quarta-feira, maio 24, 2006

Uma Auto-Estrada para Damasco (II)

De repente surge a ideia, muito em desacordo com o “espírito do nosso tempo”, que chafurdar na lama não é tão bom quanto a vida digna. O “macaco nú” possui em si uma centelha de divino, que o realiza. O elevado puxa por nós, por ser a nossa natureza. Do reduto das subjectividades eleva-se a virtude dos homens que, face ao vazio e à incerteza, possuem a vontade de continunar a Civilização. Sem as guias de Deus, sem uma crença fidedigna que não nas “histórias que se contam do Hades”, os intrépidos fundadores e continuadores do pensamento afastam a sociedade do Vazio, do regresso à pocilga, sem esperança. Há nesses homens uma virtude, uma força dirigida para o alto, que ainda se pode sentir nos clássicos ou nos escritos de Heiddegger e de Leo Strauss (não estranhamente um jusracionalista judeu)... Sem esperança que não a manutenção deste mundo e da ténue linha que nos separa do absurdo, da arbitrariedade, é, de facto, a tarefa dos grandes homens não abjurar essas verdades, muito menos pelo interesse, vaidade, glória.

Não há dúvida que há bons homens sem a existência do Divino. O problema é que não há Bem sem Divino...
A questão parece retornar aos dramas fundamentalistas e aos autos-de-fé, como por certo alguns fazem crer. É inevitável que assim seja. Relembre-se a História da Filosofia e ver-se-á que em toda a teoria do Bem, em todas as pessoas que formaram um juízo auto-examinado e o levaram às mais profundas consequências, existe uma análise de Deus.
Marx pediu emprestado o Deus de Hegel, o Processo Histórico, para anunciar a Boa Nova da amoralidade e o Reino da Técnica (que, por seu turno, havia sido emprestado da doutrina positivista de Auguste Comte).
Ou o que dizer do Utilitarismo em que Bentham assume os pressupostos do materialismo cartesiano, reduzindo tudo o que não tem forma física à categoria de lenda. A partir desse momento a divinização do Homem, em particular do seu elemento hedonista, é conquistada, sendo tudo sacrificado à suas mãos.

Todos estes, gente alerta, compreendiam a necessidade de ancorar as suas concepções de Bem, num sistema mais profundo, numa demonstração de que a sua posição se encontra em consonância com a ordem natural das coisas. Essa âncora é fundamental em qualquer ideia que se proponha a ser mais que passageira, mais que mera expressão de vontade individual. Que significa fazer o Bem se não for cumprir a nossa natureza e a natureza das coisas? Que significa o Bem sem um referencial maior?

A fragilidade do Bem que não está ancorado, justificado, a algo mais profundo é o caminho mais rápido para o vazio. O vazio é o caminho mais rápido para a doutrina do mais forte, que é a antítese da concepção verdadeira de Bem que encontramos no conflito eterno de Sócrates e Trasímaco. É o triunfo deste último...

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