sexta-feira, março 03, 2006

Perigos e Fronteiras

É bem verdade, como afirma o BOS (segundo a doutrina britiana), que o nacionalismo não se pode resumir a um nós contra eles, onde o nós se reduz a uma arbitrariedade onde não existe essência nem uma unidade superveniente. O Estado Fascista é de facto totalitário por ser o auge da construcção do homem-novo e por suplantar a Nação como estrutura organizadora da obediência política, manifestando-se esta como Bem Supremo da existência humana (o legado de Maquiavel e dos seus sucedâneos da Raison d´État é aqui demasiado patente). Não querendo entrar na reflexão sobre a Multiplicidade e o Uno, tenho apenas de advertir que a observação de uma “Tática Divina” pode resultar no mais desvalido historicismo. Compreender Deus pela História, sabendo da existência do Livre-Arbítrio, é uma apresentação apelativa, mas religiosa... Mais que tudo essa pan-interpretação gera a concepção de um Homem escravizado por forças inapeláveis, tão ao gosto das “magias evolianas”, mas que lhe retiram o sentido verdadeiramente humano.

Por muito que se queira nunca existirá uma sociedade sem concepções religiosas (por mais viçosas ou débeis que sejam). A Nação encontra-se sempre contrangida por algo. Fosse a Nação o valor superior da existência humana e ela suplantaria a Verdade e o Bem que se propõe a servir. Nenhuma Nação que conheça pode subverter a lógica aristotélica e os seus silogismos, ou afirmar que um ponto tem peso e ocupa espaço, ou abolir a existência da geometria perfeita nos nossos espíritos[1].
É por isso que não podemos senão discordar do nosso amigo FG Santos, uma vez que a superioridade da Nação na vida humana é um erro grave.
Basta observar o “Diálogo sobre a Justiça” da República de Platão para compreender que esse erro está na origem de uma concepção errada de sociedade, que é circular...
Céfalo afirma que a Justiça se encontra no Mito e nas tradições. Que o Homem justo é o que reproduz o que lhe foi legado, perante o temor da vida pós-terrena. Sócrates demonstra as dificuldades da convenção humana, numa ideia prosseguida por Aristóteles, mostrando que a a política pode ser Natural, quando se submete ao superior, ao Bem!

A subversão da Modernidade consiste na inversão do conceito de Natureza[2]. No pensamento cristão a Natureza do Homem é o Bem, o desenvolvimento das capacidades morais e intelectuais. Na Modernidade a Natureza é a rudeza e a brutidão, assim como o objectivo do político é preservar a primitividade do Homem.
Afirmando a pureza do primitivo, a sociedade política é apenas uma forma de manter uma Natureza anterior. O político uma forma convencional de preservação da bondade ou direitos primevos.

É precisamente por esta razão que é importante reafirmar a naturalidade do Poder. Sendo a comunidade uma construcção humana, é-o tanto como um cálculo matemático, uma percepção de uma realidade superior.
É por essa razão que a comunidade política é, por excelência, uma elemento natural, porque é ela que possui a capacidade de realizar a Humanidade enquanto ordem colectiva. É a comunidade mais perfeita porque representa a auto-suficiência política, em matéria e espírito.
Sem essa concepção de Natureza, que é Bem, encerramo-nos na incapacidade de distinguir o desejável e o indesejável. Tudo é a mesma coisa porque mesmo o Mal mais profundo ou o malquerer mais gratuito, é parte do todo a proteger... Em grande medida é a busca de uma preservação do Vício que move a concepção relativista!

E que melhor forma que uma Pátria com Identidade Histórica para permitir uma compreensão das directrizes de uma vida em comum?
A Nação é uma realização suprema da Natureza, assim como a cultura que a permite.


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[1] Ninguém nos pode ordenar que “A maior que B e B maior que C” seja “C maior que A”, ou ordenar que “as rectas passem a ter fim”.
[2] Leia-se, a este propósito, as páginas 4-5 deste interessantíssimo texto de Rémi Brague, ou este excelente “post” do BOS.

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