer, encontrando-se escravizado pela sua própria concepção castrada da capacidade de observar para além do sujeito. Sem essa liberdade, sem a qualidade de alma registada por Platão que leva a que um homem, mesmo que sem possibilidade de ser apanhado, não cometa dano aos outros, como pode alguém dizer-se livre o suficiente para governar? Sem essa concepção de justiça superior a única distinção entre o criminoso e o virtuoso é a vontade de terceiros.
É fundamental ordenar o espírito, como ordenar a estrutura da sociedade, como ordenar os valores e os slogans que nos norteiam. Mas tal só é possível onde existe um vislumbre dos fins.

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