quinta-feira, março 17, 2005

Multiculturalismo e Imigração

Li num jornal uma sondagem que indicava que a maioria dos portugueses estão contra o aumento da imigração e contra a sociedade multicultural. Infelizmente a sondagem não perguntava se os portugueses são a favor da sociedade acultural… paciência!
Sou contra o aumento da imigração em Portugal. Não sou xenófobo, nem xenófilo. Penso simplesmente que a sociedade portuguesa não pode assimilar mais gente, transmitir a sua cultura para uma inserção razoável e prudente.

O problema é de fundo e não a imigração em si.
Em primeiro plano temos uma comunidade desagregada. Sem um conjunto coeso de concepções comuns não existe uma verdadeira comunhão. Sem a existência de uma norma não é possível existir tolerância.
O multiculturalismo não seria mau, nem perigoso, se existisse na nossa sociedade um referencial, ou no mínimo uma proposta de valores que seja endógena. Mas numa sociedade onde só existe o privado, onde se relevou a justiça para segundo plano[1], onde o critério definidor da lei é a maioria numérica, onde os indivíduos se encontram à deriva sem concepção a que possam chamar norma, o perigo não é a existência de gente com costumes e crenças diferentes, com desprezo pelas coisas que conhecemos como preciosas, pelas construções institucionais que tomamos como essenciais à nossa existência. O perigo é que numa sociedade acultural, a existência de uma minoria com uma concepção coesa e costumes diferentes pode constituir um perigo real e fazer um “take-over”.

Numa sociedade acultural, em que o poder político é um mero procedimento, a assimilação é uma mera questão jurídica. Não implica a aceitação de uma cultura, a defesa de uma memória comum ou sequer a partilha de um conjunto de ferramentas de comunicação que possibilitam o contacto mínimo. Por isso temos a imoralidade da cedência de cidadania a residentes no prazo de três anos, da ausência de um “juramento de bandeira” para os que serviram outras bandeiras, da cidadania obtida sem qualquer serviço, comprometimento ou partilha.

A tradição portuguesa infelizmente foi apagada e já não constitui uma alternativa.
A única forma sadia de termos o outro no nosso seio é conhecermo-nos.
Só com um Nós, na essência da nossa identidade, poderemos ter no nosso seio o Outro e fazer com isso uma verdadeira “unidade na diversidade” e não uma amálgama vazia, disforme e sem propósito.

“Ai de nós se não soubermos as fontes donde brota a nossa inspiração”.


[1] A característica principal do debate político do fim do século XX, de Rawls a Hayek, de Sartre e Rorty a Nozick (exceptuando a crítica comunitária do liberalismo), é o seu desprezo pela Justiça como fundamento supremo da comunidade política.

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